26 dezembro, 2012

Gregório de Matos - o poeta Boca do Inferno: Templo Cultural Delfos

E pois coronista sou.
Gregório de Matos
Se souberas falar também falaras
também satirizaras, se souberas,
e se foras poeta, poetaras.

Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero dar culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar,
por quem de mim não tem mágoa?
Verdades direi como água,
porque todos entendais
os ladinos, e os boçais
a Musa praguejadora.
entendei-mes agora?

Permiti, minha formosa,
que esta prosa envolta em verso
de um porta tão perverso
se consagre à vossa fé
sou já Poeta converso

Mas amo por amar, que é liberdade.




BIOGRAFIA DE GREGÓRIO DE MATOS
Gregório de Matos e Guerra (Salvador BA 1636¹ - Recife PE 1695). Poeta e magistrado. Filho de nobre português, senhor de engenho, inicia seus estudos no Colégio dos Jesuítas, em Salvador. Em 1650, parte para Coimbra, onde se forma em estudos jurídicos, no ano de 1661. Segue a carreira de magistrado e, a partir de 1672, representa a Bahia na corte portuguesa. Em 1674, propõe a criação de uma universidade na sua cidade de origem. Nesse mesmo ano perde o cargo, ao recusar o papel de inquisidor dos crimes do governador do Rio de Janeiro. Fica viúvo em 1678. Três anos depois, faz votos religiosos. Retorna ao Brasil, em 1682, como vigário-geral e tesoureiro-mor do recém-criado Arcebispado. Indispõe-se rapidamente com as autoridades religiosas, entre outras razões, por recusar-se a usar a batina.
Gregório de Matos
Passa a levar vida boêmia e desregrada, compondo versos satíricos contra as autoridades e os costumes, além de uma poesia erótica e amorosa, que lhe vale o apelido de Boca do Inferno. Denunciado ao Tribunal do Santo Ofício de Lisboa - Inquisição -, em 1685, sob a acusação de dirigir ofensas a Jesus Cristo, e de não tirar o barrete na passagem da procissão, tem seu processo anulado, provavelmente devido a influências familiares. Em 1694, para livrar-se da prisão, uma vez mais, é deportado para Angola, pelo governador da Bahia, de quem é amigo. Continua a levar uma vida tumultuada, à qual não faltam episódios mal explicados, como o envolvimento em uma rebelião de militares. Repatriado para Pernambuco, morre em 26 de novembro de 1695, em Recife, em conseqüência de febres contraídas na África. A vida de Gregório de Matos permanece envolta em lendas e mistérios dificilmente decifráveis. Algumas datas - até mesmo as do seu nascimento e morte - são contestadas, assim como determinados acontecimentos que constam de sua biografia, e lhe conferem uma aura de herói nacionalista, comprometido com causas libertárias. Mesmo em sua obra, é difícil discernir os versos de sua autoria, dos que lhe são atribuídos.

Nota
( 1 ) Por haver divergências a respeito da data de nascimento de Gregório de Matos, foi adotado a utilizada pelo pesquisador Fernando da Rocha Peres, no livro de sua autoria Gregório de Mattos e Guerra: Uma Re-visão Biográfica e em nota biográfica publicada no site da Universidade Federal da Bahia/UFBA. 

Comentário crítico
A obra atribuída a Gregório de Matos contém mais de setecentos textos. Reúne poemas líricos, satíricos, eróticos, religiosos, encomiásticos (laudatórios), entre outros, utilizando grande variedade de ritmos e de rimas. Com exceção da épica, não há gênero ou estilo poético que não tenha praticado.

Mas é na sátira que a poesia de Gregório de Matos é mais conhecida e celebrada. Utilizando-se de pitorescos jogos de palavras e de grande malabarismo verbal, realiza uma crítica irreverente aos costumes da Bahia colonial, que recebe, em seus poemas, o carinhoso tratamento de Senhora Dona Bahia. Não poupa governadores corruptos, freiras, e padres pervertidos, pois, como ele mesmo afirma em um de seus versos, "De que pode servir calar, quem cala / nunca se há de falar, o que se sente? / Sempre se há de sentir, o que se fala!".  No poema em que se despede da cidade, ao partir para o degredo em Angola, assim se refere aos brasileiros: "No Brasil a fidalguia /no bom sangue nunca está / nem no bom procedimento, / pois logo em que pode estar? / Consiste em muito dinheiro / e consiste em o guardar".

