01 abril, 2024

“Pague quanto puder”: restaurante traz novo modelo de negócios.

 Criado por chefs ingleses, restaurante serve refeições saborosas, une a comunidade, combate a fome e evita o desperdício de alimentos. 

Iniciativa prioriza economia solidária e sustentável. Foto: The Long Table

Um restaurante inglês, localizado em Gloucestershire, está solucionando dois problemas com o seu modelo de negócios, combatendo o desperdício de alimentos e a insegurança alimentar. Enquanto muita gente fala sobre a incoerência de toneladas de comida serem jogadas fora, enquanto tanta gente passa fome, o Long Table (mesa longa em português) decidiu juntar os dois lados desta equação.

O resultado é o uso responsável de alimentos, resgatando o que seria desperdiçado por fornecedores locais e um cardápio de qualidade oferecido para a população que “paga o quanto puder”, podendo inclusive comer de graça se este for o caso. Isso tem dado certo desde 2018.

E os resultados têm sido positivos: em 2023, o restaurante alimentou cerca de 20 mil pessoas e deu um novo destino a 3,4 toneladas de alimentos que iriam para o lixo. Economicamente, os lucros são suficientes para empregar 22 pessoas, que recebem um salário justo.

Foto: The Long Table


No site do restaurante, eles explicam que não se trata de caridade, mas de dignidade e igualdade, de uma comunidade ajudar os vizinhos que precisam de apoio. “Coisas incríveis podem acontecer quando comemos juntos”, garantem.

Dois problemas, uma solução

No Reino Unido, cerca de 8 milhões de adultos e 3 milhões de crianças enfrentam insegurança alimentar. Este número, registrado em 2024  é o dobro da taxa de 2021. Além da inflação de 25% sobre os custos dos alimentos, o valor de refeições consideradas mais saudáveis é o dobro por caloria. O resultado é um aumento alarmante nos hospitais de internações e problemas de saúde causados por desnutrição.

Por outro lado, produtores rurais do Reino Unido  descartam cerca de  6,4 milhões de toneladas de alimentos comestíveis, o suficiente para alimentar todas as pessoas com três refeições por dia durante 11 semanas, de acordo com a ONG de ação climática Wrap.

Além do absurdo de faltar comida enquanto alimentos são jogados fora, o impacto deste número também é cruel com o meio ambiente. Quando considerados os custos de produção, embalagem, distribuição, armazenamento, preparo e gestão de resíduos, o desperdício alimentar é responsável por aproximadamente 18 milhões de toneladas de emissões de carbono por ano.

Foto: The Long Table

A ideia por trás do Long Table é trazer uma resposta para estes problemas, se concentrando nas oportunidades. “Mantemos um espaço onde todos tentam coletivamente responder a uma pergunta: e se todos em nossa comunidade tivessem acesso a boa comida e pessoas com quem comê-la?”, explica Will North, gerente geral do restaurante.

O nome do restaurante vem da proposta de que as pessoas se sentem em uma longa mesa e aproveitem o que Will descreve como  “hospitalidade radical”. Em um dia normal, entre 100 e 250 pessoas aparecem para almoçar. “E é o tipo de lugar que se você viesse e não houvesse lugar à mesa, traríamos mais mesas”, garante o gerente.

O restaurante funciona ao lado de uma oficina de reciclagem de bicicletas e de um depósito de móveis usados e abre às 10h para café e bolo. O almoço é servido a partir do meio-dia, cinco dias por semana, e o jantar é oferecido às quintas, sextas e sábados.

Parte da equipe do restaurante. Foto: Facebook | The Long Table

O cardápio oferece uma opção única por refeição, o que não impede os chefs de criarem pratos surpreendentes – sempre com o objetivo de aproveitar ao máximo os alimentos e suas possibilidades. Os fundadores são Tom Herbert e seu irmão, Henry, ambos chefs famosos que apresentavam juntos um programa na TV.

Os menus são determinados pelos ingredientes disponíveis, dando preferência a fornecedores locais e à sazonalidade. Grande parte vem da FareShare, uma instituição de caridade nacional que redistribui os excedentes de alimentos. O resto vem de produtores locais.

“Não priorizamos alimentos orgânicos. O importante é garantir a alimentação. Mas, como recebemos muita coisa de produtores familiares, a preocupação com uma agricultura mais sustentável está bastante presente”, conta North.


Os pratos respeitam a sazonalidade dos ingredientes locais. Foto: Facebook | The Long Table

Economia solidária e sustentável, acima do lucro

O restaurante é apenas parte do trabalho do The Long Table. Durante a pandemia, com a ajuda das paróquias locais e da loteria nacional, o restaurante distribuiu mil refeições congeladas por semana, sendo três quartos doados gratuitamente aos mais necessitados. Hoje, as doações continuam em uma escala menor.

Com o fim do isolamento, a equipe apoia a criação de outros estabelecimentos onde as pessoas de reúnam para comer juntas. Nos cafés abertos em outros locais, o The Long Table paga os alimentos e o salário dos cozinheiros e as comunidades locais ficam com o resto do que é recebido. O modelo de pague o quanto puder também é aplicado a estes estabelecimentos que, segundo North, alimentaram cerca de 6 mil pessoas no ano passado.

O modelo de negócios pode ser replicado. Foto: Facebook | The Long Table

Todos esses resultados só são possíveis pela estrutura e modelo de negócio defendido pelos idealizadores da iniciativa. O The Long Table é uma empresa sem fins lucrativos de interesse comunitário, que se mantém com vendas, eventos, assinaturas e doações. Até o momento, não foi necessário nenhum empréstimo ou financiamento.

“Fazemos cerca de £ 500 mil por ano. No próximo ano, deverá ser cerca de £ 550 mil; e vamos gastar os cerca de £ 550 mil para manter o negócio”, diz North. As perdas em alimentos, com cerca de metade dos clientes a pagar menos do que o preço de custo, são atenuadas pelas receitas dos cafés e bares e pelo rendimento estável proporcionado pelas assinaturas.

Foto: Facebook | The Long Table

Com este modelo, o The Long Table aponta soluções possíveis para um futuro melhor. Já existem planos de replicar este plano de negócios em outros dois restaurantes.

“Estamos mostrando às pessoas da indústria alimentícia o que pode ser o futuro”, diz North. “Mas só é o futuro se você não quiser se tornar um milionário enquanto faz isso”.

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