07 abril, 2025

Folha de S.Paulo e os milhões em débitos de IPTU por Douglas Nascimento (O Amigo da Cidade)

 


Prefeitura de São Paulo cobra R$ 14.717.217,70 em débitos do jornal, que afirma não dever. Quem está com a razão?

Anos atrás eu investigava o histórico de um casarão que estava em processo de tombamento quando me deparei com uma das mais bem boladas iniciativas de acesso a dados públicos: o GeoSampa. Desenvolvida pela própria prefeitura Paulistana, a ferramenta dá livre acesso a uma miríade de informações da cidade de São Paulo como equipamentos públicos, transporte, imóveis tombados, rede de drenagem, dados ambientais, escolas, lotes e, entre tantos outros dados, o IPTU.

Como meu trabalho no São Paulo Antiga envolve descobrir os donos de imóveis, cruzar os dados atuais de IPTU com a minha base analógica de informações (tenho listas telefônicas de diversas épocas, IPTUs do início do século entre outros) foi uma possibilidade que o Geosampa trouxe e que expandiu demais as minhas pesquisas. Algo que o acesso público à informação nos permite.

Foi ai que decidi, por contra própria, investigar quem são os principais devedores de IPTU da região central de São Paulo. Área degradada há anos e com débitos do imposto predial concentrado na mão de poucos CNPJs que detém mais de uma propriedade no centro da cidade. Entre as grandes somas de débito encontrei um que me surpreendeu: a empresa Folha da Manhã S/A ou, traduzindo, o jornal Folha de S.Paulo.

Me concentrei apenas nos débitos do edifício sede do jornal, já que a empresa tem outros endereços nas proximidades. Os dados são públicos:

Causou-me espanto que os valores somados chegam a R$ 14.717.217,70 um débito significativo que, a depender do cálculo feito, é equivalente ou superior ao valor da área onde a empresa está sediada. Um detalhe chama a atenção no campo “Situação”: a informação “ação judicial especial”.

No resultado da pesquisa por débitos acima desde 2014 a prefeitura informa que Folha não vem quitando seu imposto predial, exceção feita ao ano de 2024. O ano de 2014 está em dívida ativa e os demais na tal ação judicial especial o que, trocando em miúdos, significa que a empresa está contestando os débitos na justiça, onde ela deposita judicialmente o valor que seu jurídico e financeiro alega ser o correto.


O OUTRO LADO

Consultei a Folha de S.Paulo sobre esse débito milionário com a prefeitura paulistana. A resposta do jornal foi a seguinte:

“A Folha informa não ter pendências ou dívidas relacionadas ao IPTU de seus imóveis. Conforme consta no relatório enviado como anexo, existe ação judicial movida pela Folha que discute os valores cobrados pela Prefeitura, com decisão favorável à Folha. Os IPTUs relativos aos anos mencionados no mesmo relatório foram depositados judicialmente, inclusive sobre o ano de 2014.”

Não pagar o IPTU estipulado pela prefeitura alegando incoerência dos valores cobrados e depositando um valor muito inferior judicialmente é uma tática antiga e corriqueira de grandes empresas para ficar por anos e até décadas em uma briga na justiça onde quem perde é a arrecadação pública e, portanto, o cidadão.

Lembro-me de anos atrás uma conversa que tive com um famoso empresário Paulistano, que omitirei o nome aqui, que me disse sem o menor pudor “não pago IPTU, pago advogados tributaristas que gasto muito menos”. Me parece, portanto, não ser um caso isolado.


Uma vez que a Folha afirmou não dever esse montante, consultei a Prefeitura de São Paulo, através da SECOM, sobre a posição deles em referência à resposta do jornal quanto aos débitos mas não recebi qualquer resposta. Entendo que se há uma contestação de valores a plataforma do IPTU deveria dispor publicamente as ações judiciais para que o cidadão possa averiguar corretamente, o que talvez não seja o caso.

A Folha não informou na nota enviada os valores que eventualmente depositou em juízo. Se o fizerem essa coluna será atualizada.

EU NÃO DEVO, JÁ OS OUTROS…

A resposta do jornal quanto a não dever IPTU para a prefeitura de São Paulo me soa hipócrita quando pegamos uma notícia veiculada pelo mesmo jornal no ano de 2018. Na matéria (clique aqui) a Folha faz ampla cobertura de clubes Paulistanos em débito com a prefeitura pelo mesmo tributo.

atenção: valores de 2018 que, portanto, estão desatualizados

Procurados pelo jornal os devedores listados acima alegaram motivos similares aos da Folha para não quitarem os débitos. O que, como disse acima, é uma técnica conhecida pelas empresas de São Paulo para protelar as dívidas ao longo de anos e décadas.

Lendo a matéria acima hoje, sabendo dos valores devidos (ou não, segundo a resposta do jornal) me dá um sentimento de indignação. Entendo que ao apontar o dedo a outros devedores que, igualmente ao jornal, buscaram a justiça para contestar seus impostos, a Folha de S.Paulo deixa de lado um dos princípios básicos do jornalismo: a ética.

Basta uma pesquisa rápida na ferramenta de busca do jornal para constatar que eles são ótimos em apontar o dedo aos outros, todos em situação semelhante. Listei alguns:

O último artigo acima é particularmente interessante, pois o valor reportado é muito similar ao que o jornal supostamente deve. Então, encerro este texto fazendo uma manchete ironicamente similar:

JORNAL DE SÃO PAULO DEVE UM NOVO HOSPITAL EM IPTU