Localizado no coração do centro do Rio de Janeiro, entre as ruas da Quitanda e do Ouvidor, o 15º Tabelionato de Notas acostumou-se ao pioneirismo. Antes do casamento gay ser reconhecido pelos tribunais,
em 2011, a tabeliã Fernanda de Freitas Leitão, 47, já oficiava, desde
meados de 2000, uniões estáveis entre casais do mesmo sexo. Agora torce
para poder realizar também a primeira união estável poliafetiva da cidade.
O
serviço, conta Fernanda, já é oferecido há alguns anos, ao lado das
uniões entre casais hétero e homoafetivos. Até agora, no entanto,
nenhuma união do tipo foi realizada.
A principal experiência de oficialização de relações poliafetivas no Brasil foi registrada em 2012, na cidade de Tupã, interior de São Paulo,
quando um cartório fez uma escritura pública de união estável entre
duas mulheres e um homem que viviam na mesma casa havia três anos.
"A
gente não inventa essas relações, elas existem", explica Fernanda, que
não vê impedimento legal para realizar as uniões. "Considero que, se a
lei não veda, eu posso fazer. A eficácia é o juiz que vai decidir."
O
desembargador e professor de direito civil da Uerj (Universidade
Estadual do Rio de Janeiro) Guilherme Calmon, no entanto, considera a
questão controversa. "Existem posições na doutrina contrárias e algumas
poucas favoráveis", explica.
O entendimento de
que é possível oficializar uniões desse tipo, diz Calmon, se baseia mais
na ideia de que a família estaria baseada no afeto do que na lei. "Isso
é bastante polêmico, uma vez que, em se tratando da atuação dos
cartórios, existe a previsão de seguir o que está na lei", afirma. "Acho
que isso demandaria uma mudança radical em toda a legislação, na
questão previdenciária, no INSS... Acaba o princípio da monogamia."
Fernanda,
no entanto, lembra que o conceito de família está mudando. Para ela as
uniões poliafetivas devem passar pelo mesmo processo das uniões hétero e
homoafetivas, antes não reconhecidas e agora corriqueiras.
"Antes
da Constituição de 1988, o direito protegia a instituição casamento,
desconhecendo os demais tipos de uniões, mesmo a união estável
homem/mulher. Com a nova Constituição, o princípio norteador do direito
de família passou a ser o afeto", defende Fernanda. "As pessoas vivem
suas vidas independente do que o direito fala."