04 outubro, 2024

Dicas culturais da revista piauí

 

A cantora paulista Tássia Reis fez sua estreia na música há dez anos, com som e imagem muito associados à cultura do hip-hop. Embora este gênero musical seja uma marca do seu trabalho até hoje, foi o samba que Reis escolheu como base para o quarto disco de estúdio, Topo da Minha Cabeça, agora disponível em diversas plataformas digitais. Ele reúne algumas das melhores músicas lançadas no Brasil neste ano, a começar pela faixa-título, um mantra jazzístico sobre o exercício da autoconsciência. O samba-rap Asfalto selvagem desafia o velho mito da democracia racial: “Na fúria do camburão todo menino rei é culpado/Era um mata-mata, mas não teve campeão/Encontraram mais um artilheiro no campão”. 

O disco remete às origens de Tássia Reis na cidade de Jacareí, no interior paulista. Ela cresceu ouvindo o soul brasileiro e o gringo, além do samba das escolas de carnaval. O hip-hop americano ganhou espaço em sua vida durante a adolescência. É por isso que nesse disco identifica-se a influência de Erykah Badu e Solange, mas também de Gilberto Gil, Alcione e Elza Soares. Tássia Reis passeia pelo soul, drill e R&B. Não pelo esforço ingênuo de se provar boa em vários gêneros, mas porque ela tem pleno domínio de cada um deles. Na ótima Nós vestimos branco, o toque do ijexá é fundido ao funk. 

Tássia Reis dedicou cinco anos ao desenvolvimento deste projeto, o que pode explicar a sofisticação sonora das faixas. Ao se despedir, a artista retoma as raízes do samba na música Ofício de Cantante. Ela saúda Jovelina Pérola Negra, Clementina de Jesus, Leci Brandão e Dona Ivone Lara. Junto ao disco mais recente do carioca Marcelo D2, Topo da Minha Cabeça evidencia a tendência do hip-hop em fundir cada vez mais elementos do samba e da música tradicional brasileira.

Na taxonomia da indústria fonográfica, existe um cacoete irresistível quando se quer falar de uma nova vertente que surge de outra já estabelecida, mas que, ao mesmo tempo, rompe com essa tradição: usar o prefixo “pós” ou “post”. Tem pós-punk, post-hardcore, post-metal. O disco The Rivals Are Fed and Rested, a estreia solo de Yohan Kisser, poderia ser facilmente chamado de pós-MPB, ou, em meio a centenas de discos e singles genéricos pelas redes adentro, também de pós-algorítmico. 

Lançado no último dia 18, o álbum do rebento do meio do guitarrista Andreas Kisser, do Sepultura, começa com a levada jazzy e os acordes dissonantes evocativos da música-tema. Na sequência, vem o emotivo e soturno single Membro fantasma. O nome, emprestado da síndrome que acomete quem teve algum membro amputado cuja presença ainda sente no corpo, é uma homenagem que Yohan faz à sua mãe, Patricia Perissinotto Kisser, a Pat, que morreu em julho de 2022 por conta de um câncer no cólon. Ao som das vozes de Tatiana Abdo, Carina Assencio e Mariana Benassi, Kisser faz as notas do piano gotejarem como lágrimas pesadas.

Apesar da sua ascendência vir do heavy metal (ele toca guitarra no grupo Sioux 66 e no Kisser Clan, com o pai), o trabalho do compositor e multi-instrumentista paulista de 27 anos – que gravou vozes, guitarras, violões e teclas, além de também pintar o seu autorretrato da capa – vai muito além do estilo musical que conhece desde o berço. O disco segue bastante essa dinâmica inicial de contrabalancear músicas de grooves mais quebrados e dançantes (como Rosa FúcsiaNão encontrosFlush if you mustTall being e Loan shark) com outras mais experimentais (A tábua e o metro e Passou das seis) e emotivas (Quantas línguas e Os supérfluos e a supernova). Há algumas influências óbvias no disco, como a banda brasileira Karnak (o André Abujamra, líder do grupo, fez participação num EP que o músico lançou no ano passado), Tom Jobim e Frank Zappa. Mas há também influências mais sutis e clássicas, como Bach, Ravel, Debussy e Stravinsky. “Desde que eu passei a escutar artistas mais progressivos, como Zappa e Yes, eu passei a estudar o violão clássico, como Leo Brouwer e Villa-Lobos. Todo esse repertório se misturou muito em mim e acabou saindo um pouco de tudo isso [no disco]”, diz Kisser, esse pós-tropicalista. O disco, uma produção independente, está disponível em diversas plataformas digitais.

“autora húngara de língua francesa”: essa oração, que poderia encabeçar um verbete da Wikipedia sobre Ágota Kristóf, define precisamente a condição peculiar que seu livro A analfabeta explora ao narrar a vida de uma escritora que, criada numa língua, se refez em outra.

