Publicado no Terra
Neste domingo, José “Pepe” Mujica encerra seus cinco anos na
presidência do Uruguai. Um mandato marcado por reformas controversas,
incluindo a aprovação da lei da maconha; algumas dívidas, como na
educação; e muitas declarações que ecoaram em todo o mundo.
A BBC conta em 10 frases os principais marcos do mandato de Mujica,
que neste domingo passou a faixa presidencial ao ex-presidente Tabaré
Vázquez, também da Frente Ampla.
1. “Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo
com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.”
Muitas vezes ele é chamado de o “presidente mais pobre do mundo”, mas
José Mujica diz que não é pobre, que o que faz é viver como a maioria
dos uruguaios que governa.
Ele mora na mesma casa de campo há décadas, com sua mulher, Lucia
Topolansky, e sua cadela de três patas, Manuela. Presidente vive em uma
casa simples, onde pretende abrir escola de negócios agrícolas
Seu estilo simples, mas não uma vida “austera” – uma palavra que
lembra, segundo ele, os cortes sociais na Europa- despertou certa
desconfiança entre seus compatriotas no início, quando eles acreditavam
que o país passaria vergonha por ter um presidente que viaja em um carro
velho, usa sapatos alpargatas e dirige um trator.
No entanto, ele triunfou no mundo, onde sua humildade foi aplaudida.
Seus discursos na Organização das Nações Unidas e suas entrevistas para
canais de todo o mundo foram compartilhadas sem parar nas redes sociais.
Mujica também parece ter conquistado a maioria dos uruguaios, já que
deixa o governo com um índice de aprovação de 65%, de acordo com uma
pesquisa recente da empresa Equipos Mori.
2. “Não é bonito legalizar a maconha, mas pior é dar pessoas ao narcotráfico. O único vício saudável é o amor.”
Talvez uma das leis que mais tenha dado fama internacional a Mujica
foi a que colocou nas mãos do Estado a regulação estatal da produção,
venda, distribuição e consumo de maconha, aprovada em dezembro de 2013,
mesmo com a oposição da maioria dos uruguaios.
Essa lei, ainda em desenvolvimento, tem como objetivo frear o avanço
do tráfico de drogas e regular um mercado que, de acordo com Mujica,
cresce na sombra e está nas mãos de criminosos.
Foram estabelecidos limites para cultivo e venda de maconha, bem como registros de consumidores e clubes de fumadores.
A regra tornou o Uruguai o primeiro país do mundo com um regulamento tão abrangente.
3. “O casamento gay é mais velho do que o mundo. Tivemos de
Júlio César a Alexandre, o Grande. Dizem que é moderno e é mais antigo
do que todos nós. É uma realidade objetiva. Existe. E não legalizar
seria torturar as pessoas desnecessariamente”.
Em agosto de 2013, entrou em vigor a lei do casamento igualitário, o que fez o Uruguai o segundo país na América Latina, depois da Argentina, a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Em agosto de 2013, entrou em vigor a lei do casamento igualitário, o que fez o Uruguai o segundo país na América Latina, depois da Argentina, a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Embora ele tenha recebido críticas da Igreja Católica – menos
influente aqui do que em outros países da região-, a medida foi aprovada
por uma larga maioria dos legisladores da base do governo e da
oposição, gerando menos controvérsia do que outras leis de questões
sociais como o aborto ou a maconha.
4. “Legalizando e intervindo, é possível conseguir que muitas
mulheres voltem atrás em sua decisão, sobretudo aquelas de setores mais
humildes ou que estão sozinhas.”
Em 2012, o Uruguai tornou-se, juntamente com Cuba, o único país latino-americano a legalizar o aborto -não sem controvérsia.
À época, Mujica disse que a descriminalização poderia não só evitar
mortes em interrupções de gravidez feitas clandestinamente, mas também
poderia levar a uma redução no número de abortos.
“Todo mundo é contra o aborto. Mas se você dá apoio a uma mulher
sozinha que precisa tomar esta decisão, alguns pensam que muitas iriam
desistir”, disse.
