Com o passar dos dias, suas feridas físicas e emocionais cicatrizaram. Mas ele teve que trabalhar em mais um capítulo do livro sobre o bordado de seu país natal. Ela também é pesquisadora. Decidiu pegar um ônibus até a cidade de Tenango de Doria. Ela entrevistou as bordadeiras que apoiavam a tradição local e logo percebeu que havia um capítulo do livro que teria diversas histórias. Ela ficou fascinada ao saber como esse conhecimento era transmitido entre mães, filhas e netas. As cores, as texturas dos bordados, mais uma vez, a cativaram. “Depois de encontrar o nada profundo, finalmente me entreguei a mim mesmo e me reconheci como mexicano. Como a mexicana que eu queria ser”, diz ela.
Gimena é formada em Artes Plásticas e Visuais pela La Esmeralda; também estudou Alta Costura em Lesage, Paris; Na cidade de Sevilha, aprendeu técnicas de bordado na irmandade do Convento del Cristo de Buen Fin e também concluiu dois mestrados, um em Pesquisa e Produção na UNAM e outro em Psicoterapia Gestalt no Centro Eleia. Publicou quatro livros: Bordado mexicano: da tradição ao contemporâneo (2017), Camino a Tenango (2017), Hebra de agua (2018) Bordado pictórico: os cinco elementos da técnica (2022).
Em relação ao seu trabalho com os fios, o que cada um contribui para o seu discurso?
É essencial. Uma das características do bordado é que ele leva a desenvolver todos os sentidos. Existe um autor chamado Albert Soesman que fala sobre os 12 sentidos do ser humano. Fala sobre percepção tátil, importante no bordado. A informação que o bordado te dá é única, é um diálogo entre o que você pode dizer através da criação e da técnica e o que o processo e o material dizem sobre quem borda. Tem seda, lã, linho, cabelo, lavin, poliéster. O bordado com cabelo tem uma carga simbólica, pois trabalha-se com o próprio corpo.
Você acha que o bordado tem uma relação especial com o feminino?
Não creio que seja uma atividade só para mulheres. Tem sido uma tarefa feminina ao longo da vida, no contexto daquilo que é relegado às mulheres, condenado, sendo a mulher o que é proibido. Mas, seja você homem ou mulher, é inevitável se identificar com esse imaginário. Porque no fundo são técnicas, como aquarela, óleo, e o que conta é o que você faz com elas. Meu trabalho não é feminista, e quando trabalho com sangue, procuro que não seja menstrual, pela carga simbólica que tem. Sou feminista, mas assim como a Gimena, por outro lado, a artista Gimena fala de força, de identidade e de corpo, não importa quem o exerça. Não é uma reclamação, é a proposta de um novo imaginário em que se possa conviver com a dor, que não julga nenhum tipo de emoção ou dor. Esta união é uma ode à vida.
Você acha que a conversão de fotografias em imagens têxteis vincula o significado das imagens a outras realidades, como se mitificasse os retratados?
Quando trabalho com fotobordado, não é mais um retrato. Torna-se outra peça, porque cria outra realidade, outra narrativa, é uma forma de criar uma realidade alternativa, uma nova proposta de realidade. Na verdade, a minha tese de bacharelado, que não era sobre bordado, era sobre desenho, eu fazia fotos. Minha família vem de dois países diferentes, então não tenho família no México. Tenho minhas tias que vieram de El Salvador com minha mãe e meus tios paternos, que já faleceram. Um dia encontrei um baú com fotos das duas famílias e não conhecia ninguém. “Este é o seu primo que está na Cantábria”, disseram-me. Ao intervir nessas imagens descobri esse imaginário familiar. Sua identidade não é mais a de seus antepassados, mesmo que você esteja criando com eles no presente. Certa vez recebi uma mensagem de um parente no Facebook me perguntando: “Por que minha tia-avó está com o rosto riscado com um fio?” É criar a sua própria memória, não a real, e no final o resultado é o mesmo: sou Gimena e estou no México.
O bordado permite uma relação mais profunda com a textura?
Sim claro. Nas artes a textura está sempre presente. Mas quando você borda, a textura é o que faz o bordado. Embora seja também na pintura a óleo, na aquarela, no desenho, aqui é mais evidente, tem mais qualidade. A textura e sua qualidade háptica é o que torna a técnica tão sedutora. No meu livro Bordado México tenho um capítulo chamado Considerações em torno da textura , lá falo e desenvolvo tudo isso, falando do ar entre o tecido e o fio, como ele se reflete na luz. Estou trabalhando em uma série que são jogos composicionais hápticos abstratos, quase não faço abstração, e essa série é apenas para deleite e alegria em torno da composição.
E essa relação com a textura carrega consigo um percentual de erotismo ou de sensações primárias?
Acho que a técnica, pelo menos de onde trabalho, tem um percentual enorme de obsessões, tem também uma carga erótica, porque a carícia não pode ser separada do erotismo, indo além daquela carícia plana. Você tem que aprender a ouvir de forma tátil, conhecer a si mesmo de forma tátil. O bordado faz de você uma guardiã das carícias. E a carícia está antes ligada à encarnação, não está ancorada na memória. A criação e o pensamento háptico nos fazem desenvolver a sensibilidade por trás disso. A pele tem a sua história, o seu desejo. A mão tem memória própria. São essas pulsões que transbordam ao tocar a peça. É um retorno ao original, uma recuperação de um estado humano. Está a recuperar território dentro das nossas próprias capacidades sensíveis.
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