Nascida em 1935, Kristóf migrou para a Suíça aos 21 anos, fugindo de uma vida hostil na Hungria. “Todos são pobres em nosso país. Alguns, inclusive, mais pobres do que outros. […] Temos o que comer e temos um teto, mas a comida é tão ruim e insuficiente que vivemos com fome. No inverno, sentimos frio”. Compreendemos que é da continuidade dessa vida na Hungria comunista, reduzida em possibilidades materiais e espirituais, que ela foge com o marido, depois de uma tentativa fracassada de autonomização húngara diante do domínio soviético. Como refugiada, sobrevive, mas experimenta outros aspectos da opressão: a perda de laços familiares, dos amigos, da língua, da memória, vivendo uma “vida contraída, sem mudança, sem surpresa, sem esperança”. 

Kristóf trabalhou como operária fabril até que, aos 51 anos, conseguiu ter seu primeiro romance publicado (o formidável Um caderno e tanto, publicado aqui pela Rocco, em 1987, e lamentavelmente esgotado). O livro escrito em francês foi um êxito, e deu início à sua carreira pública como narradora. A analfabeta – espécie de autobiografia publicada agora no Brasil pela editora Nós, em uma tradução sensível e acertada – saiu originalmente em 2004, quando a autora já estava consagrada (ela viria a falecer em 2011). 

Contando sua vida a partir de sua relação com as línguas e seu desejo de ler e escrever, o livro poderia ter sido uma narrativa de formação triunfante – mas está longe disso. Criança que vive a leitura como uma “doença” que, uma vez instalada, como tantas enfermidades, termina por definir quem a contrai, Kristóf explora aqui temas complexos. Como lidar com uma outra vida dentro da mesma vida? Como falar de si reconhecendo as falhas da memória e as dificuldades da leitura não apenas dos livros, mas do mundo? Como viver sem pertencer a um povo, alheada de sua língua materna não por escolha, mas pelo imperativo de sobreviver? “A doença da leitura me acarretará principalmente críticas e desprezo.” Desde cedo Kristóf se torna, aos olhos dos outros, estranha. O francês, a “língua inimiga”, é conquistada a duras penas e tardiamente. Mas Kristóf é também um exemplo da “operária que lê” à qual se referia Brecht em seu poema, sabedora de histórias, repleta de perguntas, inconformada. Essa condição híbrida é sua distinção. 

Recuperando os momentos da noite em que atravessou clandestinamente a fronteira entre Hungria e Áustria, Kristóf diz que é “como se tudo tivesse acontecido num sonho, ou numa outra vida”. Numa bolsa carrega coisas para o provimento da filha pequena, noutra carrega dicionários: o fato recordado vira metonímia para a condição descrita meticulosamente nesses capítulos breves que parecem pequenos ensaios sobre os temas que lhes dão título (“Poemas”, “Língua materna e línguas inimigas”, “O deserto”, “Como alguém se torna escritor?”). Aqui se conta como uma pessoa se tornou leitora e depois escritora, duas vezes, em duas línguas, como se fossem duas vidas. A linguagem simples e precisa é um de seus grandes artifícios, pois nunca mascara a complexidade das experiências narradas nesse livro, breve e intenso na mesma medida.

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Conheça histórias de brasileiros que prosperaram por incentivo da iniciativa privada

"Eu tenho mais de 60 anos. Posso me inscrever?" Foi com essa abordagem que Jaime Costa deu o primeiro passo para ingressar no Bora Zé, um dos mais de quarenta projetos do Programa de Inclusão Produtiva da Ambev, que promete impactar a vida de 5 milhões de brasileiros até 2032. A resposta para Jaime: "Você quer? É a única coisa que precisamos saber", relembra Indianara Dias, gerente de Impacto Positivo da companhia. Hoje, ele é representante de negócios em um Centro de Distribuição da Ambev e recuperou sua estabilidade financeira.

A Inclusão Produtiva da Ambev, que tem como pilares a qualificação profissional, o incentivo à geração de renda e a ponte para oportunidades, vem colecionando histórias de sucesso. Contratado por uma multinacional do ramo automobilístico, Lenon Suzano mira crescimento. "Agora tenho um plano de carreira." Evânia Félix ingressou na Ambev como eletromecânica, após passar por qualificação. "É um programa que abraça. Muitas mulheres precisam disso." Rosa Santos abriu um restaurante no quintal de casa e tem uma certeza: "Cresci na extrema pobreza, mas meus filhos não vão passar pelo que passei." Esses exemplos ilustram o êxito da iniciativa da Ambev, proporcionando novos caminhos para muitos brasileiro. Saiba mais.

 

“A mulher sentada no banco do parque bebe chá de sua garrafa térmica, morde sem entusiasmo uma maçã. A onça se aproxima sem que a mulher perceba. Senta-se ao seu lado, cruza as pernas, abre um jornal.” É dessa premissa – o encontro entre uma mulher e uma onça que acabou de fugir do zoológico de Berlim – que Carola Saavedra parte em O mundo está em todo lugar, seu conto publicado na edição de outubro da piauí. No texto, a mulher e a onça dialogam, com frases às vezes irônicas, às vezes emotivas, e muitas vezes ambíguas, contendo algo dessas duas características. O diálogo é seco, vívido. Sempre sombreada pela ameaça do enfrentamento final entre as duas personagens, a conversa nos carrega até o fim, sem que saibamos com exatidão se nossa curiosidade é pela trama em si ou causada pelo desejo de respostas – as mesmas respostas que a personagem busca incessantemente na esperança de não ser devorada.

Ilustração_Luyse Costa_2024

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