Pensando nas notícias da última semana no sector energético e no Ibex, o naufrágio da OPA da Naturgy negociada pelo grupo dos Emirados Taqa, poucos compreendem o desfecho de uma operação que teve todas as estrelas a seu favor. Não se tratava de um fundo de investimento, que, como se sabe, salvo raras excepções, entra nas empresas com o desejo de permanecer nelas temporariamente e com o objectivo de obter a maior rentabilidade com participações reduzidas (caso estranho é o dos dois grandes accionistas fundos da Naturgy, CVC e GIP, com pouco mais de 20% cada). Pelo contrário, a Taqa era (é) um grupo industrial com diferentes negócios no sector da energia e dos serviços que estava disposto a lançar uma oferta pública de aquisição sobre a totalidade das ações da empresa espanhola.
A oferta foi abençoada pelo Governo espanhol, que fez os devidos acordos com o seu homólogo dos Emirados Árabes Unidos. Para o executivo de Pedro Sánchez, um grupo dos Emirados era melhor (outras experiências, como a de Mubadala na Cepsa, ofereciam garantias de seriedade) do que os investidores russos ou sauditas com quem, em desespero, a CVC e o GIP tinham contactado. Diferentes fontes também atribuem um papel intermediário ao rei emérito Juan Carlos, que desde a sua abdicação está baseado em Abu Dhabi.
Para manter a espanholaidade, nestes tempos de intervencionismo político nas grandes empresas (na ausência de investidores locais, um bom escudo anti-aquisição, dizem no Governo), Taqa estava disposta a negociar um pacto de co-governação com o primeiro accionista da Naturgy, CriteriaCaixa. Uma forma também de evitar que o Conselho de Ministros imponha condições onerosas ao investidor árabe e que o accionista histórico da energética partilhe as rédeas (talvez apenas temporariamente). Nestes momentos de medo de perder empresas estratégicas, o Governo agarra-se às duas únicas alças que lhe restam: a SEPI, uma holding industrial pública, com graves limitações orçamentais, e a privada La Caixa, Criteria, também com limitado poder financeiro. está sendo usado como tábua de salvação para empresas em perigo, como a Talgo.
A disponibilidade da Taqa para lançar uma OPA e a negociação de um acordo societário com a Criteria foram factos comunicados à CNMV (nos dias 17 e 18 de Abril). A partir daí, tudo foi informação sem ser oficialmente confirmado pelas partes: o preço disposto a pagar pela Taqa (dizem abaixo dos 25 euros); se a CVC esticasse demais a corda e pedisse até 27 euros por ação e que o acordo parassocial com a Criteria encalhasse. Nem sequer foi oficial, embora tenha sido dado como certo, que a holding La Caixa estava disposta a lançar uma OPA conjunta para justificar o controlo da Naturgy com o grupo dos Emirados. Nunca se soube até onde ela estava disposta a ir .
A prova do sucesso da operação, que deu confiança aos hedge funds para comprar abertamente, é que o próprio presidente da Naturgy, Francisco Reynés, decidiu, poucos dias depois de reconhecidos os contactos entre as partes, renunciar ao seu bónus vinculado ao preço para não atrapalhar a operação. Se a oferta pública de aquisição tivesse sido bem sucedida, o conselho de administração presidido por Reynés teria de se pronunciar sobre a mesma, o que resultou num conflito de interesses. Nada previa que o processo iria encalhar, exceto um detalhe: os dias se passaram e o comunicado à CNMV não chegou. “Viria”, afinal, tratava-se de uma OPA amigável, diferente da que surgiu entre o BBVA e Sabadell, sustentaram os mais otimistas. Porém, para os pessimistas, “tanto tempo acabaria apodrecendo as negociações”. E assim foi. Segundo a Criteria, estes foram rompidos “de forma amigável” e, segundo outras fontes, o rompimento ocorreu totalmente de surpresa após ordens superiores recebidas de Abu Dhabi. As pessoas que tiveram de lidar com investidores dos Emirados reconhecem a sua dureza e desconfiança, além da “arrogância do dinheiro”.
Os acionistas da Naturgy terão de virar a página rapidamente para inspirar confiança no mercado, se isso for possível. As ações desabaram, caindo para 21 euros por ação, e a troca de acusações internas não para. Uma oportunidade como a que acaba de ser perdida é difícil de recuperar, embora também possa servir de lição. Paralelamente ao anúncio do rompimento com a Taqa, a Criteria comunicou em comunicado que ainda procurava comprador (para 41% da CVC e do GIP?). Por sua vez, o IFM, o fundo australiano que, com 15% (é o quarto acionista) tem insistido, a quem quis ouvir, que tem alternativas. Lançou sozinho a oferta pública de aquisição que Taqa rejeitou? |