Uma decisiva rodada de reuniões entre o Mercosul e a União Europeia aconteceu em Brasília, nesta semana, para se chegar a uma definição quanto ao acordo dos dois blocos. Diplomatas brasileiros se mostram otimistas, apesar de o episódio entre a pecuária nacional e a varejista francesa Carrefour ter ofuscado o diálogo. A expectativa é que um anúncio oficial seja feito na próxima semana, em Montevidéu, com a presença de Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Alemanha, Espanha, Portugal e boa parte das nações do Leste Europeu são a favor do acordo, ao qual a França se mostra contrária. Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone e doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP, fala sobre o que o Brasil tem a ganhar, com europeus e os vizinhos da América do Sul.
UOL: Como você avalia o andamento das conversas sobre o acordo UE-Mercosul até o momento?
Rodrigo Lima: Está muito próximo de fechar o acordo, e o texto dele é muito bom. Acordos regionais trazem preferências e, sem isso, você compete em ambientes mais complexos no comércio internacional. A Itália compra muita carne brasileira de alta qualidade e com melhor preço, por exemplo, então é muito factível que o Brasil venda mais. Somente para pecuária, estamos falando de uma cota de 99 mil toneladas a mais, além do que já exportamos. As cotas que a agricultura brasileira vai ganhar não vão fazer o agricultor francês quebrar, então é preciso estar muito atento a esse discurso de protecionismo. O acordo comercial exige concessões, ambos ganham e perdem, e o Brasil teve que ceder muito para chegar ao acordo. Por exemplo, várias cadeias do agro queriam cotas muito maiores, mas mesmo cotas menores são importantes, sim.
UOL: O que o agro tem a ganhar com o acordo selado? É possível garantir que as exportações vão aumentar? De quais produtos estaríamos falando?
Lima: Tem as proteínas animais, mas também arroz, açúcar, etanol, milho, ovo, suco de laranja... são vários produtos. A Europa compra 16% de tudo o que o agro exporta, e o mercado europeu é um cartão de visita, então o setor produtivo tem muito a ganhar.
No texto do acordo, o capítulo de comércio e de desenvolvimento sustentável se fundamenta em políticas que precisam ser cumpridas pelos países, como o Acordo de Paris. Então não é só uma relação comercial, mas cooperações, criando canais de diálogo. Por exemplo, a Europa quer proibir transgênicos, sendo que eles mesmos produzem assim por lá. Com o acordo, é possível negociar conjuntamente de maneira bilateral, garantir que a nossa produção tenha preferências.
UOL: Por ser o maior produtor da América Latina, o acordo também contribuiria para o Brasil ter mais voz ativa com os próprios vizinhos?
Lima: Com certeza. O Brasil é o maior país do bloco e, apesar de competir com algumas cadeias da Argentina e Paraguai, como carne e soja, a gente tem vários outros produtos, como o café, que é fortemente exportado para a Europa.
Do ponto de vista histórico e de acordos regionais, essa negociação começou há mais de 20 anos e sabemos que o Mercosul é um bloco super relevante, embora tenha uma carência de acordo de comércio internacional, nos moldes do que está proposto agora. Europa, China, Japão estão fazendo acordos comerciais com vários países e não podemos ficar de fora, porque, novamente, não se trata somente de vendas, mas de cooperação, diálogos, parcerias. O bloco inteiro tem a ganhar. O Brasil tem o papel central dentro do Mercosul de tornar o bloco mais pujante, mais forte, mais relevante para o mercado internacional. Além disso, temos que pensar que a EUDR (Regulamento Antidesflorestamento Europeu) vai entrar em vigor em 2026, e discutir isso entre blocos é muito melhor do que levar para o ambiente mais amplo da OMC.