06 outubro, 2024

El País - Músical


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Os grandes debates musicais, analisados ​​por EL PAÍS e Rockdelux

Reggaeton, inimigo público número um

Olá. Você acaba de acessar a segunda edição da newsletter 'Bottom Music', uma conversa no WhatsApp entre os jornalistas musicais Carlos Marcos (EL PAÍS) e Santi Carrillo (Rockdelux) sobre o presente e o futuro da música.

Se no último capítulo ambos falaram sobre o estado do rock, desta vez arregaçaram as mangas para falar de reggaeton. Estaremos diante do inimigo número um do bom gosto musical? Representa uma ameaça real ao futuro da cultura popular? O debate está servido.

Carlos Marcos: Santi, gostaria de começar falando sobre reggaeton citando nosso colega Diego A. Manrique. Em coluna de abril passado, falando sobre os princípios do pop e do rock espanhol com base no livro Hello, Mr. Pop!! , que cobre de 1956 a 1969, diz: “É difícil encontrar na mídia da época opiniões amigáveis ​​em relação ao rock and roll, o twist ou 'as crinas' dos Beatles. Os insultos e palavrões, porém, não afetaram os seguidores. Algo que deveria fazer pensar sobre isso aqueles que hoje atacam rotineiramente o reggaeton e gêneros adjacentes.” Acho que o alerta do Diego é muito relevante. E acrescentaria algo perturbador que percebi: dizer que o reggaeton é odiado está aumentando, é como um sinal de distinção. E está dentro de um setor elevado da população, é claro.

Os preconceitos contra o reggaeton são discutidos neste artigo:

Santi Carrillo: É verdade, Carlos. E implícito nesse ódio está a negação de um facto incontestável: o mundo tornou-se latinizado, musicalmente falando, graças ao efeito reggaeton. Goste ou não, a música latina é tocada em qualquer lugar do planeta (ou quase), algo que nunca aconteceu com esta intensidade geral. A música latina (em espanhol) se consolidou como uma nova realidade. E é curioso, porque o reggaeton, que para alguns deve ser um estilo novo ou mais ou menos recente, já tem uma história de mais de trinta anos. Desde os tempos de El General, Vico C ou DJ Playero, logo no início dos anos 90, a fusão do dancehall jamaicano com o hip hop (ou melhor, rap-pop), deu muito de si com aqueles chutes rítmicos que marcam o ritmo da dança ou, para algumas mentes “de pensamento correto”, do crime. Mais tarde, os cumes do Tego Calderón (o meu preferido, com aquela não voz única, fumegante, quebrada, rouca) e da Calle 13 (com o seu compromisso social, por vezes um pouco pesado, imitação dos grandes Rubén Blades) marcaram o território para Então estrelas como J Balvin, primeiro, e Bad Bunny, depois, lideraram o mercado latino e o universalizaram, sempre com aquela “luta amistosa” Colômbia-Porto Rico tornando tudo mais atrativo. Rosalía, no ápice absoluto, deixa o flamenco de lado e se reggaetoniza para não perder a vibe e difundi-la entre todos os públicos. Agora é o mainstream puro , aquele que padroniza tudo. Está começando a ficar chato com tantos artistas de reggaeton vestidos iguais e com sons parecidos? Bem, sim, provavelmente. Mas isso geralmente acontece com todas as tendências.

Mais coisas sobre Bad Bunny neste artigo:

Bad Bunny e Taylor Swift no 65º Grammy Awards em Los Angeles.

Bad Bunny e Taylor Swift no 65º Grammy Awards em Los Angeles. / KEVIN MAZUR / GETTY IMAGES PARA THE RECORDING ACADEMY

Carlos Marcos: Sim, já existe muito mimetismo no gênero, um mal que não é novo e que aflige tudo que vira moda. Não acho que alguém precise se convencer de que o reggaeton é legal. O que está claro é que, como você diz, é a música do nosso tempo e ficar com raiva ao ouvi-la é um mau plano, porque está em todo lugar e você ficará com raiva o dia todo. Bad Bunny me parece um artista pop de primeira classe: ele tem personalidade, vontade de experimentar, torna-se vingativo quando pensa e sexual quando tem vontade. Damon Albarn, cara com um currículo pop e rock imaculado, também percebeu a grandeza de Bunny e o chamou para colaborar em seu grupo Gorillaz. Existem artistas de reggaeton mais interessantes? Claro, e algumas inconsequentes e vulgares, como em todos os estilos.

Santi Carrillo: Claro. Mas, ao contrário do que muitos leitores do El PAÍS e do Rockdelux possam pensar , o reggaeton é a música que melhor define a temperatura ambiente de muitos países latino-americanos neste momento, um estilo - que também é, já, um modo de vida - que criou uma tendência e espalhou a estética e a ética (ou a não-ética, alguns podem pensar) para muitos de seus seguidores.

