10 novembro, 2024

Intercept Brasil

 


Sábado, 09 de novembro de 2024

Folha, Globo e a ilusão de Bolsonaro

Bolsonaro teve o seu ‘media day’ após a eleição de Trump para sonhar com 2026.

A vitória de Donald Trump nas eleições americanas trouxe um novo fôlego a Jair Bolsonaro. Tão logo o resultado foi decretado, o ex-presidente se apressou em tentar forçar paralelos entre sua trajetória e a do republicano, apostando em um retorno triunfal em 2026.


Para disseminar a narrativa que lhe interessa, Bolsonaro contou com aliados improváveis: as famílias Frias e Marinho. Na quarta-feira, 7, logo pela manhã, o ex-presidente teve uma entrevista exclusiva publicada na Folha de S.Paulo. À tarde, foi a vez d’O Globo.


Às vésperas do seu indiciamento pela tentativa de dar um golpe de estado, Bolsonaro esqueceu as restrições que tem à imprensa para fazer seu “media day” – dia em que figuras públicas concedem várias entrevistas seguidas, se dedicando a atividades de comunicação.


Como de costume, a mensagem nas diferentes entrevistas foi igual: que a sua prisão traria impacto mundial, num misto de bravata, ameaça e vitimização. A aposta é que o novo cenário internacional intimide o Supremo Tribunal Federal nos julgamentos que virão em 2025.

Nem o ex-presidente Michel Temer, do MDB, que Bolsonaro tentou afagar sugerindo à Folha que poderia ser seu vice em 2026, acredita que o STF possa ser influenciado por Trump. "Eleito Trump nos EUA, isso vai influenciar o Judiciário daqui? Eu não acredito", disse.


Se Temer acredita ou não, pouco importa. Bolsonaro tem que acreditar. É sua única esperança. Por isso, se apressou em ir à imprensa dizer que a eleição de Trump era um “passo importantíssimo” para a anistia dos golpistas de 8 de janeiro e para seu caminho de volta à elegibilidade.


Sim, as apostas de que Bolsonaro pode estar na disputa de 2026 têm crescido. Mas a maior parte delas não considera que ele não tem quórum suficiente para reverter sua inelegibilidade no plenário do TSE, mesmo que Kássio Nunes Marques e André Mendonça estejam prestes a assumir o comando da Corte.


Nunes Marques já é, hoje, vice-presidente do TSE. A dois meses da eleição presidencial, ele sucederá Cármen Lúcia e assumirá o cargo de presidente. Mendonça, por sua vez, será alçado a vice. A ascensão da dupla, porém, não garante a reversão da inelegibilidade de Bolsonaro.


Nas duas condenações que sofreu na Corte, o ex-presidente perdeu por cinco votos a dois – sendo que um deles era de Nunes Marques, que já integrava o TSE em 2023. Com a substituição de Cármen Lúcia por Mendonça, Bolsonaro ganha um voto – nada que mude o cenário.


Mesmo que o TSE fizesse uma guinada pró-Bolsonaro, especialistas apontam que é no STF que os recursos às decisões de inelegibilidade devem ser analisadas – e, inclusive, já estão sendo, com quase nenhuma chance de sucesso para o ex-presidente.


Um outro rumor que ouriçou bolsonaristas na semana passada surgiu depois que Nunes Marques autorizou o deputado estadual pernambucano Lula Cabral, do Solidariedade, a tomar posse como prefeito de Cabo de Santo Agostinho mesmo tendo sido declarado inelegível pelo Tribunal Regional Eleitoral.


Na semana passada, quando o caso pipocou nas redes sociais, consultei o Fernando Neisser, advogado especializado em Direito Eleitoral. “Essa é uma decisão normal. Inelegibilidade decorrente de rejeição de contas tem esse espaço de interpretação mesmo”, explicou.


De fato, Lula Cabral concorreu sub judice em função de ter tido suas contas como ex-prefeito rejeitadas pela Câmara Municipal. No caso de Bolsonaro, me explicou Neisser, isso nem seria possível. “Não há nenhuma relação desse caso com Bolsonaro”, pontuou.


Tão improvável quanto a elegibilidade é a tal anistia, que Bolsonaro também propagou como real nas entrevistas à imprensa: “O Congresso é o caminho para tudo”, profetizou. Mas os especialistas são unânimes em dizer: mesmo que a anistia vá à frente, ela deverá ser questionada no STF.


Ou seja: mesmo que, por ora, não exista nenhuma chance real de que isso aconteça, Bolsonaro trabalha para alimentar a ilusão de seu retorno em 2026 — uma janela de oportunidade aberta por Trump e amplificada pela cobertura generosa da imprensa brasileira.

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