Em 2003, a SARS. No início de 2020, o Coronavírus, que atingiu, até o momento, 116 países. Ambos têm origem nos wet markets, os mercados a céu aberto que disseminaram vírus na China e, posteriormente, pelo mundo..
Os wet markets, como o nome sugere, são “mercados úmidos”, que vendem carnes frescas e animais amontoados em gaiolas que são abatidos na hora e outros produtos perecíveis.
Este tipo de mercado é comum no mundo todo, mas na China são particularmente famosos por venderem carnes de uma ampla variedade de animais, inclusive de animais selvagens e em risco de extinção.
Em um menu do mercado de Wuhan, onde o Coronavírus surgiu, você encontra carne de animais do mundo inteiro para consumo humano: cobra, urso, veado, rinoceronte, pangolim, camelo, tartaruga, cachorro, e muitos outros mais. Cada um deles tem o potencial de carregar seu próprio vírus para o mercado.
Menu de carnes em um wet makert, na China
Devido às condições de higiene do local e pela amplitude do comércio de carnes de animais selvagens, os cientistas não estão surpresos de que ali seja o ponto de partida de surtos de vírus como o Covid-19.
Filmagens do local mostram animais em péssimas condições, sangues e fezes espalhados pelo mercado. Nessas condições, é fácil que uma doença seja repassada de um hospedeiro a outro.
Muitos dos vírus letais são transmitidos por animais selvagens. O Influenza veio de galinhas e porcos. O HIV de chimpanzés. O Ebola de morcegos. E o Coronavírus, foi transmitido de um morcego para um pangolim e para um humano.
Enquanto é comum que um vírus seja transmitido entre espécies, é raro que ele faça tal jornada até um humano, já que é preciso que cada um desses hospedeiros tenham contato entre si.
Se um animal infectado é consumido por um humano, essa pessoa tem o potencial de ser infectada. E assim por diante. A receita para um surto está feita.
É preciso olhar para a história da China para entender como tais epidemias que ali surgiram são reflexo de decisões que o governo chinês fez ao longo dos anos.
Em 1970, quando o país atravessava uma crise intensa, a fome matou mais de 36 milhões de chineses. O regime comunista da época controlava toda a produção de alimentos, e estava falhando em administrá-los para mais de 900 milhões de habitantes.
Na beira de um colapso, em 1978, o regime permitiu que as pessoas tivessem suas próprias fazendas. Enquanto companhias dominavam cada vez mais a produção de alimentos populares, como a carne de porcos e aves, produtores menores capturavam animais selvagens como meio de produção (cobras, morcegos e tartarugas).
A partir do momento que tal produção começou a gerar sustento, a prática passou a ser apoiada pelo governo, que incentivava os produtores a realizarem quaisquer fossem suas atividades de produção que os tirassem da pobreza.
Em 1988, o governo chinês promulgou uma lei de Proteção da Vida Selvagem designando os animais selvagens como “recursos pertencentes ao Estado”, que protegia os produtores a utilizarem a vida selvagem como recurso natural.
“Este é o problema mais devastador da lei, porque se você designa a vida selvagem como ‘recursos naturais’, isso significa que algo pode ser usado para o benefício humano”, diz Peter Li, professor da Universidade de Houston-Downton.
A lei também encorajava a domesticação e criação de animais selvagens. E uma indústria foi criada em cima disso. Os antigos pequenos produtores agora levaram seu negócio para uma dimensão industrial.
Como, por exemplo, uma fazenda de ursos, que cria mais de 1.000 de animais para consumo humano.
Aqui, começa o risco: quanto maior a concentração de animais e maior variedade de espécies, mais chances de um animal doente disseminar algum tipo de vírus.
Esses animais começaram a ser vendidos nos wet markets com a intenção de gerar lucro para o país. O mercado também abriu portas para uma indústria de vida selvagem ilegal: rinocerontes, tigres e pangolins começaram a ser traficados para a China.
Quando este tipo de mercado estava no auge, em 2000, surgiu a SARS em um wet market localizado no sul da China. Traços do vírus foram encontrados em Civetas, um mamífero pequeno nativo da Ásia e da África.
Os oficiais chineses rapidamente fecharam tais mercados e baniram o comércio de vida selvagem. No entanto, meses depois que a epidemia passou, o governo chinês legalizou novamente a prática com 54 espécies de vida selvagem, incluindo Civetas.
Não foi à toa que o governo se manteve acima da saúde pública: em 2004, a indústria de animais selvagens gerou cerca de $100 bilhões de yuan. Por isso, os wet markets foram cada vez mais estimulados pelo governo chinês.
Em 2016, foi sancionado, inclusive, o cultivo de espécies em risco de extinção, como tigres e pangolins – este último, o hospedeiro do Covid-19.
Em 2018, tal indústria rendeu mais de $148 bilhões de yuan e desenvolveu táticas de manter o comércio ativo.
“A indústria tem promovido estes animais selvagens como produtos tônicos, suplementos para musculação, estimulante sexual e remédios”. E são muito populares na China, como explica Peter Li.
O professor ainda diz que o governo escolheu favorecer uma pequena parcela de pessoas, em vez de adotar políticas conscientes que levem em consideração o restante da população do país, que conta 1,3 bilhão de habitantes.
“A maioria dos chineses não consome carne de animais selvagens. Os que consomem são os ricos e poderosos. Uma pequena minoria”, diz Li.
Após o surto do Coronavírus, o governo chinês fechou milhares de wet markets pelo país e baniu, temporariamente, o comércio de vida selvagem novamente.
Com todo esse plano de fundo sobre as epidemias, organizações do mundo todo começaram a insistir que a China acabe com tal comércio permanentemente. Chineses, inclusive, criaram petições pedindo que ele seja banido.
Em resposta, o país está modificando a Lei de Proteção de Vida Selvagem, que deu início a todo esse comércio irresponsável tanto em questão de saúde pública quanto em relação ao meio ambiente.
Se o governo não aplicar sérias mudanças neste comércio, vírus como a SARS ou o Covid-19 podem surgir novamente.
As informações do texto foram retiradas do vídeo da VOX, que você pode assistir no player abaixo, apenas com legendas em inglês. Já adianto que algumas filmagens apresentadas exigem estômago forte.
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