| Furacão Beryl deixou rastro de destruição em 2024 | Samir Aponte - 2. jul. 2024/Reuters |
| Extremos hidrogeometeorológicos na América Latina e no Caribe em 2024 |
| O furacão Beryl, formado em 28 de junho, foi o primeiro grande furacão da temporada de furacões no Atlântico em 2024. Alcançando a categoria 5, ele causou 64 mortes. Nesta coluna, faremos um panorama dos principais eventos hidrogeometeorológicos extremos que marcaram a América Latina e o Caribe em 2024. Nas semanas anteriores, analisamos os fenômenos mais impactantes no Brasil e no mundo. O ano de 2024 foi o mais quente registrado na América Latina e no Caribe desde 1850, com a temperatura média 0,95ºC acima da referência climatológica de 1991-2020. Esse cenário reflete os efeitos das mudanças climáticas, que potencializam eventos extremos, como furacões, enchentes e secas severas, alterando paisagens e vidas em toda a região. FuracõesEm 2024, a temporada de furacões no Atlântico registrou um número de tempestades acima da média. Até novembro de 2024 foram 18 tempestades identificadas por nomes em comparação com uma média de 14 tempestades no período de 1991-2020. Uma tempestade tropical recebe um nome quando a intensidade dos ventos atinge 62 km/h. O nome é determinado por um comitê internacional da OMM (Organização Meteorológica Mundial). Ciclones tropicais são tempestades giratórias, alimentadas por ar quente, que podem durar vários dias e ter centenas de quilômetros de extensão. Tempestade tropical é o nome dado a um ciclone tropical com ventos médios entre 62 km/h e 118 km/h. Furacão é o nome dado a um ciclone tropical com ventos médios acima de 119 km/h. No oceano Atlântico, oito tempestades afetaram a América Latina e o Caribe, incluindo quatro tempestades tropicais (Alberto, Chris, Nadine e Sara), três furacões (Ernesto, Oscar e Rafael) e três grandes furacões (Beryl, Helene e Milton). O furacão Milton atingiu categoria 5 e afetou o México, as Bahamas e Cuba, com chuvas intensas, inundações e apagões. Inundações e deslizamentos de terra mortais afetaram também regiões do México, América Central e algumas ilhas do Caribe, consequência das chuvas intensas. No oceano Pacífico, a temporada de furacões foi ligeiramente menos ativa do que o normal, com 12 tempestades designadas por nome em comparação com uma média de 15 tempestades com nome no período 1991-2020. Três delas foram grandes furacões e sete foram tempestades tropicais. A tempestade tropical Ileana e o poderoso furacão John impactaram severamente o México em 2024. Já o furacão Beryl, que surgiu no final de junho — antes do período usual —, atingiu a categoria 5 no Atlântico, marcando a temporada com uma devastação sem precedentes. América Central, México e Caribe sofreram os efeitos desse fenômeno, que se tornou o furacão mais intenso a atingir a região desde 1875, deixando um rastro de destruição generalizada e danos significativos por todo o Caribe. Chuvas severas, inundações e deslizamentos de terraDesde o início de 2024, fortes chuvas, inundações e deslizamentos de terra afetaram a maior parte do Equador, Colômbia e Peru principalmente na primeira metade do ano, com destaque para: - O deslizamento de terra, consequência de chuvas intensas, que ocorreu no noroeste da Colômbia, em 12 de janeiro de 2024, e causou danos nas cidades de Quibdó e Medellin, provocando pelo menos 34 vítimas fatais e deixando 19 feridos.
- De 21 a 23 de fevereiro, as inundações ao longo do rio Acre causaram danos generalizados e deslocamentos em comunidades ribeirinhas no Peru, no Brasil e na Bolívia. Em Cobija, na Bolívia, o rio Acre atingiu 15,83 metros.
- Entre 26 de fevereiro e 1º de março de 2024, na costa norte do Peru, as chuvas intensas e inundações causaram 100.551 desalojados e 32 mortes.
