As recentes tarifas alfandegárias impostas pelo presidente americano Donald Trump podem ter um efeito inesperado: beneficiar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva às vésperas do ano eleitoral no Brasil. Como afirmou um analista do mercado financeiro, "o Lula acordou melhor do que foi dormir", já que as medidas anunciadas na noite de quarta-feira no Brasil, tão absurdas em sua formulação, podem representar uma vantagem competitiva para o país.
O Brasil foi "subtaxado" em comparação a outros parceiros comerciais dos EUA, ficando apenas com a tarifa básica de 10% sobre a maioria de suas exportações (com exceções como o aço, que sofre taxação de 25%, e etanol). Enquanto isso, países como Japão, China, União Europeia, Lesoto e Madagascar receberam sobretaxas significativamente maiores.
Essa situação comparativamente favorável vai abrir oportunidade de negócio e de triangulação, permitindo que o Brasil faça acordos bilaterais entre os países que foram mais taxados para absorver parte dessas exportações a um preço mais baixo. Em síntese, está perdendo menos que os outros, o que representa um impacto direto positivo para a economia brasileira.
Além dos efeitos diretos, há consequências indiretas que podem favorecer o governo Lula, especialmente relacionadas às taxas de juros. Para José Roberto de Toledo, com o risco de recessão nos EUA aumentando devido às novas tarifas, eles são obrigados a diminuir a taxa de juros lá. Com isso, automaticamente, a tendência é também cair a taxa de juros aqui.
"Juros mais baixos no Brasil em véspera de ano eleitoral é bom para o presidente da república, porque estimula a produção econômica", analisa Toledo. Somado a isso, uma possível desvalorização do dólar frente ao real também seria benéfica, já que o dólar alto produz inflação no Brasil, principalmente inflação de alimentos.
Para o colunista, a ironia da situação não passa despercebida: "a maior esperança do Bolsonaro, que era a eleição do Trump, se tornar aquilo que vai tirar o Lula do vale da aprovação". Atualmente, a popularidade do presidente brasileiro encontra-se em níveis baixos, mas estáveis. Uma recente pesquisa do Ipec mostrou resultados rigorosamente iguais aos de março e fevereiro, indicando que a aprovação de Lula caiu em janeiro.
O governo Lula parece ciente da necessidade de recuperar apoio popular. Na quinta-feira, realizou um evento fora do Palácio do Planalto, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, lotado, chamado "Brasil dando a volta por cima", onde duas mulheres negras, uma com sotaque nordestino, uma com sotaque ?sudestino?, apresentaram os feitos do governo nesses dois primeiros anos, numa tentativa de marcar o início de ?um segundo tempo? e ?o tempo da virada?.
Enquanto isso, a oposição enfrenta dificuldades em sua própria agenda política. O PL (Partido Liberal), de Jair Bolsonaro, tem encontrado obstáculos para aprovar um projeto de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Na quarta-feira, houve o grande teste desta estratégia quando o PL tentou obstruir a votação da urgência do projeto de reciprocidade econômica, que permite ao Brasil retaliar parceiros comerciais que impõem taxas indevidas - justamente pensando nas medidas de Trump.
O resultado foi uma "senhora derrota" para o PL: "na urgência, mesmo com a obstrução do PL, foram 361 votos a favor e 10 somente contrários", diz Thais Bilenky. O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem demonstrado que "a urgência do PL, do partido do Bolsonaro, não é a urgência que ele tem em relação a essa pauta", completou a colunista.
Como alternativa, o PL agora tenta uma nova estratégia: suspender a ação contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), denunciado com Bolsonaro, com base no parágrafo 3º do artigo 53 da Constituição. Segundo o advogado do PL, Marcelo Bessa, se a Câmara aprovar a suspensão da ação contra Ramagem, isso acabaria assustando a ação de modo geral, beneficiando também o Bolsonaro, ou seja, congelaria o julgamento no Supremo.
No entanto, um ministro do Supremo Tribunal Federal já sinalizou que uma eventual suspensão não se estenderia aos outros réus denunciados com ele e só se aplicaria aos dois crimes cometidos depois da diplomação, não beneficiando Bolsonaro. Segundo Toledo, essa manobra "é só para Bolsonaro ver" e mostra que eles estão com dificuldade de emplacar essa tentativa de anistia.
Enquanto isso, no campo econômico, o governo enfrenta negociações sobre o projeto de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, com uma nova proposta apresentada pelo senador Ciro Nogueira (PP), que busca uma nova forma de compensação sem taxar os mais ricos. A escolha de Arthur Lira como relator do projeto, anunciada por Hugo Motta com a presença de Ciro Nogueira, levantou questões sobre a dinâmica política na Câmara.
Fontes da Fazenda indicam que o governo não está preocupado com a tramitação do projeto, considerando que "é um assunto bom para manter cozinhando por mais tempo" e que "nas pesquisas internas aparece como um assunto bom para o governo taxar rico e isentar a classe média". Além disso, há expectativa de que talvez a popularidade do Lula melhore ao longo do ano, ou deixe de piorar e fique menos pior, facilitando as negociações futuras no Congresso.
O cenário político atual pode ser resumido como anistia difícil para Bolsonaro e Lula correndo atrás da sua anistia, pelo menos na opinião pública, com desdobramentos que prometem marcar os próximos meses da política brasileira.