Era noite de 25 de fevereiro quando pousei em Buenos Aires. O plano da viagem era relativamente simples: investigar o paradeiro dos foragidos do 8 de Janeiro na Argentina e flagrar a vida impune deles por lá.
No caminho até o centro da cidade, alternei a conversa com o motorista de aplicativo com a leitura de informações que tinha do meu alvo principal: um homem de 52 anos nascido em Uberlândia, no interior de Minas Gerais, chamado Josiel Gomes de Macedo – o único foragido que eu sabia exatamente o paradeiro.
Condenado a 16 anos e meio de prisão pelo STF, ele foi um dos bolsonaristas presos em 8 de janeiro de 2023. Mas seu currículo não era só de um manifestante exaltado: ele havia incendiado uma viatura da Polícia Legislativa e comprado equipamentos militares para os golpistas.
É verdade que, pela minha pesquisa inicial, Josiel tinha algo de patético: se autodenominava "007" em postagens nas redes sociais, como se estivesse em uma missão de espionagem, e publicou um vídeo constrangedor defecando em um banheiro no Palácio da Alvorada.
Mas não tinha como achar graça lendo os detalhes explosivos da denúncia da Procuradoria-Geral da República apresentada contra Josiel, com depoimentos de policiais militares do Distrito Federal sobre sua atuação criminosa no 8 de Janeiro.
Foi essa a história que fez o Intercept Brasil ir à Argentina. Por isso, logo na minha primeira manhã por lá, fui direto ao lugar onde várias fontes garantiam que Josiel estaria. Cheguei cedo, andei pelas redondezas, entrei em lojas vizinhas. E nada. Ele não estava lá.
Aproveitei o resto do dia para seguir outras pistas sobre brasileiros foragidos, o que significou andar 21 quilômetros pelas ruas de Buenos Aires – uma cidade muito maior do que eu pensava, diga-se de passagem. Caminhei por diversos bairros. E nada.
Já era noite quando sentei exausto em um banco próximo ao Obelisco. Foi então que vi um homem com a mesma estatura de Josiel caminhando sozinho. Meu coração acelerou. Segui ele discretamente até uma praça logo atrás do monumento. Tirei fotos, fiz vídeos.
Sentei em um banco bem à sua frente para observá-lo melhor. Ele mexeu no celular, olhou ao redor e, depois de alguns minutos, levantou. Era agora ou nunca. Passei a segui-lo pelas ruas da cidade por quase uma hora, mantendo uma distância segura.
Ele andava sem pressa, aparentemente sem desconfiar de nada. Mas quando entrou em um mercado, precisei improvisar. Caminhei mais um pouco e entrei em um café para esperar. Pedi um expresso, puxei o cartão para pagar – e foi aí que deu tudo errado.
O pagamento não passou, precisei tentar outro método, e, quando finalmente consegui sair da loja, ele havia desaparecido. Além de tê-lo perdido de vista, ele provavelmente me viu. Precisava mudar algo na minha aparência. Fui direto para um barbeiro e pedi um corte diferente.
Me olhei no espelho pronto para seguir na missão, quando meu celular vibrou. Eram minhas fontes, que tinham acabado de ver o vídeo do meu suposto alvo. “Paulo, você está viajando. Esse não é ele.” As últimas duas horas do meu primeiro dia na Argentina foram pro lixo.
O segundo dia começou cedo e, desta vez, dei mais sorte. Logo de manhã, encontrei Josiel. Mas havia um detalhe inquietante: ele estava cercado de policiais federais argentinos. Do outro lado da rua onde o vi, pelo menos dez viaturas e 100 agentes estavam enfileirados.
A cena era absurda. Em menos de 48 horas em Buenos Aires, sem nenhum poder de polícia, eu havia encontrado um foragido condenado por alguns dos crimes mais graves do 8 de Janeiro – e ele estava ali, vivendo tranquilamente na capital do país vizinho, à vista da polícia.