De alguma forma, ao assumirem a possibilidade do disfarce e da camuflagem, alguns escritores confrontam finalmente e sem medo, o que é o mesmo que de forma decisiva e feliz, os limites da sua própria escrita e, portanto, até os próprios limites da linguagem, trazendo ainda esses limites diante de o leitor, ou melhor, levar o leitor aos seus próprios limites: que melhor notícia para quem se depara com uma página do que descobrir-se subitamente diante de um acontecimento que não estava entre suas previsões e que, talvez, embora não pareça fazer parte da história, também é história. E só então transmutam as perguntas que o leitor poderia estar fazendo: “mas isso… isso aconteceu?” Pior ainda… isso… isso, o que é?”
Recentemente, de fato, como leitor, o que mal descrevi aqui, aconteceu comigo mesmo, enquanto lia, primeiro, Tudo pode ser, de Vicente Undurraga, e, depois, enquanto lia Sua doença será minha professora, de Cristian Geisse, escritores chilenos, coincidentemente – ou não – ambos. E, embora o livro lindo, inteligente e, acima de tudo, hilário de Undurraga tenha me sido apresentado - e foi assim que entrei nele - como um ensaio sobre linguagem, especificamente, sobre verbos, e, mais especificamente, sobre vinte verbos, muito em breve Me vi perdido dentro da festa à fantasia em que acabara de entrar, pois o que Undurraga faz é guardar, dentro de seus textos, lembranças que também são vinhetas que, no fundo, também são histórias.
“Com os cigarros eu sabia que não deveria ter recaídas. Ou não sabia como ter uma recaída, colocar de acordo com a situação. Parei de fumar da noite para o dia há onze anos, depois de ter fumado quinze, desde os treze anos, um maço por dia. E qualquer fumante sabe que um maço por dia é sempre um maço e meio. Ou dois. É disso que se trata. Mais, mais, mais. Talvez porque a prudência pulmonar tenha prevalecido sobre mim, não é que me arrependa de tê-lo abandonado, mas quando ouço um familiar ou amigo referir-se a isso como um triunfo da minha vontade, murmuro secretamente que não, pelo contrário, que se trata de um uma derrota, uma recaída cuja altura não soube viver”, escreve, por exemplo, quando escreve sobre o verbo “recaída”. |