Uma equação que o mundo está longe de conseguir resolver é a falta de segurança alimentar. Tanto que acabar com a fome é um dos princípios que encabeçam os chamados ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU. Diante de um problema que só aumenta, a expectativa é que as indústrias do setor alimentício estejam de mangas arregaçadas e olhos bem abertos.
"Para mim, o desafio mais crítico da humanidade é garantir que todos os seres humanos tenham acesso aos alimentos e que terão múltiplas refeições ao dia. Este é o tema que mais investimos. Estamos desde novas tecnologias de produção, produtos de impacto social até soluções que pensam na distribuição dos alimentos", diz Suelma Rosa, Vice-Presidente de Assuntos Corporativos da PepsiCo América Latina.
A gigante do setor lançou no ano passado o arroz de aveia Quaker, produto que tem 100% do lucro revertido para o combate à fome, em parceria com a Instituição Social Amigos do Bem que atua no semiárido nordestino. O lançamento integra uma das estratégias ESG da PepsiCo, chamada PepsiCo Positive, que tem como meta aumentar, globalmente, o acesso a alimentos nutritivos para 50 milhões de pessoas até 2030.
Para a companhia, as metas sociais devem estar atreladas a práticas do que chama de "agricultura positiva", que incluem desde melhorar os meios de subsistência de mais de 250 mil pessoas em comunidades agrícolas em todo o mundo como também a preservação dos recursos naturais: no Brasil, por exemplo, 100% das batatas fornecidas para a companhia já são de origem sustentável, baseados nos pilares econômico, social e ambiental.
A PepsiCo anunciou também a substituição de combustíveis fósseis por gás biometano na sua maior fábrica, em Itu (SP), onde são produzidos conhecidos snacks como Lay's, Cheetos e Doritos - ali foi instalada uma estação de abastecimento de biometano capaz de atender até 100% a demanda de gás para cozimento, fritadeiras, fornos e caldeiras de água da fábrica, totalizando aproximadamente 15 mil metros cúbicos por dia. "Produzir um Doritos no Brasil emite menos carbono do que produzir o mesmo Doritos em qualquer outra parte do mundo porque aqui a matriz energética é limpa", lembra a VP da PepsiCo.
Nomeada pela Bloomberg Línea uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina, a executiva já fez parte do Conselho de Administração no Pacto Global da ONU, da Abbi (Associação Brasileira de Bioinovação) e do Conselho da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos). Leia a seguir a entrevista exclusiva de Suelma Rosa à coluna Negócios Sustentáveis.
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Ecoa: Mais de 2 bilhões de pessoas no mundo enfrentam a fome e a insegurança alimentar - e este número tende a subir. Qual o papel de uma gigante de alimentos diante deste cenário?
Suelma Rosa: Este é o principal desafio da humanidade. Muito mais do que as mudanças climáticas. Em inglês, dizemos que é o safety and security: safety é a segurança da qualidade do produto e o security é assegurar acesso ao produto, ao alimento. Porque tem a fome e tem a insegurança. Existem muitas dimensões entre elas, inclusive a desigualdade. Por este lado, há muito o que fazer no Brasil e estas ações de impacto social são prioridade para nós, como o arroz de aveia Quaker, com 100% do lucro revertido para o combate à fome. Uma outra dimensão, que é muito mais complexa do ponto de vista mundial, é quando a gente pensa a distribuição demográfica e os locais onde se produz alimentos. Eles não são coincidentes. Existem zonas produtoras e zonas consumidoras - elas são distantes.
Como assim?
A população mundial está concentrada na Índia, na China, com bilhões de pessoas, literalmente. Quando você vê o ciclo de crescimento demográfico mundial, ele está todo indo para a Ásia. E os maiores produtores de alimentos estão do outro lado do mundo, como o Brasil. Então como é que você produz alimento num lugar, leva para outro lugar, que fica longe, com integridade e segurança, para que não haja contaminação. Este é um dos papeis da indústria de alimentos.
Existe o abastecimento local também.
Sim, claro. Isso não invalida a nossa responsabilidade com os cinturões verdes e a pequena produção de alimento que está abastecendo as cidades. Mas quando a gente pensa no equilíbrio entre as zonas produtoras e as zonas consumidoras no mundo, precisamos de soluções e tecnologias que garantam que o tempo de vida do produto seja longo o suficiente para chegar com qualidade no consumidor. Uma outra parte da segurança alimentar é a acessibilidade, ou seja, garantir que as pessoas consigam ter acesso ao alimento de verdade e que isso seja estável. Ou seja: que a pessoa tenha certeza que vai comer todos os dias. Isso também é um desafio mundial. E a gente precisa enfrentar isso não apenas como empresa, mas como humanidade. Por fim, temos ainda o próprio impacto das mudanças climáticas nisso: os regimes das chuvas estão mudando e mexendo na produção agrícola. Isso tudo está dentro do mesmo pacote de segurança alimentar.
Existe um caminho das pedras que aponte uma solução?
Acho que no momento não cabe o protagonismo de ninguém: é todo mundo junto coletivamente buscando soluções. A indústria junto com a academia, com muita ciência, com essas startups que estão trazendo inovações e que precisam de apoio para escala, com as populações tradicionais. E sem esquecer de que forma o pensamento individual pode contribuir para a coletividade. Como cada indivíduo pode tomar decisões mais conscientes e assumir a responsabilidade de comprar produtos de empresas que estão mobilizadas e, principalmente, dão suficiente transparência para o que estão fazendo.