Seu estilo alia a tradição dos grandes poetas barrocos espanhóis, como Luís de Gôngora (1561 - 1627) e Francisco de Quevedo (1580 - 1645), a uma linguagem em que se misturam termos de línguas tupi e africanas, de curioso efeito cômico, como nestes versos: "Um certo Paiá de Monai bonzo bramá / Primaz da Cafraria do Pegu / Que sem ser do Pequim, por ser do Acu / Quer ser filho do sol, nascendo cá".

A produção lírica de Gregório de Matos é marcada por imagens de grande sensualidade, nas quais exalta as mulheres brancas, negras e mulatas da Bahia: "Crioula da minha vida / Supupema da minha alma / bonita como umas flores / e alegre como umas páscoas [...]". Em outros momentos, a temática sensual e amorosa transforma-se em delicada busca de emoções contrastadas: "Não sei, quando caís precipitada /As flores que regais tão parecida, /Se sois neve por rosa derretida, / Ou se a rosa por neve desfolhada".

Antonio Candido (1918) e José Aderaldo Castello consideram que a obra lírica do poeta atinge momentos da mais alta poesia - até mesmo superior à satírica - quando explora, com grande refinamento verbal, as tensões próprias do barroco: "Se és fogo, como passas brandamente, / se és neve, como queimas com porfia? / Mas ai, que andou Amor em ti prudente!". Já a poesia religiosa, revela um forte sentido do pecado, aliado a uma busca de pureza e de perdão: "Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, / Da vossa alta clemência me despido; / Porque quanto mais tenho delinqüido, /Vos tenho a perdoar mais empenhado".

Uma avaliação criteriosa de toda essa rica produção poética, no entanto, permanece sendo um desafio para críticos e estudiosos, e não cessa de gerar polêmica. Tudo o que, correta ou incorretamente, está reunido sob o seu nome é motivo de suspeita, já que, até prova em contrário, jamais foi encontrado sequer um manuscrito produzido por seu próprio punho.

Mas é na tradição oral da Bahia que os versos de Gregório de Matos ficam de fato guardados, até serem reunidos, pela primeira vez, pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto-Seguro, no livro Florilégio da Poesia Brasileira, de 1850, editado em Lisboa. Alguns anos antes, em 1841, o cônego Januário da Cunha Barbosa publica sua Biographia dos Brasileiros Distinctos por Armas, Virtudes, etc., onde transcreve A Vida do Excelente Poeta Lírico, o Doutor Gregório de Matos e Guerra, escrita, ao que tudo indica, no início do século XVIII. Já nestes primeiros trabalhos de divulgação iniciam-se as deformações de interpretação da vida e da obra do poeta.

Os equívocos permanecem ainda. Estudiosos da obra acalentam a idéia de que sua poesia possa, um dia, ser resgatada integralmente, livre das impurezas dos poemas apócrifos que lhe foram agregados. Outros pretendem esvaziá-la dos inúmeros plágios que lhe são atribuídos. Tarefas impossíveis, todas elas, pois, na época as categorias de autoria, de plágio, ou de originalidade, tal como as conhecemos hoje, ainda não estão constituídas.

Outro equívoco, apontado por João Adolfo Hansen, está no caráter transgressivo e revolucionário atribuído à obra do escritor. No século XVII, a sátira não está, de modo algum, em desacordo com a moral. A crítica retórica e poética dos costumes é feita para corrigir excessos e desvios, e obedece a regras estritas. Nelas, até mesmo a obscenidade e a maledicência estão previstas. Um autor como Gregório de Matos só pode ser lido e compreendido a partir de seu tempo, e das convenções estéticas que o produziram, embora permaneça atual o desafio crítico que sua obra propõe.
Fonte: Enciclopédia Literatura Brasileira/Itaú Cultural 



