03 fevereiro, 2015

A Cantareira e a falta de água na história de São Paulo.


Quando vemos o noticiário atual e observamos o colapso no abastecimento de São Paulo através do Sistema Cantareira, podemos pensar que no passado "tudo era melhor" e a falta d`água é uma consequência atual, resultado de uma combinação de estiagem e incompetência governamental. Porém os problemas estruturais do abastecimento de São Paulo já correm por quase dois séculos e nunca foram totalmente resolvidos.
Neste artigo mostraremos através de matérias jornalísticas do século XIX como eram as crises de abastecimento daquela época até a chegada da Cantareira, e também os problemas que esta passou até ser encampada pelo governo Paulista em 1892.
A CARÊNCIA PRÉ-CANTAREIRA
Antes da chegada do serviço de água corrente encanada na cidade de São Paulo a coleta se dava principalmente nos vários chafarizes espalhados pela cidade, como os instalados no Largo da Misericórdia e Largo do Piques.
Na ilustração, coleta de água em chafariz em São Paulo, século 19
Na ilustração, coleta de água em chafariz em São Paulo, século 19
Foi em 1862, porém, que pela primeira vez a notícia de falta d’água chegou a imprensa paulista como mostra, com dureza, uma nota no jornal Correio Paulistano de 25 de outubro daquele ano:
Divulgação / Correio Paulistano
E esta carência de água e ineficiência de abastecimento em São Paulo não para por ai, e continuaria a perseguir o Paulistano por pelo menos mais 15 anos. A capital Paulista, mesmo sendo uma cidade ainda muito pequena, crescia sem poder atender a população adequadamente no fornecimento de água potável.
Em 1864 o problema volta à tona com outra reportagem do mesmo jornal, que observava não somente a precariedade do serviço, como também os defeitos nos encanamentos, que deixam os chafarizes com vazão fraca de água:
Divulgação / Correio Paulistano
Embora a região da Cantareira já fosse conhecida pela sua riqueza de nascentes, córregos e até cachoeiras desde o século XVI, no começo da segunda metade do século XIX a área era ainda apenas um conjunto de fazendas e chácaras, e também rotas de tropeiros que faziam comércio com São Paulo e outras regiões do país. Não se explorava os mananciais da região para fins de abastecimento municipal.
Em 1867 a penúria que estava o abastecimento de água potável na capital levou a discussão do uso da Cantareira para abastecer a cidade de São Paulo. Em um artigo do jornal Correio Paulistano daquele ano, críticas aos anos e dinheiro desperdiçados em vão na busca da solução da falta de água e a eminente necessidade de canalização das águas disponíveis na região da Cantareira:
Divulgação / Correio Paulistano
ENFIM, SURGE A COMPANHIA CANTAREIRA
Somente após 10 anos depois destas reclamações enfurecidas de falta de água é que finalmente surge aquela que seria a grande solução ao crítico abastecimento de água potável da capital paulista: A Companhia Cantareira de Água e Esgotos.
A iniciativa partiu de empresários e políticos que se uniram para criar uma empresa privada para cuidar do “abastecimento das aguas da cantareira, e esgotos de aguas servidas e materias fecaes” (grafia da época).
Vários ilustres atenderam ao convite de Coronel Rodovalho para que se dirigissem a sua residência para fundar a nova empresa:
Divulgação / Correio Paulistano
E assim nasceu a empresa que tornou possível explorar e canalizar as águas da Cantareira e que cerca de 15 anos mais tarde também tornaria possível o transporte ferroviário pelo Tramway da Cantareira.
A inauguração se deu no ano seguinte, em 1878, e contou com a presença do Imperador Dom Pedro II e diversas autoridades do império, estado e município. A pedra fundamental foi carregada e colocada pelo próprio Imperador.
Divulgação / Correio Paulistano
Inicia-se então, em ritmo acelerado, a construção de dois grandes reservatórios de acumulação para represamento dos mananciais na Serra. E em maio de 1881 foram concluídas as obras para abastecer de água, de maneira bastante satisfatória, o dobro da população paulistana na época, que era de 30.000 habitantes. Era definitivamente uma reserva modelo.
