Há exatos 215 anos, nascia Domitila de Castro do Canto e Melo, a famosa Marquesa de Santos. Era a sétima filha do tenente-coronel João de Castro do Canto e Melo, militar de distinta família açoriana, e de Escolástica Bonifácia de Oliveira Toledo Ribas, cuja descendência ligava Domitila aos primeiros povoadores paulistas e a um irmão de Pedro Álvares Cabral.
Quadro de Domitila no Museu Paulista/USP
Apesar do seu famoso caso com o imperador d. Pedro I, sua mudança para o Rio de Janeiro e suas visitas ao interior, onde possuía diversas fazendas, a maior parte de sua existência transcorreu praticamente dentro do que conhecemos hoje como o Centro Velho, ou Antigo, da cidade de São Paulo.
Na época do nascimento de Domitila, São Paulo modorrava pacificamente no alto da Serra do Mar. A antiga vila que abrigara a “raça de gigantes”, os bandeirantes, havia se transformado em uma cidade caipira que sobrevivia em grande parte à custa dos impostos dos gêneros que transitavam pelo seu entroncamento em sentido a Rio, Santos, Minas e sul do Brasil. O dinheiro e a prosperidade que viria com o “ouro verde”, o café, estavam ainda distantes.
A cidade na época, aliás, o que era considerado a parte urbana de São Paulo, confinado entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, tinha pouco mais de cinco mil habitantes.
São Paulo, nessa ocasião, além de trilhas, travessas e becos, contava com poucas ruas mal calçadas por pedras brutas, como Direita, São Bento, Carmo, Quitanda, Cadeia, das Casinhas, Boa Vista, São Gonçalo, Pelourinho, Rosário e da Freira. O calçamento bruto acabou adestrando a mulher paulista a um andar faceiro, registrado pelos viajantes. Na verdade, o passo leve e seguro era para evitar que torcessem os delicados tornozelos nas pedras...
Foi nesse cenário que Domitila viveu até se casar, em 13 de janeiro de 1812, duas semanas após completar 15 anos, com o alferes mineiro Felício Pinto Coelho de Mendonça. Felício era membro de uma família de ricos proprietários de lavras de ouro em Vila Rica, para onde se mudou com a esposa. Domitila viveu em Minas até que o marido violento, dado a jogos e bebedeiras, começasse a espancá-la. Então retornou para a casa paterna.
Após uma malfadada tentativa de reconciliação, Felício esfaqueou Domitila na bica de Santa Luzia, próximo do local onde hoje se ergue a capela de Santa Luzia e do Menino Jesus de Praga, na Rua Tabatinguera.
Fotografia de Domitila já idosa feita por Militão Augusto de Azevedo
Dois meses Domitila passou entre a vida e a morte, sem poder sair da cama, enquanto o marido, preso, era enviado à sede de seu regimento em Santos. Dava-se aí o início da briga pela guarda dos filhos que só seria resolvida com a separação do casal em maio de 1824, já com ela como amante de d. Pedro I e morando no Rio de Janeiro.
Durante sete anos, de 1822 a 1829, viveria o maior e mais longo escândalo sexual do Brasil. Amante de d. Pedro I, este a fará Dama Camarista da Imperatriz, cargo que a colocava acima das demais damas do paço e na escala dos semanários, ou seja, ao menos uma vez por mês moraria junto com os imperadores.
D. Pedro, jovem e no auge do poder, pouco fez para esconder o caso, o que lhe dificultaria muito na Europa a busca de uma nova esposa após a morte de d. Leopoldina, em dezembro de 1826. Jornais na Europa chegariam até a culpar d. Pedro e Domitila da morte da imperatriz. O nome da Marquesa de Santos foi constante nos relatórios dos diplomatas estrangeiros no Rio de Janeiro. Sua proximidade com o imperador atraía para si desde comerciantes estrangeiros querendo a liberação de uma carga no porto até o enviado de Sua Majestade Britânica, Sir Charles Stuart, encarregado das negociações do reconhecimento da independência do Brasil com Portugal.
Após quase um ano de negociações, finalmente surgiu uma noiva, a princesa Amélia de Leuchtenberg, neta do rei da Baviera e da ex-imperatriz dos franceses, Josefina, esposa de Napoleão. Ela aceitou a proposta de d. Pedro, e assim Domitila foi substituída na cama e no coração do monarca por uma garota de 17 anos, que podia ser filha da Marquesa.
Com a perspectiva do novo casamento, d. Pedro cassou sua titulação de Dama Camarista e expulsou-a, juntamente com sua família, do Rio de Janeiro. Inicialmente pretendeu exilá-la na Europa, mas por fim permitiu que se mudasse novamente para São Paulo.
Eis novamente Domitila de volta à sua cidade natal. Como tudo deve ter parecido pequeno, feio, acanhado. No Rio de Janeiro, recebia ministros estrangeiros e suas esposas, vestia-se nas melhores modistas francesas da Rua do Ouvidor, via de perto a iluminação pública do Rio de Janeiro, que aqui só apareceria anos depois de seu retorno. Também no Rio tomara gosto pelas comédias francesas que se habituara assistir no Imperial Teatro São Pedro de Alcântara, onde atualmente se ergue o Teatro João Caetano, no centro. Aqui em São Paulo o teatro onde vira a aclamação de d. Pedro em 7 de setembro de 1822 lhe pareceria agora terrivelmente pobre.
Túmulo da Marquesa de Santos no Cemitério da Consolação, São Paulo
Mas era São Paulo que ela tinha e daqui não a podiam expulsar; parte da diversão mais rica, ela própria resolveu prover. Não existia ninguém na cidade que se atrevia a concorrer com ela nos festejos do 7 de setembro e do 11 de agosto, dia da criação dos cursos jurídicos no Brasil. Seria uma segunda mãe dos estudantes de Direito da Academia instalada no antigo convento franciscano, cuidaria dos doentes e os receberia em seus saraus, como bem provam as cartas do jovem Álvares de Azevedo para sua mãe no Rio.
De 1830 até o final de sua vida, em 1867, casaria novamente – dessa vez com o brigadeiro Tobias de Aguiar, duas vezes presidente da Província de São Paulo –, teria diversos filhos, gerenciaria seus escravos, que alugava para a realização de melhoramentos da cidade, cuidaria de suas fazendas, de seus parentes e de seu marido, chegando até a ser presa junto com ele por conta da Revolução Liberal.
Uma face de Domitila pouco estudada é a sua benemerência. Ao longo da vida, tanto no Rio de Janeiro, como, principalmente, em São Paulo, dedicou-se a diversas causas, desde ajudar financeiramente o governo durante a Guerra da Cisplatina até emprestar uma de suas fazendas para servir de abrigo aos soldados que partiam para a Guerra do Paraguai, presenteados por ela com dinheiro antes de irem para a frente. Ela também chegou a abrir enfermarias para os pobres, ajudou financeiramente a Santa Casa de Misericórdia a conseguir sua primeira sede própria e doou dinheiro para a construção da primeira capela do cemitério da Consolação, próximo da qual ainda hoje se encontra enterrada.
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