CRONOLOGIA DA VIDA E OBRA DE GREGÓRIO DE MATOS
Gregório de Matos
1636 – A data comumente aceita para o nascimento de Gregório de Mattos e Guerra é a de 23 de dezembro de 1636, mas alguns biógrafos podem apresentar a possibilidade de ter ocorrido em março de 1623. O poeta nasceu em Salvador, Bahia, e era filho de Gregório de Mattos (natural de Guimarães, Portugal) com Maria da Guerra. Os Mattos da Bahia eram uma família abastada, formada por proprietários rurais, donos de engenhos, empreiteiros e funcionários da administração da colônia.
 1642 - Estuda no Colégio dos Jesuítas.
1650 - Viaja para Portugal.
1652/1661 - Estuda Leis (Cânones) na Universidade de Coimbra.
1661 – Formatura em Direito. Nesse mesmo ano, casa-se com D. Michaela de Andrade, proveniente de uma família de magistrados.
1663 - Torna-se Juiz de Fora de Alcácer do Sal, nomeado por D. Afonso VI.
1665/1666 - É nomeado Procurador da Santa Casa da Misericórdia de Alcácer do Sal.
1668 - Indicado Representante da Bahia nas Cortes, Lisboa, em 27 de janeiro.
1671/1772 - Torna-se Juiz de Órfãos e Juiz do Cível, em Lisboa.
1674 - Ocupa o cargo de Representante da Bahia nas Cortes, Lisboa, em 20 de janeiro.
1674 - Propõe a criação da Universidade da Bahia.
1674 – Novamente representante da Bahia nas Cortes, em Lisboa. Nesse mesmo ano, é destituído da Procuradoria da Bahia e batiza uma filha natural, chamada Francisca, na Freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa.
1678 - Fica viúvo de Michaela de Andrade, com quem sabe-se que teve um filho do qual não há registros históricos.
1681 - Torna-se religioso e recebe as ordens menores eclesiásticas.
1682 – É nomeado Tesoureiro-Mor da Sé, por D. Pedro II. Como magistrado de renome, tem sentenças de sua autoria publicadas pelo jurisconsulto Emanuel Alvarez Pegas. Isto viria a acontecer novamente em 1685.
1683 – No início do ano, depois de 32 anos em Portugal, está de volta a Bahia, Brasil. Meses após seu retorno, é destituído de seus cargos eclesiásticos pelo Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus, por se recusar a usar batina e também por não acatar a imposição das Ordens maiores obrigatórias para o exercício de suas funções. É nessa época que surge o poeta satírico, o cronista dos costumes de toda a sociedade baiana. Ridiculariza impiedosamente autoridades civis e religiosas.
1685 - Sofre denúncia no Tribunal do Santo Ofício de Lisboa (Inquisição).
168(?) – Ainda na década de 1680, casa-se com Maria de Póvoas (ou “dos Povos”). Desta união, nasce um filho chamado Gonçalo.
1691 – É admitido como Irmão da Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
1692 – Paga uma dívida em dinheiro à Santa Casa de Lisboa.
1694 - É deportado para Luanda, Angola, onde se envolve em conflitos locais.
1694 – Seus poemas satíricos contra o Governador Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho faz com os filhos deste o ameacem de morte. O Governador João de Alencastro, amigo de Gregório, e outros companheiros do poeta armam uma forma de prendê-lo e enviá-lo à força para Angola, sem direito a voltar para a Bahia. Isto causa profundo desgosto a Gregório. Ainda nesse mesmo ano, envolve-se em uma conspiração de militares portugueses. Interferindo neste conflito, Gregório colabora com a prisão dos cabeças da revolta e tem como prêmio seu retorno ao Brasil.
1695 – Retorna para o Brasil e vai para o Recife, longe de seus desafetos na Bahia. Morre no dia 26 de novembro, antes de completar 59 anos, de uma febre contraída em Angola.


