Existe uma profissão estratégica para o agronegócio brasileiro ser o que é: a de auditor fiscal federal da defesa agropecuária. Só que as condições de trabalho cada vez mais degradantes para esses agentes estão colocando em risco a fiscalização do alimento que circula em portos, aeroportos, regiões fronteiriças e laboratórios de análise.
Nesta entrevista para UOL Agro, Janus Pablo Macedo, presidente do Anffa (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários), relata as dificuldades enfrentadas pelos profissionais: baixo número de agentes em campo, falta de reconhecimento por parte do governo federal, perseguição, assédio moral, burnout.
As consequências dessas limitações aparecem na imprensa todo dia: azeite, café e mel estão entre os principais produtos fraudados no mercado interno, porque os auditores acabam se voltando majoritariamente ao atendimento das exportações.
UOL Agro: Não é de hoje que os auditores fiscais enfrentam dificuldades. Quantos profissionais estão em campo hoje em dia?
Janus Macedo: Atualmente, são 2.300 auditores no país, para avaliar toda a produção agropecuária. Para se ter uma ideia, os Estados Unidos contam com 9.000 profissionais. Aqui, eles estão divididos entre o SIF (Sistema de Inspeção Federal), o Vigiagro (Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional) e os laboratórios, onde se faz a análise das amostras de doenças. Hoje, estamos com um déficit reconhecido pela SDA [Secretaria de Defesa Agropecuária] de 1.600 pessoas, e o concurso feito neste ano foi somente para 200 vagas.
UOL Agro: O que esse quadro representa para a população?
Macedo: Nossa preocupação é que nos tornemos auditores para o mercado externo e o mercado interno fique desassistido. Temos enfrentado algumas brechas, em que o comprador externo está exigindo a presença do auditor em uma planta industrial específica, para dar conta de toda a fiscalização. Assim, o profissional deixa de fiscalizar uma outra unidade. O risco de atendermos só a demanda externa é muito grande, porque o cliente interno não tem poder de exigir um auditor na planta. Você é um cidadão, paga o auditor através dos impostos, e o auditor está fiscalizando a carne que vai para o cidadão europeu.
UOL Agro: Estamos, portanto, correndo o risco de que os alimentos no Brasil não passem pela fiscalização devida?
Macedo: Sim, é um problema, porque diminui a contingência de atendimentos, de um número de profissionais que já é baixo. Os países importadores, como da Europa, enviam comissões para saber se todas as cláusulas de contrato e questões sanitárias estão sendo cumpridas, então a vigilância tem se desdobrado para atender essa demanda, seja nos laboratórios ou no departamento de inspeção de produtos de origem animal.
UOL Agro: E não é possível dar conta de tudo, diante do tamanho da produção brasileira.
Macedo: Vários colegas têm trabalhado todos os dias, incluindo sábado e domingo, para dar conta da inspeção, mas temos portos e aeroportos em que os produtos estão entrando e saindo do país sem fiscalização. Há uma lista enorme de análises em espera nos laboratórios e não damos conta.
UOL Agro: Como é o diálogo com o Ministério da Agricultura?
Macedo: Existe uma resistência do Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária] em permitir o auditor fiscal de falar. A verdade é que não há proporção entre o Plano Safra e a Defesa Agropecuária. O país aumenta a cada ano a produção de vários produtos, mas a inspeção e certificação de qualidade não acompanha esse volume. Não adianta aumentar tanto a produtividade, se a gente mal dá conta da auditoria externa. Nosso país é referência em bem-estar animal, livre de febre aftosa, de peste suína africana, mas a que custo?
UOL Agro: Exatamente, a que custo?
Macedo: Bom, o orçamento da SDA gira em torno de R$ 250 milhões a R$ 300 milhões por ano, na prática, o que é muito baixo em relação ao Plano Safra. Além disso, tem a questão da saúde mental dos profissionais, que têm jornadas exaustivas. Em outros casos, pelo interior do país, eles são ameaçados, por estarem fazendo a inspeção em locais onde há ilegalidade.
UOL Agro: Como fica o mercado interno nesse contexto?
Macedo: O que está acontecendo são contratações de profissionais que não são servidores públicos para atuar nessas fiscalizações. Isso é muito ruim, porque, eles não têm o poder de polícia administrativa para aplicar multa, assinar um auto de infração. Fala-se em automatizar a fiscalização para ganhar celeridade, mas há um risco enorme de que cargas e documentos sejam burlados. Enquanto isso, produtos fraudados e sem atender a sanidade agropecuária e fitossanitária podem estar transitando pelas estradas do país.
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