5. “Somos meio vagabundos, não gostamos tanto de trabalhar.
(…) Ninguém morre por excesso de trabalho, mas não é um país corrupto,
somos um país decente.”
Com estas palavras, ele fez alguns desafetos entre os uruguaios. Suas
declarações causaram muita dor de cabeça para seus assessores.
Presidente reconhece pendências em educação, infraestrutura e outras
áreas
E, embora ele deixe o país com altos índices de aprovação, muitos
uruguaios dizem que nem tudo é tão idílico como os estrangeiros podem
ser levados a acreditar ao ler reportagens publicadas sobre o país.
Mujica reconhece que nem tudo foi feito e muitas vezes dá como
exemplo de sua lista de pendências a falta de infraestrutura, a
deterioração da educação ou o aumento da insegurança.
Muitos uruguaios também lembram que, durante seu mandato, viveram
episódios que tinham pouco a ver com o “país das maravilhas” que
aparecia na imprensa estrangeira.
Isso aconteceu, por exemplo, quando cerca de 12 mil toneladas de lixo
se acumularam nas ruas de Montevidéu em uma greve de lixeiros em abril
de 2014.
Ou com as grandes greves de professores que têm ocorrido nos últimos
anos para exigir melhores salários e condições, que geraram protestos em
escolas e faculdades.
6. “Essa velha é pior que o caolho. O caolho era mais político, ela é mais teimosa.”
O caolho a quem Mujica se referia era, no caso, o falecido presidente
da Argentina, Néstor Kirchner. A velha era sua mulher, Cristina
Fernandez Kirchner, o atual presidente.
Mujica foi flagrado falando assim da colega em 2013. Ele achava que o microfone estava desligado.
O uruguaio pediu “sinceras desculpas” por suas palavras, embora a
relação entre os dois países tenha passado por momentos mais graves do
que algumas palavras mal colocadas. Presidente passou por saia justa ao
chamar Cristina Kirchner (direita) de “velha”.
Em 2014, o governo da Argentina informou ao Uruguai que iria recorrer
à Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ), alegando que seu
vizinho violara o acordo fechado no tribunal no caso da fábrica de
celulose UPM (ex-Botnia) localizada em um rio que os dois países
compartilham.
O Uruguai e a Argentina haviam travado uma disputa na CIJ em 2006 por
causa da construção da papeleira. O conflito havia terminado em 2010
quando o tribunal permitiu a construção, recomendando a criação de uma
comissão binacional para avaliar o seu impacto ambiental.
Embora os dois países sejam importantes parceiros comerciais, houve alguns atritos na área no mandato de Mujica.
No entanto, o ex-guerrilheiro sempre defendeu a fraternidade de seu
povo com o argentino: “O Uruguai é um país meio esquizofrênico: eles
sugam o sangue dos argentinos e, depois, cospem”.
Mas o caso da “velha e do caolho” não foi a única vez que Mujica teve
problemas por causa de suas palavras. Após a punição da FIFA ao jogador
de futebol Luis Suárez por um incidente em uma partida da Copa do Mundo
no Brasil, o presidente do Uruguai lançou uma mensagem controversa às
autoridades do futebol mundial: “A FIFA é um bando de velhos filhos da
p…”.
7. “Eu acho que nós estamos sendo usados como ratinhos de
laboratório. Por que a Phillip Morris está prestando tanta atenção em um
país tão pequeno? Eu tenho certeza que eles vendem mais cigarros em
qualquer bairro de Nova York do que no Uruguai.”
José Mujica herdou de seu antecessor -e sucessor- Tabaré Vázquez uma
longa disputa com a fabricante de cigarros Philip Morris International
(PMI), que acusa o Uruguai de prejudicar o livre comércio com medidas
contra o tabaco.
As advertências contra o mal provocado pelo cigarro em 2009 chegaram a
ocupar, por lei, 80% dos pacotes -espaço maior que em qualquer outro
país. E desapareceram dos maços as palavras “light”, “mentolado” ou
“ouro”, restando apenas a marca do cigarro.