GREGÓRIO DE MATOS OBRAS PUBLICADAS - PRIMEIRAS EDIÇÕES
Poesia
Gregório de Matos, por F. Briguiet
Obras. Edição de Afrânio Peixoto.  6 volumes: I - Sacra; II - Lírica; III - Graciosa; IV-V - Satírica; VI - Última. - 1923-1933

"Gregório de Matos" ,  in Florilégio da poesia brasileira. 3 tomos. Organização de Francisco Adolfo de Varnhagen, tomo I - 1946

Obras Completas (Crônica do viver baiano seiscentista) 7 volumes. Organização de James Amado e Maria da Conceição Paranhos - 1968

Obra Poética. 2 volumes. Organização de James Amado. Preparação e notas de Emanuel Araújo - 1992

Gregório de Mattos. Senhora Dona Bahia: poesia satírica. Seleção, introdução, estudo crítico, notas, de Cleise Furtado Mendes - 1996.

** Na Biblioteca Municipal de São Paulo há uma cópia datilografada dos versos pornográficos de Gregório de Matos, com o título Sátiras Sotádicas de Gregório de Matos.

   

TRADUÇÕES E EDIÇÕES ESTRANGEIRAS DA OBRA DE GREGÓRIO DE MATOS
Alemão
Gregório de Matos. Ausgewähte Gedichte. Tradução de Birgit Russi. Berlim: Ela -Edition Lateinamerika, 1992.

Português
"Gregório de Matos" in Florilégio da poesia brasileira, por Francisco Adolfo Varnhagen. Lisboa: Imprensa Nacional, 1850.

Edição crítica da obra poética de de Gregório de Matos. 2 volumes, 4 tomos. Por Francisco Topa. Porto: Editora do Autor, 1999.

Frontispício de edição de 1775 dos poemas de Gregório de Matos
POEMAS ESCOLHIDOS DE GREGÓRIO DE MATOS

No fluxo e refluxo das marés encontra o Poeta incentivo para recordar seus males
Seis horas enche e outras tantas vaza
A maré pelas margens do Oceano,
E não larga a tarefa um ponto no ano,
Depois que o mar rodeia, o sol abrasa.

Desde a esfera primeira opaca, ou rasa
A Lua com impulso soberano
Engole o mar por um secreto cano,
E quando o mar vomita, o mundo arrasa.

Muda-se o tempo, e suas temperanças.
Até o céu se muda, a terra, os mares,
E tudo está sujeito a mil mudanças.

Só eu, que todo o fim de meus pesares
Eram de algum minguante as esperanças,
Nunca o minguante vi de meus azares.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


A umas saudades
Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter,
ide-vos, minhas saudades
a meu amor socorrer.

Em o mar do meu tormento
em que padecer me vejo
já que amante me desejo
navegue o meu pensamento:
meus suspiros, formai vento,
com que me façais ir ter
onde me apeteço ver;
e diga minha alma assim:
Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter.

Ide donde meu amor
apesar desta distância
não há perdido constância
nem demitido o rigor:
antes é tão superior
que a si se quer exceder,
e se não desfalecer
em tantas adversidades,
Ide-vos minhas saudades
a meu amor socorrer.
- Gregório de Matos. "Seleção de Obras Poéticas".


Pondera agora com mais atenção a formosura de D. Ângela
Não vi em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura.

Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma Mulher, que em Anjo se mentia,
De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta a cousa não é, que encarecer-me.
Saiba o mundo, e tanto exagerar-me.

Olhos meus (disse então por defender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Rompe o Poeta com a primeira impaciência querendo declarar-se e temendo perder por ousado
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Se Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Contemplando nas cousas do mundo desde o seu retiro, lhe atira com o seu ápage, como quem a nado escapou da tormenta
Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O Velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por Tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.



Queixa-se o Poeta em que o mundo vai errado e, querendo emendá-lo, o tem por empresa dificultosa
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo o mar de enganos
Ser louco cos demais, que ser sisudo.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Descreve a vida escolástica
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.



Descreve um horroroso dia de trovões
Na confusão do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava.
O fogo com o ar se embaraçava,
Da terra, e ar o ser se confundia.

Bramava o mar, o vento embravecia,
A noite em dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrível, que assombrava,
A terra se abalava, e estremecia.

