Você? Vocês, se é isso que farão mais tarde. | ISABEL VALDÉS |  |
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Olá meninas, olá. Tenho me sentido chateado nos últimos dias. Muitas coisas acontecendo. Hoje venho com a coisa do Alves , mas não só.
Na sexta-feira, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha (TSJC) absolveu Dani Alves da pena de quatro anos e meio de prisão imposta no ano passado pelo Tribunal Provincial de Barcelona por agressão sexual, em uma decisão que, com suas reviravoltas, foi um exemplo de como aplicar uma perspectiva feminista a crimes sexuais. A única maneira — sim, sim, a única maneira, a única maneira — de abordar, analisar e processar esses crimes.
Naquela mesma sexta-feira, antes de começar a escrever a canção que Ele Giovio e eu havíamos escrito juntos, comecei uma análise que começava com esta frase: as mulheres se tornaram testemunhas pouco confiáveis do que elas mesmas vivem e sofrem.
Testemunhas não confiáveis , porque esse foi o termo usado pelo TSJC para a vítima no caso Alves.
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|  | Página 87 da decisão do TSJC. |
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Testemunhas não confiáveis que reapareceram esta manhã, enquanto ouviam a Cadena SER, em outras palavras. Um dos painelistas disse algo como se a vítima pode ter distorcido o que aconteceu antes da suposta agressão, ou talvez também tenha havido distorção sobre o que aconteceu no banheiro, ou seja, sobre a agressão em si.
Claro, painelista. Os estupros, agressões e assédios que nós, mulheres, sofremos são distorções da realidade . Delírios. Fábulas. Incompreensão da situação. Uma percepção equivocada. Uma confusão. |
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|  | Foi o que escreveram os juízes na decisão do Tribunal Provincial que condenou Alves no ano passado. |
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Ser uma testemunha não confiável em um processo judicial significa exatamente o que parece: alguém cujo testemunho é duvidoso, alguém em quem você não pode confiar, alguém que não oferece confiança ou segurança. E aqui está a primeira coisa que eu queria compartilhar com vocês hoje: o uso da palavra "testemunha" na linguagem jurídica para se referir também à vítima de um crime.
Não quero interferir no sistema legal, Deus me livre fazer isso. O problema é que, quando leio "testemunha" para me referir à vítima de um crime sexual, alguns pedaços de carne do meu corpo aparecem, provavelmente porque trabalho com a linguagem e tenho a pele fina. Ou talvez porque eu reflito muito sobre esse assunto. Não sei, talvez.
Mas isso me faz pensar sobre como posicionar linguisticamente a mulher que sofreu estupro como testemunha a tira de seu papel central e a coloca em um papel secundário.
É um "Ei, olha, linda, espera um minuto, olha, sim, você denunciou isso, todo esse processo judicial deveria ser para fazer justiça por um crime do qual você alega ter sido vítima, mas espera um minuto, recue um pouco, vamos posicioná-la como se você fosse alguém que estivesse passando, uma observadora do que estava acontecendo com você." |
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|  | Somos como Patrick Swayze em Ghost : saímos de nós mesmos e nos vemos de fora. |
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Por que eu te contei isso | | Porque, insisto, sei que a linguagem jurídica é o que é, e também insisto, sei o que penso que a frase “ela acabou por ser uma testemunha pouco confiável” implica quando se fala de violência sexual. É claro que é mera percepção. Todos nós temos um. Os juízes do TSJC (três juízas e um juiz) também emitiram uma decisão completamente oposta à do Tribunal Provincial sobre a mesma questão.
Mas também porque essa testemunha pouco confiável, esse lugar secundário em nossa própria dor, é o mesmo de sempre. O que acontece conosco, a violência que sofremos, sempre foi problema nosso e sempre veio depois de outras coisas. É difícil fazer com que as mulheres, mais da metade do mundo, deixem de lado uma palavra que o feminismo tem usado muito: alteridade.
Alteridade, que vem do latim alter e significa literalmente outro. Ou seja, somos diferentes em relação ao homem. Somos o que somos na medida em que diferimos deles de várias maneiras, mas não simplesmente porque somos, mas porque somos construídos (no imaginário da merda social) com base no que não somos e no que eles são.
E o que os outros fazem, neste caso as mulheres, sempre importa menos do que o que a própria pessoa faz. Se o que pertence a si mesmo é o que o patriarcado considera importante para ele, então obviamente o que pertence aos outros importa menos. |
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|  | Estamos sempre fazendo fila para ver quando é a nossa vez. A foto é do mercado de Abastos, em Vitória, em 1930. / CEFERINO YANGUAS (ARQUIVO MUNICIPAL DE VITÓRIA) |
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A violência doméstica, o que conhecemos como violência de gênero, há muito tempo é coisa do passado, ficando em segundo plano em relação à intimidade da família e à privacidade do lar. (Ainda às vezes, muitas vezes).