- Em 5 de junho, inundações resultantes de chuvas intensas afetaram 26 municípios da bacia rio do Orinoco causando danos parciais ou totais.
- No Equador, as fortes chuvas que ocorreram em meados de junho provocaram inundações e deslizamentos de terra. O governo comunicou 9 vítimas fatais e quase 195.000 pessoas foram afetadas devido a esse evento extremo.
SecasO noroeste do México enfrentou, em 2024, a seca mais generalizada desde junho de 2011. Os primeiros cinco meses do ano registraram níveis de precipitação excepcionalmente baixos, com destaque para abril e maio, que se tornaram, respectivamente, o terceiro e o segundo meses mais secos desde o início dos registros históricos, em 1941. A América Central e o norte da América do Sul registaram défices significativos de chuva. Desde o início de 2024 até o final de abril, a maioria dos locais recebeu entre 50% e 75% de chuva abaixo do normal. Os totais de chuva inferiores ao normal diminuíram o abastecimento de água em toda a região. Granada, Belize, Barbados e Cuba registaram condições de seca. Em Belize, as condições de seca extrema, agravadas por uma onda de calor significativa, provocaram o pior surto de incêndios florestais da história recente. O Canal do Panamá sofreu uma grave seca atingindo os níveis mais baixos em janeiro, o que resultou numa queda acentuada do trânsito fluvial até final de setembro. As restrições foram suprimidas meses depois quando as chuvas reabasteceram os reservatórios de água do país. A Colômbia e o Equador começaram a racionar água no início de abril, e Bogotá dividiu a cidade em nove zonas que foram cortadas do abastecimento de água num rodízio de 24 horas. No início de abril, o governo do Equador declarou estado de emergência devido à falta de eletricidade. O El Niño provocou condições de seca na região do Orinoco, na Colômbia, sobretudo em janeiro. Vários rios nas regiões da Amazônia e do Pantanal registraram níveis muito baixos ou secaram. Em Loreto, na Amazônia peruana, em agosto, o rio Amazonas em Iquitos estava 2,5 metros abaixo do normal e, no período de setembro a outubro, atingiu os menores níveis dos últimos 14 anos. O rio Paraguai, em Assunção, atingiu os níveis mais baixos em 60 anos, prejudicando a navegação ao longo da hidrovia Paraná-Paraguai. Em 2024, o rio Paraná, que transporta quase 80% dos grãos e sementes oleaginosas da Argentina para exportação, esteve no segundo nível mais baixo desde 1970. Incêndios florestaisEm 2024 a ocorrência de incêndios florestais foi a mais elevada registrada nas regiões da Amazónia e do Pantanal, no centro do Chile, no México e em Belize. Os incêndios no Chile causaram mais de 130 mortes. O aumento da atividade de incêndios florestais foi impulsionado principalmente pela seca extrema de 2023-2024, que foi generalizada e sem precedentes em toda América Latina. Em 2024, foram detectados 1.025.591 incêndios ativos na América Latina, 47,7% ocorreram no Brasil e 20,8% na Bolívia. O aquecimento global explica em parte os extremos de chuva intensa e seca que deflagraram desastres na América Latina e no Caribe em 2024. Segundo o WWA (World Weather Attribution), muitos eventos extremos que ocorreram no início de 2024 foram influenciados pelo fenômeno El Niño, mas a mudança climática teve um papel maior e amplificou esses eventos. Colaborou José Marengo, que tem graduação em Meteorologia e mestrado em Engenharia de Recursos de Água e Terra pela Universidad Nacional Agraria do Peru. É doutor em Meteorologia pela University of Wisconsin dos EUA. Fez pós-doutorado em modelagem climática na Nasa-GISS, Columbia University em Nova York e na Florida State University. Foi coordenador científico da previsão climática do CPTEC-INPE. Atualmente é pesquisador titular e Coordenador Geral de Pesquisa e Desenvolvimento no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). |
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