Imagem: Reprodução / Panoramio |
Nunca ficou pronta, e parece em ruínas. Há tanto tempo abandonada, que do fosso sobe uma árvore adulta. E muita coisa aconteceu no Brasil desde que o projeto começou.
O início foi ainda no regime militar. Veio o movimento Diretas Já, a morte de Tancredo Neves, o vice, José Sarney, virou presidente - e começaram as obras. Vieram as primeiras eleições diretas - e Fernando Collor parou as obras por falta de verbas. Veio o governo Itamar Franco.
Depois, Fernando Henrique Cardoso privatizou o setor elétrico, e com ele a usina. O primeiro operário presidente, Lula. A primeira mulher presidente, Dilma. E as obras da usina de Jacuí 1, a 60 quilômetros de Porto Alegre, nunca foram terminadas.
Nos depósitos mostrados em vídeo, estão os equipamentos, importados da Alemanha em 1987 pelo equivalente hoje a R$ 500 milhões.
Uma usina completa, com capacidade para abastecer toda a região metropolitana de Porto Alegre, empacotada dentro de galpões há 25 anos.
Instalada, poderia gerar 360 megawatts/hora de energia. Geradores de vapor, turbinas e painéis de controle nunca registram um kilowatt sequer.
A manutenção é feita pela antiga dona, a empresa Tractebel, que comprou a usina em obras na privatização da estatal Eletrosul. A Tractebel afirma que depois vendeu a usina, mas não recebeu o pagamento. O caso está na justiça.
Segundo a Tractebel, os equipamentos são a garantia da dívida. Mas mesmo em bom estado, a possibilidade de que um dia gerem energia são cada vez menores.
Meio bilhão de reais que podem virar ferro velho, se a termoelétrica não for concluída.
“Na verdade, ela seria sucateada. Seria quase vendida a peso de ferro e dos outros metais que existem no lugar”, disse o procurador dos proprietários da usina, Marco Antônio de Costa Souza.
Na época, parecia o plano perfeito pra se aproveitar uma riqueza abundante da região, que está toda sobre um lençol de carvão mineral, a menos de 15 metros de profundidade. Mas o que levou Jacuí 1 às ruínas não foi o fato de que o carvão se tornou o inimigo número um do aquecimento global. Foi uma sequência de compras e vendas mal sucedidas.
Investidores que compraram, mas não pagaram a usina, acabaram presos por falsificar documentos para pegar empréstimo no exterior. Depois, a usina foi parar na mão de uma empresa de previdência privada americana, que faliu.
“Dificilmente se iniciaria um projeto como esse hoje. Mas, no estágio em que se encontra, eu acho um desperdício imenso não se terminar essa obra. Nós temos 70% das obras civis prontas. A usina está praticamente toda aqui estocada”, explica o procurado. Marco Antonio Costa Souza.
O administrador da massa falida acrescenta que, com um investimento de mais meio bilhão, a usina poderia gerar energia.
Fantástico: Existe chance da usina sair?
“Muito pequena de que essa usina fique pronta, porque são praticamente 22 anos de espera”, disse o prefeito de Charqueadas, Davi Gilmar de Abreu Souza
Durante décadas a região se mobilizou para que a usina fosse terminada. Agora, a prefeitura tem outros planos. Desapropriou boa parte do terreno para fazer um polo industrial.
Sobre o dinheiro público enterrado no lugar, ele afirma: “A gente não sabe em quanto que está essa conta. E é dinheiro público. Isso dói. É dinheiro do contribuinte, do cidadão brasileiro que foi investido nesse projeto de Jacuí 1 que não saiu de onde está”.
Parques eólicos estão com hélices paradas no Nordeste
A 2,6 mil quilômetros, no sertão da Bahia, há outro exemplo de desperdício. No lugar, o recurso abundante é o vento. Basta ver as árvores, que crescem curvadas. E, nas serras da região de Caetité, torres com turbinas eólicas, que poderiam gerar energia limpa e barata, brotam às centenas sobre a caatinga.
O Nordeste já tem instalados e prontos para funcionar parques com capacidade para abastecer uma cidade do tamanho de Brasília. Mas as hélices estão paradas. E não por falta de vento.
Os parques ficaram prontos em julho, bem a tempo de ajudar o Brasil a enfrentar o período das secas, quando os reservatórios das hidrelétricas ficam mais baixos. Só que até agora nem um kilowatt produzido no lugar entrou na rede. Simplesmente porque as linhas de transmissão, que deveriam entregar a energia de lá até o sistema, não foram construídas.
Várias empresas privadas investiram R$ 1,2 bilhão nos parques eólicos.
