Deixa-se
de recolher 500 bilhões de reais por ano aos cofres públicos no País,
ao passo que o custo anual médio da corrupção no Brasil, em valores de
2013, corresponde a 67 bilhões anuais
Carlos Drummond, na CartaCapital
Nenhum assunto rivaliza com as notícias sobre corrupção na cobertura e
no destaque dados pela mídia, um sinal da importância devidamente
atribuída ao problema pelos cidadãos. Males de proporções maiores,
porém, continuam na sombra. A sonegação de impostos, por exemplo, tem
sete vezes o tamanho da corrupção, mas recebe atenção mínima da
sociedade e do noticiário.
Deixa-se de recolher 500 bilhões de reais por ano aos cofres públicos
no País, calcula o presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da
Fazenda Nacional, Heráclio Camargo. O custo anual médio da corrupção no
Brasil, em valores de 2013, corresponde a 67 bilhões anuais, informa
José Ricardo Roriz Coelho, diretor-titular do Departamento de
Competitividade e Tecnologia Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo, com base em cálculos recentes.
Para alertar a sociedade da importância de se combater a sonegação,
Camargo, inaugurou na quarta-feira 18, em Brasília, um sonegômetro e uma
instalação denominada lavanderia Brasil. Na inauguração, o medidor
mostrava um total sonegado de 105 bilhões desde janeiro, dos quais 80
bilhões escoados por meio de operações de lavagem ou manipulação de
recursos de origem ilegal para retornarem à economia formal com
aparência lícita.
Em um exemplo citado pelo Sindicato, um comerciante simula a compra
de 50 milhões de litros de combustível, adquire só 10 milhões de litros
físicos e obtém, mediante pagamento, notas fiscais falsas no valor de 40
milhões. Ele negociou de fato só aqueles 10 milhões, mas trouxe para a
economia formal os 40 milhões de origem ilícita por meio desse mecanismo
de lavagem, sem recolher os impostos devidos. Tanto a parcela
superfaturada, os recursos de propinas, tráfico de drogas, de armas e de
pessoas, contrabando, falsificações, corrupção e renda sonegada
precisam retornar à economia com aparência de origem lícita, para as
atividades criminosas prosseguirem.
A livre atuação no Brasil das empresas off shores, ou
registradas em paraísos fiscais, agrava a sonegação. Há laços fortes do
País com esses redutos de burla dos fiscos dos estados nacionais, na
prática nossos grandes parceiros comerciais. A principal razão é o
tratamento preferencial dado ao capital externo, subtaxado quando da sua
remessa de lucros ao exterior, afirma-se no site Tax Justice Network.
“Todos os países que não taxam ganhos de capital, ou o fazem com base
em alíquota inferior a 20% são considerados paraísos fiscais no Brasil.
Ironicamente, esse país tem diversas situações de ganhos de capital
taxados em menos de 20%.” Não é bem assim, explica a Receita Federal. “A
definição de paraíso fiscal na legislação brasileira não leva em conta
apenas a tributação de ganhos de capital, mas sim a tributação da renda.
A tributação da renda das pessoas físicas é de 27,5% e das pessoas
jurídicas é de 25% de imposto de renda, mais 9% de Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido.” Mas a taxação de ganhos de capital, “em regra de
15%”, é baixa em termos mundiais e o trânsito do dinheiro é facilitado
pela parceria comercial com os paraísos fiscais.
Pessoas físicas recorrem também aos paraísos fiscais para não pagar
impostos sobre os seus ganhos, lícitos ou não. No caso das 8.667 contas
de brasileiros descobertas no HSBC da Suíça (4.º maior número de
correntistas no mundo), Camargo vê “com certeza indícios de conexão com
paraíso fiscal, porque essas contas eram secretas, só vazaram
porque um ex-funcionário do HSBC divulgou a sua existência. Há indícios a
serem investigados pelas autoridades brasileiras, de evasão de divisas e
crime de sonegação fiscal.”
Os impostos mais sonegados são o INSS, o ICMS, o imposto de renda e
as contribuições sociais pagas com base nas declarações das empresas. Os
impostos indiretos, embutidos nos produtos e serviços, e o Imposto de
Renda retido na fonte, incidentes sobre as pessoas físicas, são
impossíveis de sonegar. A pessoa jurídica cobra os tributos, mas algumas
vezes não os repassa ao governo.
Quem tem mais, deve pagar mais, estabelece a Constituição, em um
preceito tão desobedecido quanto o do Imposto sobre Grandes Fortunas, à
espera de regulamentação. Nesse assunto, o Brasil está na contramão. A
partir de 2012, com a piora da economia e da arrecadação, países
europeus que haviam concedido desonerações tributárias e cortado gastos,
voltaram a aumentar o imposto de renda nas alíquotas mais altas e
elevaram os impostos sobre propriedade, diz a professora Lena Lavinas,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Aqui, não conseguimos fazer isso porque o IPTU não é arrecadado pela
União, mas pelos municípios, então você não mexe na propriedade.
Impostos que tratam da concentração da renda, do patrimônio, deveriam
estar nas mãos da União. A reforma tributária, segundo algumas visões do
Direito, é tratada como uma questão de simplificação. Não é o caso,
muito pelo contrário, tem que complexificar mais, dentro de uma
estrutura adequada em termos de progressividade, de taxar realmente o
patrimônio, os ativos, essa coisa toda.”
A estrutura do nosso sistema tributário, diz a professora, “é uma
tragédia, regressiva, picada, os impostos não vão para as mãos que
deveriam ir. Por que não se consegue repensar o IVA, o ICMS? Porque são
dos estados. Impostos e medidas que poderiam favorecer uma
progressividade, não se consegue adotar, por conta do nosso caráter
federativo.”
A sonegação é uma possibilidade aberta para as empresas pela
estrutura tributária, conforme mencionado acima, e quando pegas, são
beneficiadas pela discrição das autoridades. Também nesse quesito, o
Brasil segue na contramão. Nos Estados Unidos, por exemplo, os próprios políticos tratam de alardear os nomes das empresas flagradas em irregularidades.
Por que o Brasil, não dá publicidade aos nomes dos grandes
sonegadores, o que possivelmente contribuiria para desestimular o não
recolhimento de tributos e impostos? Segundo Camargo, há divulgação, mas
ela não é satisfatória. “Existe um sítio na Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional que enseja a consulta dos CNPJs ou CFPs dos devedores,
mas sem informar quais são os valores devidos. Não temos uma cultura de
transparência no Brasil. Essas restrições são inaceitáveis e nós devemos
caminhar para uma maior transparência, com a divulgação dos nomes e
respectivos valores devidos.”
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