Nenhum número é capaz de traduzir o impacto de ver duas castanheiras, solitárias, em meio ao deserto da plantação de soja. A monocultura avança pelo Brasil e chegou na Amazônia.
No Acre, a lavoura de soja se aproxima dos limites da reserva Chico Mendes, uma área protegida onde vivem cerca de 3 mil famílias. No Pará, em 2013, eram cerca de 80 mil hectares de plantação. Dez anos depois, a área chega a quase 650 mil hectares. A monocultura domina territórios e, no processo de expansão, comunidades desaparecem.
No mês de novembro, eu e meu colega Vitor Shimomura estivemos na região do Planalto Santareno, entre os municípios de Santarém, Mojuí dos Campos e Belterra, para registrar os impactos do avanço da soja, em um trabalho feito em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
O lugar é mundialmente conhecido por abrigar o imponente rio Tapajós e o santuário natural de Alter do Chão. Não tão longe dos cenários turísticos, nos deparamos com imagens aterradoras, como escolas abandonadas, um cemitério cercado pela plantação de soja e pequenas ilhas verdes em meio à vastidão do solo arado.
Mas a violência da soja não se limita às plantações que expulsam agricultores das suas terras. Em Miritituba, a cerca de 360 quilômetros de Santarém, os portos de escoamento de grãos instalados na margem do Tapajós são obstáculos para os pescadores da área, que enfrentam tanto a dificuldade de acesso ao rio quanto a ameaça à biodiversidade, o que afeta diretamente seu trabalho. O piau, peixe muito apreciado na região, está desaparecendo das águas do Tapajós, onde barcaças transitam carregando toneladas de soja.
No momento em que sentimos os impactos da crise climática, é angustiante constatar a agressividade do agronegócio. Em mais um golpe contra a proteção da maior floresta tropical do mundo, ruralistas ameaçam a moratória da soja - pacto entre empresas que se comprometem a não comprar o grão de fazendas com lavouras em áreas abertas após 22 de julho de 2008 na Amazônia. Os setores que lucram com a destruição da floresta seguem operando e parecem não notar a contradição presente nisso tudo.