“Enquanto isso não é escoado, os parques têm que ficar parados. Tem uma manutenção especial, custosa, pra poder manter a máquina que foi feita pra girar, ela ficar parada”, disse o diretor presidente da Renova Energia, Mathias Becker.
Por contrato, como terminaram a construção no prazo, as empresas estão recebendo do governo pela energia que poderiam gerar R$ 33,6 milhões por mês. De julho a outubro, foram R$ 134,4 milhões. E, segundo a Aneel, deve passar dos R$ 440 milhões até setembro, quando as primeiras linhas deverão ficar prontas. Esse dinheiro sai da sua conta de luz.
Cabos enrolados no local indicam literalmente um fim de linha. Toda a energia produzida pelos parques eólicos da região já poderia chegar até o lugar. Bastaria os cabos cruzarem a estrada pra chegar a uma subestação que deveria ter sido construída em um terreno onde o mato ainda está crescendo. Do ponto mostrado em vídeo até a linha principal pra se conectar ao sistema nacional, são 120 quilômetros. Só que as obras ainda nem começaram.
A responsável pela linha é a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). O diretor de engenharia da empresa diz que a culpa é da demora nos licenciamentos ambiental e do patrimônio histórico. Mas a Aneel entendeu que a Chesf geriu mal os prazos, e multou a empresa em R$ 12 milhões - o que dá menos de 10% do prejuízo acumulado até agora.
A Aneel informa que vai cobrar esse dinheiro da Chesf.
Fantástico: A Chesf é também uma empresa pública?
“A Chesf é uma empresa de economia mista”, disse o diretor de Engenharia e Construção da Chesf, José Aílton de Lima.
Fantástico:Com maioria controladora do poder público. O contribuinte brasileiro. Se a Aneel ou a Chesf pagarem o prejuízo, de qualquer maneira o prejuízo sai do consumidor.
“De Todo jeito.Se fosse privada também. Quem paga a conta é sempre o consumidor de qualquer jeito. No momento em que a energia não tiver lá, não tiver saindo da usina, o consumidor vai estar pagando”, disse o diretor.
Especialistas apontam as linhas de transmissão como o ponto crítico do sistema elétrico brasileiro hoje.
“Quando hoje nós observamos alguns apagões aqui e ali, isso quer dizer subinvestimento nas redes, subinvestimento na rede de transmissão. Não adianta você ter geração e ter distribuição se você não tem aquele meio que é a transmissão de energia”, explica o especialista em infraestrutura Cláudio Frischtak.
No Brasil inteiro, 58 linhas de transmissão estão com as obras atrasadas em pelo menos quatro meses; 21 são de responsabilidade da Chesf. Em outras cinco a Chesf faz parte do grupo construtor.
Repórter: A empresa não tentou dar um passo maior que a perna? Ou pegar muitas concorrências, muitos leilões sem conseguir entregar as obras?
Diretor: A empresa que não tentar dar um passo maior que a perna não é uma empresa, é outra coisa. Toda empresa que se preza dá um passo maior que a perna. E nós vamos continuar dando passo maior do que a perna. Isso pra mim não é problema.
Neste momento, o Brasil não pode desprezar energia. Está usando todas as usinas térmicas, por causa dos reservatórios baixos nas hidrelétricas.
Sobre o risco de apagão que o Brasil corre, Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, afirma: “Depende de que horizonte você está olhando. Se você olhar a realidade hoje, não. Hoje não estamos correndo esse risco de maneira dramática como corremos por exemplo em 2008. Mas se olharmos pra frente, supondo que o Brasil volte a crescer a taxas que todos desejamos, então nós temos que olhar pros problemas que estão acontecendo como indicadores de que há um risco, sim”, disse o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales.
“No momento eu diria que a gente não corre o risco de falta de energia. O risco que a gente corre é dessa energia ser progressivamente muito cara”, diz o ex-presidente da Eletrobrás, José Luiz Alquéres.
Outra energia indispensável é combustível. A frota de veículos mais do que dobrou em dez anos. Somos autosuficientes em petróleo, mas precisamos importar cada vez mais gasolina, por falta de refinarias.
Um imenso complexo petroquímico, na região metropolitana do Recife, a Refinaria do Nordeste, A Abreu e Lima, deveria resolver parte do problema. Só podemos mostrar imagens de helicóptero, porque a Petrobras não permitiu o acesso ao canteiro de obras, alegando falta de segurança. Pelo projeto inicial, ela já deveria estar funcionando.