Desde o alto aos côncavos rochedos,
Desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.

Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.



Embarcado já o Poeta para seu degredo, e postos os olhos na sua ingrata Pátria lhe canta desde o mar as despedidas
Adeus praia, adeus Cidade,
e agora me deverás,
Velhaca, dar eu adeus,
a quem devo ao demo dar.
Que agora, que me devas
dar-te adeus, como quem cai,
sendo que estás tão caída,
que nem Deus te quererá.
Adeus Povo, adeus Bahia,
digo, Canalha infernal,
e não falo na nobreza
tábula, em que se não dá,

(...)

E tu, Cidade, és tão vil,
que o que em ti quiser campar,
não tem mais do que meter-se
e magano, e campará.
Seja ladrão descoberto
qual águia imperial,
tenha na unha o rapante,
e na vista o perspicaz.

(...)

Vá visitar os amigos
no engenho de cada qual,
e comendo-os por um pé,
nunca tire o pé de lá.
Que os Brasileiros são bestas,
e estarão a trabalhar
toda a vida por manter
maganos de Portugal.
Como se vir homem rico,
tenha cuidado em guardar,
que aqui honram os mofinos,
e mofam dos liberais.
No Brasil a fidalguia
no bom sangue nunca está,
nem no bom procedimento,
pois logo em que pode estar?
Consiste em muito dinheiro,
e consiste em o guardar,
cada um o guarde bem,
para ter que gastar mal.
Consiste em dá-lo a maganos,
que o saibam lisonjear,
dizendo, que é descendente
da casa do Vila Real.
Se guardar o seu dinheiro,
onde quiser, casará:
os sogros não querem homens,
querem caixas de guardar.
Não coma o Genro, nem vista
que esse é genro universal;
todos o querem por genro,
genro de todos será.
Oh assolada veja eu
Cidade tão suja, e tal,
avesso de todo o mundo,
só direita sem entortar.
Terra, que não parece
neste mapa universal
com outra, ou são ruins todas,
ou ela somente é má.
- Gregório de Matos, in 'Obra poética'. (Org.) James Amado. (Prep. e notas) Emanuel Araújo. (Apres. ) Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Satírica
Aos vícios
Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.
E bem que os descantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em pletro diferente.
Já sinto que me inflama e que me inspira
Talía, que anjo é da minha guarda
Des que Apolo mandou que me assistira.
Arda Baiona, e todo o mundo arda,
Que a quem de profissão falta à verdade
Nunca a dominga das verdades tarda.
Nenhum tempo excetua a cristandade
Ao pobre pegureiro do Parnaso
Para falar em sua liberdade
A narração há de igualar ao caso,
E se talvez ao caso não iguala,
Não tenho por poeta o que é Pégaso.
De que pode servir calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente?!
Sempre se há de sentir o que se fala.
Qual homem pode haver tão paciente,
Que, vendo o triste estado da Bahia,
Não chore, não suspire e não lamente?
Isto faz a discreta fantasia:
Discorre em um e outro desconcerto,
Condena o roubo, increpa a hipocrisia.
O néscio, o ignorante, o inexperto,
Que não eleje o bom, nem mau reprova,
Por tudo passa deslumbrado e incerto.
E quando vê talvez na doce treva
Louvado o bem, e o mal vituperado,
A tudo faz focinho, e nada aprova.
Diz logo prudentaço e repousado:
- Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.
Néscio, se disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazarras
Musas, que estimo ter, quando as invoco?
Se souberas falar, também falaras,
Também satirizaras, se souberas,
E se foras poeta, poetizaras.
A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.
Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não - por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos,
e deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?
Uma só natureza nos foi dada;
Não criou Deus os naturais diversos;
Um só Adão criou, e esse de nada.
Todos somos ruins, todos perversos,
Só os distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais, outros adversos.
Quem maior a tiver, do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
Calem-se os mais, chitom, e haja saúde.
À cidade da Bahia
Triste Bahia! oh, quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado,
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh, se quisera Deus que, de repente,
Um dia amanheceras tão sizuda
Que fora de algodão o teu capote!
Por consoantes que se deram forçados.
Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa:
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser papa.
A flor baixa, se inculca por tulipa:
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa:
Para a tropa do trapo vazo a tripa:
E mais não digo; porque a Musa topa
Em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.
Conselho para quem quiser viver na Bahia,
estimado e procurado por todos.
Quem cá quiser viver, seja Gatão;
Infeste a Terra toda, e invada os mares;
Seja um Chegay, ou um Gaspar Soares;
E por si terá toda a Relação.
Sobejar-lhe-á na mesa vinho e pão,
Que a vida passará sem ter pesares;
E tenha os que lhe dou por exemplares,
Assim como os não tem Pedro de Unhão.
Quem cá se quer meter a ser sisudo,
Um Gil nunca lhe falta que o persiga;
E é mais aperreado que um cornudo.
Coma, beba, e mais furte, e tenha amiga;
Porque o nome de El Rei dá para tudo
A todos que El Rei trazem na barriga.
- Gregório de Matos “Obras”, vol. V – “Satírica”. Edição de Afrânio Peixoto - 1923-1933.


