José Wilker fala ao iG sobre política e religião e compara a Cidade da Música no Rio de Janeiro ao cemitério da fictícia Sucupira
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Em geral avesso a meias palavras, o ator José Wilker parou, pensou e se recusou a responder uma simples pergunta – “Qual é o nome do colégio onde você estudou?” – feita pela reportagem do iG. Com a insistência do jornalista, ele se explicou: “Prefiro não responder, para não comprometer os amigos”. Para o ator, toda essa cautela se justifica: “Posso falar que fui educado por padres pedófilos. Era tudo meio escondido, mas eu via”. Sem especificar o nome da escola, José Wilker lembra que “não entendia muito o que era aquilo”. Cearense, nascido em Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero, ele também morou no Recife quando criança. Assim, os amigos de uma e de outra cidade permanecem protegidos porque o ator não revela em que paróquia viviam aqueles padres pedófilos. Estas revelações ele faz à reportagem do iG, sentado próximo à piscina de um hotel, na capital pernambucana, onde participa do festival de cinema de Olinda.
Além da descrença com a religião, Wilker perdeu também a fé em “verdades” ditas por políticos. E, por isso mesmo, não aceita convites para ir a jantares de artistas com candidatos, tão comuns em ano eleitoral. “Fui uma vez e não irei nunca mais. É oportunismo. Aliás, por favor, quero declarar que não acredito em nenhum dos partidos políticos que existem atualmente”, diz.
A seguir, a entrevista exclusiva com o ator, que interpreta Zeca Diabo, o vilão do filme O Bem Amado , com estréia prevista para julho nos cinemas.
Há uma frase do personagem Odorico Paraguaçu, em O Bem Amado , que diz: “Ninguém vence eleição só dizendo verdades”. Concorda?
Concordo. Ninguém fala verdade em eleição. O Brasil é o país da retórica e da meia-verdade. Tem outra frase ótima no filme que é a do Odorico xingando os gregos por terem inventado a democracia.
Já é tradição, em ano de eleição, a classe artística se reunir com candidatos à Presidência. Você já foi a algum desses encontros?
Fui uma vez e não irei nunca mais. É oportunismo. Fui na primeira candidatura do Lula, em 1989, na casa de algum músico no Rio. Ouvi barbaridades sobre o que os políticos pensam em relação à cultura. Eles não conseguem passar da informação para a sabedoria. Aliás, por favor, quero declarar que não acredito em nenhum dos partidos políticos que existem atualmente.
Por quê?
São todos aglomerações e não projetos políticos. O Brasil teve um partido, o Partido Comunista, que surgiu de movimentos de massas. Se era bom ou ruim, não me interessa. O resto é clube criado por decreto. Na origem dos de agora, estão três: PTB, UDN e PSB. Só mudaram de nome. Proprietários rurais e donos de igreja se juntam a eles. Religião virou um grande negócio, vende-se pedaço do céu nas igrejas.
Você vota? Eu declaro que não quero votar. Se eu puder estar fora do Brasil na eleição, estarei. E depois eu justifico, porque é obrigatório. Não me identifico com nenhum projeto político que está aí. É tudo refrão de samba enredo. É tudo “ilariê, ilariê”.
Voltando ao assunto religião, tem acompanhado as notícias sobre padres pedófilos?
Acompanho esses casos desde os 2 anos de idade. Não é, para mim, um problema novo. É que agora virou moda na mídia. Estudei em colégios de padres até os 17 anos. Não convivi com isso sobre mim, mas tendo situações ao redor. Tive colegas que sofreram abuso. Esta política de celibato na igreja é uma das causadoras do problema. Mas veja, a pedofilia não é privilégio da igreja católica. Existe pedófilo em todas as áreas.
Qual é o nome do colégio em que você estudou?
Eu prefiro não responder para não comprometer os amigos.
Você presenciou casos de pedofilia na escola?
Presenciei, claro. Posso falar que fui educado por padres pedófilos. Era tudo meio escondido, mas eu via. Não entendia muito o que era aquilo.
Quando teve conhecimento do que acontecia ao seu redor?
Comecei a entender só no segundo ciclo de estudos, a partir do fato de algumas histórias de pessoas que vieram a meu conhecimento. Como a história de um padre que, ao ser descoberto na condição de pedófilo, foi confinado no interior da Bahia. Além de casos de garotos que, depois, se confessavam homossexuais, numa época em que isso era tratado como doença. Todos os casos eram acobertados. As famílias tinham vergonha de falar o que acontecia com seus filhos, isso não chegava ao domínio público. Sempre se deu um tratamento secreto a este assunto.
Como isso influenciou sua concepção atual sobre a religião?
Eu sou ateu. Minha experiência com a religião católica, durante meus anos de formação, me despertou a mais absoluta descrença em valores que eles transmitem, ao tentar vender ideias que, no exercício diário, eram opostas ao que pregavam. As respostas que eu obtinha não eram satisfatórias às minhas perguntas.
Em O Bem Amado , o prefeito inaugura um cemitério sem serventia. Na vida real, há casos de desperdício de dinheiro público também, como acontece no Rio, onde a caríssima Cidade da Música foi inaugurada, mas ainda está inacabada. Que tipo de avaliação permite ser feita em comparações como esta?
No caso da Cidade da Música, além de ser uma obra inacabada, aquilo lá é um ebó. Foi colocada onde, tradicionalmente, é uma encruzilhada, para se fazer despachos. Então, é o maior ebó do mundo. E pior: é um ebó caro! Uma macumba em concreto armado. Só espero que, na qualidade de despacho, funcione. Porque, como espaço para a música, não tem a menor função.
* O repórter viajou a convite da organização do Festival.
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