Carlos Marcos: Não sei se existe algum complexo de inferioridade nesse aspecto com a linguagem por parte de quem a rejeita. Reggaeton é uma música em espanhol e há décadas fomos colonizados pelo inglês, principalmente no pop. Deve parecer desconfortável para alguns que agora a corrente pop mais dominante se expresse em espanhol. Depois há, claro, toda a carga sexual que proclama, que também parece irritar um determinado sector.

Santi Carrillo: O Reggaeton celebra a carnalidade dos corpos como veículo sexual através da dança, premissa que sempre foi válida para qualquer dança latina e afro desde tempos imemoriais (sem esquecer o rock'n'roll, claro). Se dançar junto é dançar, dançar twerking é mais que dançar: não é mais sensualizar uma relação, é sexualizá-la e torná-la efetiva. Seja como paródia de um ritual gestual que apela ao calor, seja como fusão de corpos numa dança completamente sem preconceitos, o reggaeton é (tópicos através de) fogo no corpo. E talvez não queira ser mais do que isso, mas sim retirado de uma libertação pessoal que apela à nossa decisão de nos mostrarmos como somos ou, talvez, como gostaríamos de ser sem as amarras da sociedade que nos oprime. É um ato de reivindicação: o corpo dos bailarinos e bailarinas não é controlado por ninguém além deles e por isso, publicamente, fazem com ele o que querem, mostrando-se descaradamente sexuais. É uma posição corajosa, desinibida, de confronto... e politicamente incorreta, claro, a partir do pensamento exclusivo da polícia do bom gosto.

Bad Gyal em 17 de fevereiro de 2023 no Wizink Center.

Bad Gyal em 17 de fevereiro de 2023 no Wizink Center. /EUROPA PRESS VIA GETTY IMAGES

Carlos Marcos: Ostras, Santi, não vejo você mexendo muito. Isso deve ser visto. Ha ha ha. O que não entendo muito bem é a questão dos lados. Gostamos de Neil Young e Bad Bunny. Mas basta ler os comentários às notícias que damos no EL PAÍS sobre Bad Bunny, Rosalía ou Bad Gyal para ver que muita gente está de um lado e odeia o outro.

Duas visões complementares do fenômeno Rosalía:

Santi Carrillo: E acho que você não vai me ver dançando, Carlos; nem reggaeton nem cumbia (aliás, outra extensão do domínio latino no mundo atualmente; um gênero com potencial bárbaro e mais aceito transversalmente entre o público mais adulto). Eu danço em particular. Ha ha ha. Mas voltando às relações sexuais, é preciso dizer que elas são vivenciadas de forma diferente nos países latinos. Na Europa sempre fomos mais cautelosos, talvez inconscientemente forçados pelos nossos preconceitos cristãos ocultos. Portanto, quando algo nos incomoda, ou altera nosso ecossistema – e o reggaeton tem perturbado muitas mentes – chamamos isso de cafona. O reggaeton é cafona? É, sem dúvida. Podem ser tanto ou mais que rock ou pop, aliás, cenas onde a transgressão (como essa, em geral) foi perdida em prol do polido correto. Mas não é apenas cafona; Possui outros valores, entre o explícito e o comunitário, que, de um modo geral, são um reflexo da sociedade em que é criado. Entre outras, a conquista progressiva de espaço pelas mulheres, que, é preciso dizer para contrariar tantas críticas progressistas paternalistas e um tanto arrogantes, são empoderadas como raramente foi feito antes na história da música feminina, seja nas danças, nos vídeos ou em declarações. Não são mulheres submetidas à vontade do homem; São mulheres que dominam o seu contexto e optam por se sexualizar como arma de reafirmação.

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SOBRE AS ASSINATURAS
Carlos Marcos

Carlos Marcos

Editor de cultura especializado em música. Começou a trabalhar no Guia de Lazer de Madrid e no País das Tentações. Editor-chefe da Rolling Stone e da Revista 40, coordenou o site da revista ICON por cinco anos. É formado em Jornalismo pela Universidade Complutense de Madrid e mestre em Jornalismo pelo EL PAÍS. Mora em Madri.

Santo Carrillo

Santo Carrillo

Diretor editorial da Rockdelux. Foi codiretor artístico do festival BAM (Barcelona Acció Musical) de 1995 a 1999 e assessor do festival Primavera Sound desde 2002. Coapresenta – com Juan Cervera – La Hora Rockdelux, primeiro na Rádio Gladys Palmera (2013-2018) e, desde 2019, na Rádio Primavera Sound. Ele mora em Barcelona e Girona. Viva sem redes sociais.

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