No Brasil, uma onda de calor é caracterizada por cinco dias consecutivos de temperaturas máximas diárias acima de 5ºC da temperatura máxima média climatológica para o período. Em 2023, foram registradas nove ondas de calor; em 2024, oito; e, em apenas dois meses de 2025, já ocorreram três episódios, entre janeiro e fevereiro.
Um estudo recente liderado pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), em parceria com pesquisadores de serviços meteorológicos e universidades do Brasil, Peru, Argentina, Paraguai, Bolívia e Espanha, revelou que desde 1979 o número de ondas de calor e, particularmente, sua intensidade e duração, tem aumentado gradativamente na região central da América do Sul.
Em 17 de novembro de 2023, os efeitos do calor extremo ficaram evidentes no Rio de Janeiro. Durante um show da cantora Taylor Swift, no Estádio Olímpico Nilton Santos, cerca de mil pessoas desmaiaram devido ao calor intenso, e uma sofreu parada cardiorrespiratória e morreu. Naquele dia, o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou temperatura máxima de 39,1°C no Rio.
No Brasil, a causa meteorológica das ondas de calor está relacionada com a presença de uma área de alta pressão atmosférica na parte central do país, conhecida como bloqueio atmosférico. Quando a pressão está alta, ela inibe as pancadas de chuvas de final de tarde no verão da região sudeste do Brasil e as temperaturas sobem. Além da inibição do mecanismo de resfriamento associado às pancadas de chuvas, por conta da alta pressão, outros aspectos estão atuando também.
Há também a falta de nebulosidade, que deixa a superfície mais quente, a ilha de calor urbana (nas grandes cidades) e a topografia, formando algo similar a um domo de calor. A combinação de todos esses fatores aumenta o risco de ondas de calor intensas. O domo de calor é um fenômeno que provoca o aumento exacerbado das temperaturas em uma área devido ao aprisionamento do ar quente por um sistema de alta pressão atmosférica.
Em climatologia, quando se fala em conforto térmico, a sensação térmica muitas vezes é confundida com a temperatura do ar medida nos termômetros. A sensação térmica resulta da interação entre temperatura, umidade e vento. Em 2024, manchetes alarmantes destacaram valores superiores a 60°C no Rio de Janeiro, sendo que esse número se referia à sensação térmica, e não à temperatura. Ainda assim, a análise meteorológica confirmou que fevereiro de 2025 registrou temperaturas extremas na cidade, configurando a terceira onda de calor do ano.
Embora as autoridades reconheçam que milhares de pessoas sofrem com o calor extremo, muitas mortes associadas a esses eventos são subnotificadas. Em laudos médicos, paradas cardíacas são frequentemente registradas sem a relação explícita com o calor, mascarando a real dimensão do problema.
Diante do agravamento das ondas de calor, cresce a necessidade de aprimorar a previsão e a avaliação de riscos desses eventos extremos. Entre as soluções mais eficazes para diminuir o impacto de ondas de calor está o desenvolvimento de infraestrutura verde urbana, que é uma das soluções baseadas na natureza mais adequadas para mitigar o superaquecimento em áreas urbanas, fornecendo uma variedade de serviços ecossistêmicos, incluindo o efeito de resfriamento por meio de sombra e evapotranspiração.
No Brasil, estudos sobre os impactos das ondas de calor na saúde humana são recentes. Instituições como a Fiocruz e universidades federais e estaduais têm investigado a relação entre calor extremo e mortalidade entre populações vulneráveis. Os resultados preliminares indicam um cenário preocupante: ondas de calor matam direta ou indiretamente mais pessoas do que enxurradas ou deslizamentos de terra.
Colaborou José Marengo, que tem graduação em Meteorologia e mestrado em Engenharia de Recursos de Água e Terra pela Universidad Nacional Agraria do Peru. É PhD em Meteorologia pela University of Wisconsin dos EUA. Fez pós-doutorado em modelagem climática na Nasa-GISS, Columbia University em Nova York e na Florida State University. Foi coordenador científico da previsão climática do CPTEC-Inpe (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Atualmente é pesquisador titular e Coordenador Geral de Pesquisa e Desenvolvimento no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).