Crédito: Divulgação
A Cantareira no final do século XIX 
Com a inauguração do fornecimento de água oriundo do reservatório da Cantareira, em 1882 alguns chafarizes da cidade já começaram a receber água do novo manancial e, em 1883, 71 imóveis da capital passam a receber água, também beneficiados pela inauguração de outro grande reservatório, na Consolação, com 6500 metros cúbicos de capacidade.
SURGEM OS PRIMEIROS PROBLEMAS:
Divulgação / Correio Paulistano
Pouco mais de 10 anos depois de inaugurada, a Cantareira já começa a apresentar problemas no abastecimento de água da capital, relatados nos mais variados bairros Paulistanos. O recorte acima, de 1892, atesta um abastecimento insuficiente no bairro da Mooca, aliado a qualidade ruim da água e mau cheiro.
Os problemas começam a aparecer em vários outros pontos da cidade, até que neste mesmo ano a Companhia Cantareira toma uma medida que iria acirrar os ânimos da população paulistana: a demolição dos chafarizes públicos.
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Esta decisão é tomada para forçar a população a instalar a rede de água nos domicílios, visando o aumento dos lucros da empresa que era privada e precisava crescer. Alguns dos chafarizes realmente chegam a vir abaixo enquanto outros sobreviveram.
Mesmo assim, 1892 parece ser o grande ano de crise para a Cantareira e relatos de falta d’água, fornecimento ineficaz, mau cheiro e, principalmente, aumento do preço começam a pipocar nos jornais de São Paulo:
Divulgação / Correio Paulistano
Divulgação / Correio Paulistano
Tais reclamações, aliadas a dificuldades da empresa em ampliar os investimentos em melhorias do sistema e a impopularidade atingida com a desativação de alguns dos chafarizes da cidade, levam ao Estado Paulista a encampar e assumir a empresa, decretando o fim da Companhia da Cantareira.
Surgia então a RAE (Repartição de Águas e Esgotos da Capital), que de início ampliou as aduções de água e a captação e proteção das nascentes, adquirindo áreas na região a partir de 1890. Esta áreacorresponde ao Parque Estadual da Serra da Cantareira, com 7.916 hectares, sendo decretada “Reserva Florestal do Estado”.
Os progressos da RAE foram tão notáveis que em dois anos realizaram mais obras e ampliações do que a velha companhia fez em uma década. 
A Cantareira tornou-se tão eficiente que logo tornou-se uma vitrine, destacando-se em 1899 a visita do então presidente da Argentina, Julio Roca, que tirou foto oficial no local:
Presidente da Argentina, Julio Roca, é o quinto sentado da esquerda para a direita (clique para ampliar).
Presidente da Argentina, Julio Roca, é o quinto sentado da esquerda para a direita.
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Na mão do governo Paulista, a Cantareira seguiu em ampliação com a construção de aduções nos anos de 1893, 1895 e 1898. Em 1907 foram concluídas as obras da adutora do ribeirão Cabuçu.
Apesar das constantes obras no Cantareira o sistema em toda sua trajetória até os tempos atuais, mais notadamente nos anos 1920, quando foi criado um plano de emergência para desviar águas da adutora do Guaraú para o reservatório do Belenzinho que estava agonizando. Problemas de abastecimento também ocorreram na década de 40 e no ano de 1958.
O Sistema Cantareira antigo continuou funcionando até a década de 1970, quando se iniciou o aproveitamento das águas do Rio Juquerí, hoje denominado Sistema Cantareira. Foi nessa década, precisamente em 1972, que surgiria a Sabesp.

Abaixo outras fotografias da Cantareira tiradas entre 1895 e 1905:
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A Cantareira e a falta de água na história de São Paulo em São Paulo Antiga

 "Sem mais o antigo ritmo, tão propício às culturas, o clima de S. Paulo vai mudando. Não o conhecem mais os velhos sertanejos afeiçoados à passada harmonia de uma natureza exuberante, derivando na intercadência firme das estações, de modo a permitir-lhes fáceis previsões sobre o tempo."

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Saúde, Sorte e $uce$$o: Sempre.