A disputa será solucionada pelo Centro Internacional para Arbitragem
de Disputas sobre Investimentos, uma agência do Banco Mundial.
O presidente do Uruguai argumenta que a Phillip Morris tenta impedir
as políticas anti-tabagismo rigorosas do Uruguai como um aviso a outros
países que cogitem implementar medidas semelhantes.
De acordo com a empresa, eles desejam somente ser ressarcidos pelos danos de US$ 25 milhões em perdas comerciais.
8. “Tive que aguentar 14 anos em cana (…) Nas noites que me
davam um colchão eu me sentia confortável, aprendi que se você não pode
ser feliz com poucas coisas você não vai ser feliz com muitas coisas. A
solidão da prisão me fez valorizar muitas coisas.”
José Mujica militou, quando jovem, no Partido Nacional (hoje um dos
seus principais opositores) e foi um dos fundadores, nos anos 60, do
Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, uma guerrilha urbana de
esquerda que praticava assaltos, sequestros e execuções.
Por isso, passou 14 anos preso, parte do tempo em um calabouço, sem
acesso a livros ou contato humano. Ele conta que falava com animais para
manter sua sanidade.
Sem dúvida, esses anos marcaram sua maneira de ver o mundo e também
algumas das suas políticas. Presidente passou 14 anos preso por sua
militância
Em 2014, o país recebeu um grupo de seis prisioneiros da base
americana de Guantánamo, em Cuba, uma medida que foi criticada pela
oposição e a qual se opõe a maioria dos uruguaios.
Sob sua liderança houve uma forte controvérsia sobre a tentativa do
partido do presidente, a Frente Ampla, de aprovar uma lei para
investigar as violações dos direitos humanos cometidas durante o último
governo militar (1973-1985).
A chamada Lei de Anistia havia sido submetida a um referendo em duas
ocasiões antes da presidência Mujica e população a rejeitou.
Mujica foi contra a anulação da lei, argumentando que seria reabrir
feridas e colocar a estabilidade do país em risco: “Eu não sou viciado
em viver olhando para trás, porque a vida é sempre o futuro e todos os
dias amanhece.”
9. “O que é que chama a atenção mundial? Que vivo com pouco,
em uma casa simples, que ando em um carrinho velho, essas são as
notícias? Então este mundo está louco, porque o normal surpreende.”
Nos últimos anos, centenas de meios de comunicação estrangeiros chegaram ao o país sulamericano intrigados com a vida de Mujica.
“Isso me preocupa muito, me preocupa como anda o mundo”, disse ele à BBC Mundo em uma entrevista em dezembro.
“Eu vivo como vive a maior parte de meu povo, na política o normal
teria que ser o meu modo de vida”, acrescenta. “Vou à Alemanha e me dão
um Mercedes Benz para andar daqui até a esquina – que tem uma porta que
pesa três mil quilos- e 50 motos na frente e 50 atrás. Não concordo com
isso”, diz ele.
“Eu acho que os governos, presidentes, devem se expressar em todo o
tom da sua vida, a sua linguagem, sua maneira de ser, seu modo de
vestir, nas relações públicas, como seu povo vive”.
10. “Sim, eu estou cansado, mas isso não para até o dia em que me coloquem em um caixão ou quando eu for um velho esquecido.”
Mujica reconhece que os cinco anos no cargo o deixaram exausto, mas não pretende se aposentar.
“Eu não vou ser um velho aposentado que vai para um canto escrever
suas memórias. Eu não vou escrever nada, não tenho tempo, tenho coisas
para fazer”.
O presidente planeja abrir uma escola de negócios agrícolas em um galpão atrás de sua casa.
“Vai começar em março, para aproveitar a terra que temos, os meios
que temos e assim me divirto com os garotos do bairro”, disse.
E, certamente, tornar-se o principal conselheiro de sua mulher, Lucia
Topolansky se, como as pesquisas sugerem, ela se tornar a nova prefeita
de Montevidéu após as eleições de maio.
Saúde, Sorte e $uce$$o: Sempre.