20 outubro, 2024

Intercept Brasil

 

                                  

Choro Bandido - Chico Buarque



Dedo na ferida premiado

Era agosto de 2019 quando o pesquisador goiano Arthur Pires Amaral me enviou sua tese de doutorado e eu me interessei pelo tema. Para seu trabalho, Amaral acompanhou a trajetória de 13 pessoas, ex-funcionários da mineradora Sama. Seis deles morreram após apresentarem sintomas de insuficiência respiratória, tosse constante, cansaço extremo e dores nas costas e no tórax, características de doenças relacionadas ao amianto.

A pesquisa tinha boas pistas sobre médicos e hospitais e a partir disso comecei a investigar. Antes de ler o trabalho de Amaral eu nunca tinha ouvido falar em "pulmão de pedra". Quando dei um Google sobre a doença, foi assustador. O pó do amianto atinge o pulmão e o enrijece. As imagens me impressionaram de tal forma que lembro de ter sentido falta de ar na hora. 


Corri atrás das histórias dos trabalhadores da Sama. Vítimas do amianto, substância altamente cancerígena, eles precisam lutar contra o pulmão de pedra e o descaso da empresa. Muitos funcionários foram demitidos ao comunicar a doença à junta médica da mineradora. Na matéria, demonstramos como médicos pagos pela Sama ajudaram a ocultar doenças causadas pelo amianto nos trabalhadores da empresa e como isso custou vidas. 

A reportagem me levou à cerimônia virtual do prêmio de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, em 2020. Nós vencemos o prêmio e aproveitei o privilégio de estar naquele evento para pedir aos magistrados do trabalho que dessem maior atenção às denúncias das vítimas do amianto. Levei àqueles que podem fazer alguma coisa concreta pelos trabalhadores a demanda que tantas vezes ouvi dos meus entrevistados, enquanto o ar lhes faltava.

Outra história emocionante foi contar sobre profissionais da saúde e sua intensa relação com os pacientes que perderam a vida para a covid-19. Na série "Cartas a quem não pude salvar", feita em 2021 em parceria com a equipe de vídeo, médicos, uma técnica de enfermagem e um fisioterapeuta narram mensagens que diriam a pacientes que morreram na pandemia. O reconhecimento desse trabalho veio com o prêmio Digital Media Latam Award.

Em setembro deste ano, participei da cerimônia do Troféu Mulher Imprensa em São Paulo, dessa vez presencialmente. No discurso, ao receber o prêmio por indicação popular em relação às jornalistas que mais se destacam em 2021 e 2022, na categoria repórter, contei como me surpreendi por ter ficado entre as finalistas ao lado de mulheres que começaram muito antes de mim e que eu sempre admirei. 

Mas o fato é que por trás desses prêmios tem muito trabalho e vontade de contar histórias não contadas nos veículos tradicionais. Desde que cheguei ao Intercept, foquei em reportar com empenho temas ligados ao Norte e ao Nordeste, regiões ignoradas pela grande mídia, mas também investigações que vão contra os interesses dos poderosos, entre eles membros do judiciário, que escancaram as injustiças de um país tão violento e desigual. 

Minha luta pelos direitos humanos vem de longe. Sou do Crato, interior do Ceará. No dia do resultado do vestibular que prestei para a Universidade Estadual do Piauí, eu estava num povoado de Pernambuco, o Novo Mundo. Dezessete anos atrás, lá era tão pequeno e rural que a forma mais rápida de se comunicar com o mundo era um orelhão que ficava a 1km de onde eu estava, plantando feijão tranquilamente com meu pai.

Uma tia ouviu o resultado no rádio e ligou para o orelhão. A notícia de que eu havia sido aprovada no vestibular chegou literalmente a cavalo: um menino da região montou e veio correndo pra me contar. Hoje, o Mundo Novo está diferente. Várias casas, inclusive a dos meus pais, têm celular e internet, mas 
essa história lá de 2005 fala de mim, de onde eu vim e de por que acredito na importância de usar o jornalismo para garantir direitos, combater injustiças, contribuir para superar as desigualdades. 

Foi com essa história e esses valores que cheguei ao Intercept. Meu trabalho encontrou na missão desse site um terreno para florescer. E não digo isso por conta dos prêmios ou das ameaças dos poderosos. Digo isso a partir do que ouvi dos meus entrevistados, dos nossos leitores, da enorme comunidade que se mobiliza para que o TIB exista e para que eu possa correr atrás das histórias que realmente importam.

 
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