O policial militar Éverton Kirsch Júnior, de 31 anos, saiu para trabalhar na terça-feira, 22 de outubro, para não voltar nunca mais.
O soldado da Brigada Militar – como é chamada a PM no Rio Grande do Sul – foi chamado para atender uma ocorrência à noite. Um casal de idosos no bairro de Ouro Branco, em Novo Hamburgo, região metropolitana de Porto Alegre, pediu ajuda da polícia: o filho deles, Edson Fernando Crippa, de 45 anos, mantinha os dois reféns.
A descrição da cena, feita por vizinhos, é aterrorizante: Edson Crippa, caminhoneiro, participava de uma reunião familiar – na sexta-feira, seria aniversário de sua mãe. Na casa, além dos pais, também estava o irmão de Edson, Everton, e sua cunhada. Após uma discussão, a polícia foi chamada.
Edson Crippa começou a atirar. Foram cerca de 300 disparos de pistolas calibre 9mm e .380. Crippa atirou em todo mundo ao redor: pais, irmão, cunhada, policiais. O pai e o irmão morreram ali mesmo. A mãe e a cunhada ficaram feridas.
Crippa também atingiu nove pessoas – sete delas, policiais. Éverton Kirsch Júnior morreu no local. Ele deixou sua esposa e um filho de 45 dias, que nunca teve a chance de criar memórias com o pai.
Crippa respondia a todas as tentativas de negociação da polícia com tiros. Atirando, também derrubou dois drones que tentaram se aproximar. Depois de horas de confronto, acabou morto pela polícia. Dentro de sua casa, ainda havia 300 munições intactas.
Edson Crippa era um CAC: tinha, desde 2020, registro como Caçador, Atirador e Colecionador. Em casa, tinha quatro armas em seu nome, todas absolutamente legais.
A depender da categoria, um CAC pode ter entre quatro a 16 armas e comprar entre quatro e 20 mil munições. Isso, vale lembrar, depois da mudança no governo Lula, que restringiu a liberação de Bolsonaro – antes, CACs podiam ter até 60 armas, dependendo da categoria, comprar até 180 mil munições por ano, inclusive armas de uso restrito, como a 9mm usada por Crippa.
Esse tipo de arma era de uso restrito, foi liberado para a população civil e voltou a ser restrito em 2023.
Para conseguir o porte de arma, a legislação brasileira exige que o cidadão passe por uma avaliação psicológica, com laudo de aptidão mental. Edson Crippa tinha histórico de esquizofrenia – ele chegou a ser internado quatro vezes –, mas isso não o impediu de ter o registro de CAC.
Também havia contra ele um boletim de ocorrência por ameaça, o que deveria ser outro impedimento. O MPF está investigando por que o homem conseguiu a licença mesmo com esse histórico.
A avaliação de saúde mental ocorre no momento de registro ou renovação da licença, ou seja, a cada dois anos. Houve tentativa de aumentar este prazo para 10 anos, mas o Conselho Federal de Psicologia se empenhou contra isso – e entendemos por quê.
É preciso dizer claramente: o massacre de Novo Hamburgo foi causado pela flexibilização nas regras para porte de armas, que não foi acompanhada de um sistema decente de fiscalização.
Em 2022, eram 783 mil registros ativos de CACs no Brasil – um crescimento de 665% desde 2018, impulsionado pelos decretos de Michel Temer e Jair Bolsonaro que afrouxaram as regras.
Além do Exército já ter demonstrado que não fiscaliza adequadamente esse setor – você pode ter uma ideia do problema nesta e nesta reportagem que já publicamos –, o massacre de Novo Hamburgo também evidencia que não há controle sobre quem são efetivamente as pessoas que têm registros de CACs.