Na região central de São Paulo, um grupo se reúne quinzenalmente para dar apoio a mães de pessoas LGBTQ. Criado pela igreja evangélica Cidade de Refúgio —conhecida por acolher cristãos rejeitados por outras igrejas— e batizado de Projeto Déboras, fornece acolhimento e promove a troca de experiências entre as participantes, com o auxílio de membros da igreja e de um psicólogo voluntário.
Retratada nos capítulos 4 e 5 do Livro de Juízes, na Bíblia, Débora é a única juíza mulher dos judeus, tendo liderado o seu povo contra o domínio de Canaã, no século 12I a. C. É considerada uma espécie de mãe dos hebreus. Já as Déboras do projeto Paulistano são mães que sofrem o preconceito contra os LGBTQs juntamente com os filhos que pertencem a esses grupos. “A ideia surgiu quando atendi uma mãe que estava em depressão porque todas as pessoas com quem convivia se afastaram quando descobriram que o filho dela era gay”, diz Cristina Vieira Pantosi, 37, a pastora Tina, coordenadora do trabalho, que ela chama de “roda de conversa”. “Os problemas entre pais e filhos no universo LGBTQ podem ser iguais ou maiores, isso vai depender dos alicerces dessa família. Quanto mais envolvidos no seio da religião, mais severos são os conflitos”, afirma a pastora Lanna Holder, presidente da Cidade de Refúgio e casada com uma pastora da mesma comunidade. Para ela, trabalhar com o conflito de gerações é função da igreja, com respaldo teológico: “A igreja inicia o processo de surgimento com o profeta João Batista, que, preparando o caminho para o Cristo de Deus, promove o aterramento de vales e o nivelamento de montes. Ou seja, ele aplaina o caminho, transpondo o abismo entre gerações”. A profecia e a filha lésbica A cuidadora Bia Mendes, 58, era membro da Igreja Metodista Wesleyana quando a filha, Paloma Mendes, 22, começou a tocar baixo e bateria no grupo de música. “Quando ela nasceu, recebi uma profecia de que eu deveria cuidar dela, pois seria uma levita. Ouvi da parte do Senhor: cuida para que ela me adore”, conta. Levitas são, para os evangélicos, pessoas que se dedicam, na igreja, às atividades artísticas de adoração, como música e dança. “Eu só estranhava que, aos 17 anos, ela não se sentisse atraída por nenhum menino”, diz Bia. Em um retiro da igreja, Paloma enfim se encantou por alguém: uma menina. “De início, foi um choque para mim. Eu só chorava. Sempre fomos muito amigas, mas passamos um curto período só dando bom dia e boa noite.” Pouco a pouco, Paloma passou a não ser convidada para nenhuma atividade da igreja e o talento de “levita” foi deixado de lado. Bia, que tentou por nove anos até engravidar da filha, decidiu encarar o problema. “Eu conversava com o meu marido. Falávamos que não era possível que Deus nos tivesse dado uma filha para que a abandonássemos. Ela havia sido feita assim pelo Senhor, ela é perfeita do jeito que é”, diz a cuidadora. “Decidimos ficar do lado dela até o fim.” Passado um tempo, a família conheceu a igreja Cidade de Refúgio, onde Paloma pôde voltar a exercer os dotes de baixista e baterista, e Bia passou a frequentar o Projeto Déboras. “Eu acredito que, depois do amor de Deus, vem o amor de mãe. Sofremos muito, sofremos o preconceito junto com os filhos, encaramos os mesmos olhares de reprovação, mas eu decidi não fugir da minha missão.” Dois filhos gays e a aceitação Nas rodas de conversa do Projeto Déboras, não são compartilhadas apenas histórias de preconceito, mas também de dúvidas e inseguranças comuns às mães de LGBTQs, principalmente em relação à violência. “Quando algum filho meu demora um pouco além do previsto para voltar pra casa, já ligo ou mando mensagem”, conta a cozinheira Cristina Aparecida da Silva, 43, mãe de Murillo, 24, DJ do grupo de rap Quebrada Queer, Mariana, 22, e Matheus, 18. Cristina criou os três sozinha e diz que sempre teve excelente diálogo com os filhos. “Descobri que o Murillo e o Matheus eram gays praticamente na mesma época. Comecei a desconfiar da sexualidade do meu filho mais velho na adolescência por causa de algumas atitudes dele, mas sempre respeitei e esperei ele vir me contar.” Aos 19 anos, Murillo ligou para a mãe, no horário de almoço de ambos, e disse que precisava desabafar sobre algo que não estava conseguindo falar: ele era gay. Passado um tempo, chegou a vez de Matheus. Foi durante um momento depressivo da vida que Cristina se converteu, em um culto da igreja Cidade de Refúgio na cidade onde mora, Itapecerica da Serra. “Fico pensando se me converteria em uma igreja que recrimina a orientação sexual dos meus filhos. Acho que não. Essa não é a visão do amor de Deus que nós temos, que é um amor infinito.” Meu filho está feliz. O que mais importa? O apoio mútuo entre mães é o principal objetivo do Projeto Déboras. “A gente se diverte muito nas reuniões, precisa ver”, diz a aposentada Antônia Mattos, 67, que se aproximou da Cidade de Refúgio por intermédio do filho, o designer de interiores Bruno Mattos, 37. Em 2015, Bruno descobriu um câncer no céu da boca e foi submetido a sete meses de quimioterapia. Decidiu voltar à igreja que havia conhecido, mas da qual se afastou. O apoio da fé seria essencial durante o duro tratamento. “Foi observando a minha mudança de comportamento que a minha mãe se interessou em ir [à igreja] também”, diz Bruno. Recuperado do câncer, hoje o designer conclui a segunda graduação, em arquitetura, na Belas Artes. Lá, também ajuda na coordenação de uma “célula”, grupo que realiza cultos semanais dentro da faculdade, com evangélicos de outras instituições. Antônia diz que já sofreu preconceito de pessoas de outras denominações evangélicas por pertencer a uma igreja inclusiva para a população LGBTQ. “Mas eu não ligo para essas coisas. Eu estou feliz, meu filho está feliz. O que mais importa?” |
* Grupo dá apoio a mães evangélicas de LGBTQs em São Paulo
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