Desde o fim de 2022, investigar a rede bolsonarista por trás dos ataques golpistas se tornou um trabalho de alto risco. Nos últimos dias, como talvez você já saiba, experimentei isso na pele.
Depois que revelamos a vida tranquila e impune de um foragido do 8 de Janeiro na Argentina, fui alvo de ameaças de morte e tive meus dados pessoais expostos em redes sociais – além de uma série de outros crimes igualmente informados às autoridades competentes.
O ataque não veio de um único ponto, mas de uma rede organizada. Quando percebi que as coisas estavam em um nível muito maior do que estou acostumado, fiz o que sempre faço ao investigar políticos e empresários: segui os rastros digitais, identifiquei alguns dos responsáveis e “puxei a capivara” de um por um – ou seja, busquei em fontes públicas informações dos autores.
Em tese, a maioria, na rua, não intimidaria ninguém. Mas, no ambiente digital, são operadores de uma máquina de destruição especializada em desestabilizar, praticar violência digital e cometer crimes de ameaça. Por alguns minutos, cheguei a relaxar. Foi aí que me lembrei do caso de Francisco Wanderley Luiz, o Tio França.
Quase dois anos após o atentado contra a democracia do 8 de Janeiro, Tio França planejou um ataque a bomba no Supremo Tribunal Federal. Levou explosivos ao prédio do tribunal, mas não conseguiu entrar. Lançou alguns rojões na direção do STF e, ao ser confrontado, resolveu cometer suicídio em frente à estátua da Justiça.
Embriagado pela ideologia bolsonarista, Tio França quis fazer de sua morte um ato político. E ele não era um lobo solitário, um maluco qualquer. Era um fanático forjado pelos discursos de Jair Bolsonaro contra a democracia, especialmente contra o STF – como muitos dos que me ameaçaram, como tantos que estão na Argentina.
Tio França e Josiel Gomes, o 007, foragido que encontrei em Buenos Aires, têm muito em comum – e não é só o tom meio patético do figurino de um e do apelido do outro. Os dois eram comerciantes de cidades do interior do país, com faixa etária similar, tiveram candidaturas fracassadas a vereador no histórico político, e, por fim, foram submetidos a um processo de radicalização acelerada.
Tio França comprou uma bomba e armou um plano para destruir o STF. Josiel comprou equipamentos militares e foi preso encapuzado, incendiando uma viatura policial. Abriram mão da família e da própria vida em nome de uma pessoa: Jair Messias Bolsonaro.
Os dois são rostos que vieram a público de uma mesma organização: um grupo criminoso e terrorista que habita o seio do bolsonarismo.
Não são todos nem a maioria, mas há uma parcela, violenta e radicalizada, amparada por advogados, empresários e políticos de alto calibre, que é, sim, uma organização criminosa e terrorista. E não pode ser ignorada nem normalizada.