Lírica
A uma dama
Dama cruel, quem quer que vós sejais,
Que não quero por hora descobrir-vos,
Dai-me licença agora para argüir-vos,
Pois para amar-vos sempre ma negais:
Por que razão de ingrata vos prezais,
Não me pagando o zelo de servir-vos?
Sem dúvida deveis de persuadir-vos,
Que a ingratidão aformoseia mais.
Não há cousa mais feia na verdade:
Se a ingratidão aos nobres envilece,
Que beleza fará, o que é fealdade?
Depois, que sois ingrata me parece,
Que hoje é torpeza o que era então beldade,
Que é flor a ingratidão que em flor fenece.
Namorado, o poeta fala com um arroio
Como corres, arroio fugitivo?
Adverte, pára, pois precipitado
Corres soberbo, como o meu cuidado,
Que sempre a despenhar se corre altivo.
Torna atrás, considera discursivo,
Que esse curso, que levas apressado,
No caminho que empreendes despenhado
Te deixa morto, e me retrata vivo.
Percorre, não pares, pois o intento,
Que teu desejo conseguir procura,
Logra o ditoso fim do pensamento.
Triste de um pensamento sem ventura,
Que tendo venturoso o nascimento,
Não acha assim ditosa a sepultura.
Efeitos contrários do amor
Ó que cansado trago o sofrimento
Ó que injusta pensão da humana vida,
Que dando-me o tormento sem medida,
Me encurta o desafogo de um contento!
Nasceu para oficina do tormento
Minha alma, a seus desgostos tão unida,
Que por manter-se em posse de afligida
Me concede os pesares de alimento.
Em mim não são as lágrimas bastantes
Contra incêndios, que ardentes me maltratam,
Nem estes contra aqueles são possantes:
Contrários contra mim em paz se tratam,
E estão em ódio meu tão conspirantes,
Que só por me matarem não se matam.
- Gregório de Matos “Obras”, vol. II - “Lírica”. Edição de Afrânio Peixoto - 1923-1933.


FORTUNA CRÍTICA DE GREGÓRIO DE MATOS
(Bibliografia sobre Gregório de Matos)
Gregório de Matos, por J. Bosco
ALVES, Jose Edil de Lima. Um Soneto de Gregório de Matos - Exercício de Análise Textual. Textura (Canoas), Canoas - RS, v. 1, p. 59-66, 1999.
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Xilogravura de Gregório de Matos por Érick Lima
SELEÇÃO DE OBRA POÉTICA DE GREGÓRIO DE MATOS ONLINE
MATOS, Gregório de. ‘Crônica do Viver BaianoSeiscentista’, in “MATOS, Gregório de. Obra  Poética”. 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Record, 1992. 


REFERÊNCIAS E FONTES DE PESQUISA


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De: Elfi Kürten Fenske <elfifenske@gmail.com>
Assunto: Templo Cultural Delfos
Para:
sulinha3@yahoo.com.br
 
Sabedoria, Saúde e $uce$$o: Sempre.
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