E aí, do nada, a pessoa me liga.
Mas foi-se o tempo em que era realmente do nada, gente. A pessoa viu que você tava online, viu que seu último story tinha sido feito saindo do trabalho. Sabia que era uma boa hora. Aí, sim, ligou.
Sobre o fim do acaso
Vou deixar os números, pesquisas e análises de lado esta semana para lembrar de como tanta coisa acontecia "por acaso" num passado nada remoto.
Já reparou como, em tempos de algoritmos e redes sociais, o acaso, o inesperado, a surpresa estão desaparecendo? Pois é. Acontece que o acaso, o inesperado e a surpresa são (ou, pelo menos, eram) absolutamente necessários para a inovação e a criatividade.
Se a gente é bombardeado com informações, imagens e opiniões guiadas pelos algoritmos de redes sociais, será que, quando tomamos uma decisão, damos uma opinião, votamos em um candidato ou compramos um Labubu, será que aquele gesto é, de verdade, uma escolha nossa? Aliás, será que ainda existem escolhas verdadeiramente nossas?
Existem mil respostas para perguntas como essa, e muita gente pensando nelas. Mas vou mencionar aqui um cara que, vira e mexe, eu cito nas minhas palestras: Peter Drucker - um autor, pesquisador e professor austríaco que é considerado o pai da gestão moderna. Lá pelos anos 1980, Peter falava muito sobre o poder do acaso para a inovação. Segundo ele, "nenhuma outra área oferece oportunidade mais rica para a inovação bem-sucedida do que o inesperado".
Um exemplo: os Crocs surgiram como sapatos de chefs de cozinha e trabalhadores de barcos, por seu poder antiderrapante, mas, meio por acaso, começaram a ser usados por aí por pessoas "normais". Depois de anos absolutamente criticados por sua feiura, assim do nada foram abraçados pelo mundo da moda. A paixão rendeu inúmeras collabs, e a imagem dos Crocs foi reimaginada pelos maiores estilistas do mundo. Por essa, ninguém esperava.
Quer outro exemplo? Sabe como foi a criação do Post-it, né? Na busca por uma cola permanente, encontraram um grudinho que cola-e-descola. E o resto é história.
Estes são exemplos de negócios, mas a gente pode levar pra vida. O trabalho remoto, por exemplo, que eu adoro e adoto, fez deixar de existir a pausa para o cafezinho ali no corredor da empresa. Quantas ideias, amizades, projetos e até casamentos não nasceram justamente desse encontro no corredor, quando não temos um caminho e um objetivo único desenhados à nossa frente (além do café, claro)?
Até as festas infantis, que na minha época eram aquele caos de criança pra todo lado, agora têm hora do mágico, do maquiador, do pic-nic, da brincadeira. Nesse caso, sem algoritmo, mas tudo muito controlado, percebe?
Voltando pra inteligência artificial, lembremos: ela trabalha com o passado. Nos entrega o presente a partir de dados e mais dados coletados do que veio antes. Mas criatividade e inovação trazem o que ainda não existe. O novo.
Não se esqueça: tem máquininhas atrás de você, coordenando muitos dos seus passos. Assim, aquela frase "nada é por acaso" nunca foi tão real.