As ondas de calor são uma das ameaças mais graves à saúde pública no Brasil e no mundo. O calor extremo é mais mortal do que extremos de chuva, furacões e tornados combinados. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), ondas de calor matam mais de 175 mil pessoas por ano na Europa.
O impacto global é ainda mais alarmante: caso o limite de 1,5°C de aquecimento global seja ultrapassado, a saúde humana e os ecossistemas sofrerão danos severos. Um aumento de 2°C, e espero que não cheguemos a esse ponto, poderá desencadear migrações em massa e agravar tensões geopolíticas regionais e globais.
O Brasil teve nove episódios de ondas de calor registrados até outubro. Esses eventos extremos atingiram todo o território brasileiro, principalmente na região norte do Amazonas, uma das áreas com maior índice de risco climático. De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a média de dias de calor extremo por ano aumentou de sete dias nos anos 1990 para mais de 50 dias atualmente.
Dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) mostram que a cidade de Goiás (GO), registrou 44,5°C em 6 de outubro. A cidade do Rio de Janeiro registrou, em 28 de novembro, a temperatura máxima recorde no ano de 2024 até agora: 43,2°C no bairro Guaratiba. Em Cachoeiro de Itapemirim (ES), a máxima chegou a 40,3°C este ano. Em Mato Grosso do Sul, a temperatura chegou a 42,8°C, em Aquidauana, e 42,5°C, em Corumbá, com sensação térmica próxima de 50°C.
Sensação térmica é a temperatura aparente sentida pela pele exposta ao ambiente, em virtude da combinação entre temperatura do ar (marcada pelos termômetros), velocidade do vento e umidade. Por exemplo, em cidades litorâneas, devido à combinação desses fatores, para 40°C medidos no termômetro, a sensação térmica pode chegar a quase 50°C.
O estresse térmico é um estado psicofisiológico causado pela exposição a situações ambientais extremas de frio ou calor. Decorre de três fatores: produção de calor a partir da atividade física muscular, calor externo do ambiente e fatores que afetam a perda de calor por convecção ou evaporação. Fatores ambientais incluem temperatura, umidade relativa do ar, velocidade do vento e calor radiante - que é a transferência de calor por radiação. O Sol aquece a Terra através dessa forma de transferência de calor.
O estresse por calor é resultado de um desequilíbrio entre a produção e a perda de calor pelo corpo. O limite superior da tolerância fisiológica humana ao estresse térmico é atingido quando a temperatura do termômetro de bulbo úmido (WBGT) ultrapassa o limite de 35°C e a umidade relativa chega a 100%. Nessa situação, bebês, pessoas idosas ou doentes sobrevivem entre meia hora e uma hora, e pessoas adultas saudáveis entre 2 e 3 horas.
A Terra experimentou seu dia mais quente na história recente, de acordo com os dados do observatório europeu Copernicus. Em 22 de julho de 2024, a temperatura média global diária atingiu 17,16°C no conjunto de dados ERA5 (quinta geração de reanálise de dados climáticos). Esse valor excedeu os recordes anteriores de 17,09°C. de 21 de julho de 2024, e 17,08 °C, de 6 de julho de 2023.
Antes de julho de 2023, o recorde anterior de temperatura média global diária era de 16,8°C, em 13 de agosto de 2016. De julho de 2023 até julho de 2024, houve 59 dias que excederam esse recorde. O grande número de dias com recordes batidos em 1 ano deixa clara a emergência climática que devemos combater.
Outro sinal preocupante da tendência do aquecimento global é o fato de que os dez anos com as maiores temperaturas máximas diárias anuais são os últimos dez anos, de 2015 a 2024. A diferença entre o ano de 2015 e 2016 foi de 0,2°C, principalmente devido à ocorrência do mais forte El Niño do registro histórico. O salto do recorde de 2016 para 2023 é de 0,28°C, e para o novo recorde de 2024 é de 0,36°C, evidenciando o quão substancial é a taxa de aquecimento recente.
Em relação ao período pré-industrial (1850-1900), a temperatura média global anual apresenta anomalias crescentes: 1,16°C em 2021, 1,18°C em 2022 e 1,48°C em 2023. Em 2024, de janeiro a outubro, esse valor subiu para 1,59°C. Esse aumento é impulsionado tanto pelas altas concentrações de gases de efeito estufa quanto pelo fenômeno El Niño, que, entre 2023 e 2024, foi o terceiro mais intenso já registrado. Embora o El Niño tenha perdido força em abril de 2024, as temperaturas globais permanecem excepcionalmente elevadas. No momento que estamos próximos de alcançar 1,5°C de aquecimento global, cada fração de grau é importante.
A NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos) prevê com 99% de certeza que 2024 será o ano mais quente já registrado. E, de acordo com o Copernicus, é virtualmente certo que 2024 será o ano mais quente já registrado e o primeiro a ultrapassar 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Como o novo recorde de temperatura média global foi atingido em 2024?
A temperatura média global tende a atingir seu pico anual entre o final de junho e o início de agosto, coincidindo com o verão do hemisfério norte. Isso ocorre porque os padrões sazonais do hemisfério norte determinam as temperaturas globais gerais. As grandes massas de terra do hemisfério norte esquentam mais rápido do que os oceanos do hemisfério sul esfriam. Ou seja, o aquecimento no hemisfério norte compensa o resfriamento no hemisfério sul, elevando a temperatura média global.
O aumento repentino na temperatura média global diária também está associado a temperaturas muito acima da média em grandes partes da Antártida, o que leva a temperaturas muito acima da média em partes do oceano Antártico.
Além disso, em junho de 2024, a extensão do gelo marinho da Antártida continuou baixa, com 1,6 milhão de quilômetros quadrados (ou 12%) abaixo da média de 1991-2020 para junho.
Esses fatores contribuíram para a temperatura média global diária atingir o novo recorde de 17,16°C em 22 de julho de 2024.
Estamos vivendo na emergência climática, um território verdadeiramente perigoso. À medida que a mudança climática se agrava, estamos fadados a ver novos recordes de temperaturas globais e locais sendo quebrados nos próximos meses e anos.
Soluções baseadas na natureza são medidas essenciais de adaptação ao aquecimento global. São soluções baseadas nos ecossistemas que reduzem os riscos climáticos que já enfrentamos - incluindo secas, ondas de calor, incêndios e inundações. Além disso, soluções baseadas na natureza também nos oferecem, sem cobrar nada, benefícios para a biodiversidade, para os meios de subsistência, para a saúde humana e para a segurança alimentar, além de ajudar no sequestro de carbono.
Colaborou Wagner Soares, que é meteorologista pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), mestre em Meteorologia Agrícola pela UFV (Universidade Federal de Viçosa) e doutor em Meteorologia pelo INPE (Instituto nacional de Pesquisas Espaciais). Possui pós-doutorado na área de mudanças climáticas pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). Atualmente trabalha na Biotec Amazônia.