Só que as obras estão com dois anos atraso. E com essa demora, os custos também se multiplicaram. Em 2005, quando foi aprovado o orçamento para a construção, era de R$ 4,7 bilhões. Em agosto do ano passado, ele foi revisto pela Petrobras para 41,2 bilhões. Um aumento de mais de oito vezes e meia.
Numa cerimônia no ano passado, a presidente da Petrobrás disse que o caso da refinaria deveria ser estudado e nunca mais repetido.
“As razões são muitas. Erros de planejamento, erros de projeto, entrega de equipamento atrasado. Então, tudo isso está colaborando pro preço duplicar, triplicar, multiplicar por 20”, disse o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires.
Mas a Petrobras diz que houve muitas mudanças no projeto, e não dá para usar o preço inicial como referência.
“É uma referência a um projeto muito diferente do projeto que esta sendo implementado”, diz o gerente-executivo de engenharia e abastecimento, Mauricio Guedes.
Segundo a Petrobras, a refinaria terá capacidade para produzir também outros combustíveis com nova tecnologia ambiental.
Então, um projeto diferente, sendo implantado num cenário diferente, num contexto diferente.
Mas o relatório Fiscobrás, editado pelo Tribunal de Contas da União, aponta irregularidades.
A terraplenagem teria sido superfaturada em R$ 90 milhões. Outros cinco contratos têm sobrepreço, ou seja, serão pagos preços muito acima do mercado.
Segundo o TCU, nesses cinco contratos o prejuízo para os brasileiros, todos sócios da Petrobras, chega a R$ 1,380 bilhão. A Petrobras não acatou a recomendação de paralisar as obras e refazer os contratos.
“Paulatinamente, nós temos esclarecido todas as irregularidades ou supostas irregularidades apontadas pelo TCU. E até hoje não existe julgamento sobre nenhuma irregularidade que tenha, em definitivo, sido constatada como tal pelo TCU. Até hoje conseguimos esclarecer a maior parte delas. Tem uma pequena parte que a gente ainda precisa esclarecer. E essa discussão continua”, disse gerente-executivo de engenharia e abastecimento, Mauricio Guedes.
Para especialistas no setor do petróleo, as causas do aumento de custos são muitas.
Abreu e Lima começou errada desde o momento que foi escolher o sócio que foi a PDVSA da Venezuela.
Até hoje a PDVSA não colocou um tostão na obra. No Rio de Janeiro, a Petrobras constrói outro complexo petroquímico, o COMPERJ - também atrasado, e também com indício de sobreço apontado pelo TCU. O contrato de implantação de uma tubovia está R$ 163 milhões acima do preço de mercado.
Um exemplo de falha de planejamento ocupa um grande espaço no porto do Rio. São 13 equipamentos - todos muito grandes e muito pesados para passar nas estradas existentes.
Estão no pátio há um ano e meio, porque não tem como ser transportados até o complexo petroquímico.
Precisam atravessar a Baía de Guanabara, chegar à Praia da Beira, em São Gonçalo.
Mas no lugar não há sinal de obras para construir o píer onde os equipamentos serão desembarcados.
Para ser levados por uma estrada especial - que ainda não existe - até a obra do Comperj.
A Petrobras não informa quanto está pagando pelo espaço ocupado no porto. Mas o Fantástico apurou que esse valor está na casa dos milhões de reais.
A poucos quilômetros de Caetité, no sertão da Bahia, bem perto das usinas eólicas paradas que mostramos no início desta reportagem, mais uma noite chega escura para Dona Luiza.
“Eu sento aqui na calçada de noite no escuro sozinha, só mais Deus, olhando. A gente já acostumou. Tudo no escurinho. Tem vez que a tem lamparina. Tem vez que não tem. Não tem nem pra comprar o óleo para colocar nela. Fazer o que? Não tem novela, porque não tem energia”, conta a agricultora Dona Luiza.
A eletricidade ainda não chegou a mais de um milhão de lares no brasil. A agricultora não tem o dinheiro para puxar os fios, a 500 metros de casa.
Ela conta o que vai querer colocar em casa, quando tiver energia: “só uma geladeira pra guardar as comidinhas. Às vezes, sobra um pouquinho que tem que botar na geladeira. Por que a gente não tem a geladeira, sobrou tem que jogar fora”.
À luz da lamparina, ela sonha. “Tem que sonhar mesmo. Sonhar sempre. Um dia vai chegar. Fé em Deus”, diz a agricultora.
Fantástico
--
Sabedoria, Saúde e $uce$$o: Sempre.
http://br.groups.yahoo.com/group/Cidad3_ImprensaLivre/
http://br.groups.yahoo.com/group/Cidad3_ImprensaLivre/