O cenário ideal para a propagação do fogo não se restringiu a São Paulo. Com o agravamento das mudanças climáticas, o Brasil enfrenta a pior seca de sua história, com o fogo se alastrando e devastando vastas áreas dos biomas nacionais. Em 2024, o país já contabiliza o maior número de incêndios florestais dos últimos 14 anos.
O Brasil registrou 5.724 focos de incêndio em 4 de setembro de 2024 (dia com o maior número de focos detectados entre os dias 1º e 9 desse mês), segundo dados do Inpe. O bioma Amazônia teve a maior ocorrência, com 2.819 (49,2%), seguido pelo Cerrado, com 2.238 (39,10%), e a Mata Atlântica, com 532 (9,29%).
O WWA (World Weather Attribution), grupo internacional de cientistas que estuda o impacto das mudanças climáticas, apontou que junho de 2024 foi o mês mais seco, quente e ventoso no Brasil desde 1979, ingredientes ideais para propagação rápida de incêndios florestais.
Ainda de acordo com o grupo, as queimadas no Pantanal estão 40% mais intensas devido à ação criminosa, agravada por quatro décadas de redução constante nas chuvas. As mudanças climáticas estão fazendo as chuvas médias anuais diminuirem de maneira contínua há mais de 40 anos no bioma.
As secas excepcionais têm se tornado cada vez mais severas e frequentes, e quase três quintos do território brasileiro estão progressivamente mais secos.
Historicamente, incêndios florestais eram eventos raros, causados por secas extremas e raios. A vegetação era mais resistente ao fogo. No entanto, em tempos de emergência climática, as queimadas são mais frequentes e destrutivas, com mais de 90% dos focos sendo causados por ação humana.
Na Amazônia, o risco de incêndios extremos, exacerbado pela mudança climática e o uso inadequado da terra, aumentou entre 20 e 28 vezes. O aquecimento global e o desmatamento têm prolongado a estação seca, intensificado o déficit de umidade nas plantas e elevado a mortalidade das árvores.
De acordo com o Inpe, cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, ou 60% do território brasileiro, foram afetados pela fumaça dos incêndios na Amazônia e em outras regiões brasileiras, que também atingiu países vizinhos como Uruguai e Argentina. A cidade de São Paulo registrou a pior qualidade de ar no planeta nesta segunda-feira (9).
Com secas cada vez mais severas e frequentes, biomas inteiros estão à mercê do fogo. Sem ações imediatas para mitigar esses impactos, a tendência é que a destruição continue a se intensificar.
Colaborou Wagner Soares, meteorologista pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), mestre em Meteorologia Agrícola pela UFV (Universidade Federal de Viçosa), doutor em Meteorologia pelo INPE (Instituto nacional de Pesquisas Espaciais). Possui pós-doutorado na área de mudanças climáticas pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).