14 março, 2015

Alexandre Frota e a cultura do estupro via Matheus Pichonelli.

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Assisti ao vídeo da entrevista de Alexandre Frota para o programa do Rafinha Bastos, em que o dublê de dublê conta e simula, aos risos e para deleite de apresentador e da plateia, como “comeu” uma mãe de santo.
 
 Enquanto fritava a cabeça para escrever algo a respeito (é um dilema paralisante: por onde começar?), encontrei este texto da escritora Daniela Lima, ativista do Coletivo Jandira e uma das vozes mais refinadas (e certeiras) da análise social e política atual. Reproduzo abaixo, com a licença da autora: 
 
Na semana passada, Alexandre Frota descreveu em detalhes, incentivado por risos e aplausos catárticos, como estuprou uma Mãe de Santo, durante uma entrevista no programa Agora é Tarde. Rafinha Bastos queria levar a situação ao limite e incentivava que Frota repetisse que “comeu uma Mãe de Santo”. Quero falar sobre isso em 3 partes: cultura do estupro, preconceito contra religiões de matriz africana e riso.
 
(1) Cultura do estupro – os aplausos e risos catárticos durante a fala de Alexandre Frota revelam aquilo que a ideologia pretende esconder: na nossa sociedade, o estupro é naturalizado. Essa naturalização é disseminada nos processos de socialização: seja pela escolha de ensinar mulheres e não serem estupradas (num ciclo de culpabilização da vítima) e não homens a não estuprar. No constante julgamento dos corpos femininos na esfera pública, como se eles existissem para servir os homens. Ou ainda na diferença drástica entre o “não” de um homem e o “não” de uma mulher. Mulheres são menos cidadãs, já que a sua autonomia, a soberania sobre o seu próprio corpo é reduzida. E ninguém vê nenhum problema em transferir essa autonomia para o Estado, a Justiça, a polícia, outros homens. A validade do consentimento, desejo e autonomia são distintamente considerados, de acordo com o gênero. 
 
(2) Preconceito contra religiões de matriz africana – essa redução da validade do consentimento ainda se agrava, se levarmos em consideração diferenças sociais, raciais, religiosas e de orientação sexual. O fato de a mulher ser uma Mãe de Santo, explorado como motivo de riso, parecia reduzir ainda mais a sua autonomia. Troque Mãe de Santo por “freira”, por “pastora” ou “missionária” e imagine líderes religiosos, parlamentares e a sociedade exigindo que esse programa saia do ar imediatamente. Por que isso não ocorre com as religiões de matriz africana?
 
(3) Riso – o riso é quase sempre do outro. Uma forma de se colocar em condição de superioridade ao outro, que assume o lugar do risível. Baudelaire diz que quem ri revela sua miséria infinita. Eu iria um pouco mais adiante: também revela a ideologia na qual está inserido. O riso é um ato político. Risível é a precariedade daqueles que tentam reafirmar o seu poder sobre o outro e acabam revelando a própria miséria.