A violência sexual sempre vai além da presunção de inocência e do padrão "além de qualquer dúvida razoável", que é outro padrão legal que garante que alguém não pode ser condenado a menos que isso tenha sido provado além de qualquer dúvida possível.
A violência, outra nova violência, que o livro El odio de Luisgé Martín sobre José Bretón −e cuja publicação Anagrama parou por enquanto– poderia significar para Ruth Ortiz, ou o direito à honra ou à privacidade de seu filho e filha, que Bretón assassinou, há quem defenda sem reservas que ela vai além do direito fundamental à criação e à liberdade de expressão.
Há aquelas para quem a livre decisão e a vontade de ser mãe ou não vem depois dos interesses do sistema, do governo e da taxa de natalidade.
Relatos nas redes sociais, mesmo anônimos, são um problema porque a reputação e o bom nome dos senhores terão que vir em primeiro lugar, certo?
A violência contra as mães e a violência direta ou indireta contra as crianças terão que ter precedência sobre as visitas de pais abusivos devido "ao melhor interesse da criança".
A exploração sexual de mulheres fica atrás do desempenho econômico dessa exploração.
As promoções das mulheres nas empresas ou a igualdade no que ganham no final do mês são menos importantes do que a meritocracia e/ou um compromisso firme com o trabalho que elas podem pagar, porque nosso tempo sempre fica atrás do delas.
Nosso tempo material, a quantidade que dedicamos a cada dia a uma coisa ou outra, sempre fica atrás do deles.
Nosso tempo na era, nosso lugar na sociedade, no presente, também fica atrás deles.
Todos esses lugares secundários, esses que ficam para trás, são a cegueira voluntária ou involuntária à realidade (dados, ciência, fatos objetivos) de milhões de pessoas que estão à frente e não querem deixar de estar à frente.
Principalmente homens, sim, mas mulheres também. Quanto mais atrasado estiver o indivíduo, mais baixo estará na escala econômica e social. |
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Coisas, pequenas coisas | | Aqui está um episódio da Rádio Ambulante. O concorrente , uma republicação de um episódio de mais de uma década atrás, sobre Ruth Thalía Sayas Sánchez, que pode nem ser familiar para a maioria de vocês, embora certamente seja para os peruanos. Aqui também vemos como as palavras da garota de 19 anos, sua vida, acabaram tendo precedência sobre seu orgulho ferido e as exigências de seu ex-namorado. |
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|  | Ruth Thalía no cartaz de procurado e Brian, seu ex, à direita. / PODER JUDICIÁRIO DO PERU |
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A terceira e última temporada de Total Control , de Rachel Perkins, começou no Filmin . Duas mulheres maravilhosas, Deborah Mailman e Rachel Griffiths, são as protagonistas deste filme, que mostra as complexidades do poder na Austrália, mas também como as mulheres chegam ao poder, o que elas precisam fazer para chegar lá e como isso as afeta. E é aí que entra o racismo, claro. |
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|  | Rachel Griffiths como Rachel Anderson na série faz uma pergunta que eu já me fiz muitas vezes em casa, sozinha, falando comigo mesma e elaborando planos maravilhosos, imaginando que tenho todo o poder do mundo para fazer o que eu quiser e que minha vontade sagrada será cumprida. |
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Pum pum pum , uma coletânea de poemas sobre violência sexual de Ángela R. Bonachera publicada pela Isla Elefante, que ao lê-la me fez xingar um pouco a mim mesma porque de repente me vi em um verso e depois em outro e depois em outro, e me encontrar ali, de repente, é uma porra de uma primavera e uma dor antiga que nunca envelhece. |
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Aqui, seus pedidos | | [Ou sugestões, ou dúvidas, ou reclamações, ou o que você quiser. Para este e-mail ivaldes@elpais.es ]
PS Nada hoje, estou te mandando beijos e abraços ✨ PS (repete) Poxa, sim, outra coisa que esqueci, a foto que abre o noticiário é da Elizabeth Taylor.
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| | ISABEL VALDÉS
| Correspondente de gênero do EL PAÍS, ela trabalhou anteriormente no Ministério da Saúde em Madri, onde cobriu a pandemia. Ela é especialista em feminismo e violência sexual e escreveu "Raped or Dead", sobre o caso La Manada e o movimento feminista. É formada em Jornalismo pela Universidade Complutense de Madri e possui mestrado em Jornalismo pela Universidade UAM-EL PAÍS de Madri. Seu segundo sobrenome é Aragonés. |
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