Foto: Eduardo Tavarez
“Cadê
aquele gauchinho que andou comigo e me deu um toque?”, perguntou o
jovem piloto de 22 anos ao descer do seu kart em Tarumã, no kartódromo
internacional de Viamão. Ele procurava o porto-alegrense Neco Fornari,
grande surpresa do Panamericano de Kart naquele ano, a ponto de impedir
que o paulista passeasse rumo ao título internacional. O ano era 1982 e
muito em breve todos os brasileiros passariam a se acostumar com o nome
daquele jovem: Ayrton Senna da Silva.
Três
dias antes, uma quinta-feira dia 9 de dezembro, Senna desembarcou em um
voo da Varig no Aeroporto Salgado Filho. O piloto já era considerado
uma grande promessa do Brasil, tendo vencido de forma arrebatadora os
campeonatos ingleses de Fórmula Ford e Fórmula 2000, onde recebeu o
apelido de “Silvastone”, pelas vitórias no autódromo britânico de
Silverstone. A passagem em solo gaúcho era a última oportunidade de
buscar um troféu internacional no kart antes de embarcar de cabeça na
Fórmula 3, caminho para a Fórmula 1.
Foto: Eduardo Tavarez
O
convite para vir ao Rio Grande do Sul foi feito por um dos
organizadores do campeonato, Delmar da Rosa, que recebeu Ayrton no
terminal junto com Achille Parilla, fundador da DAP, equipe e fabricante
italiana de motores e chassis para kart. “Eles montaram uma grande
estrutura para fornecer chassis, motores e pneus reserva ao Senna. Era
algo que ainda não se tinha visto em Tarumã”, lembra Fornari.
O
cartão de visitas para justificar tamanho investimento veio logo nos
primeiros treinos daquela quinta-feira. “Ele chegou aqui, botou o kart
na pista e bateu o recorde de primeira, virando 35s03. Antes o tempo de
volta era 37s”, destaca Fornari. Enquanto alguns pilotos ficaram
impressionados, outros buscavam um jeito de se aproximar da jovem
promessa. “Demoraram para chegar no ‘temporal’ que Senna marcou, mas eu
nunca me esqueço do que aconteceu: na última hora, o Neco foi para a
pista enquanto o Ayrton olhava da carroceria do caminhão, com o
cronômetro na mão, e viu o gaúcho derrubar o tempo, com 34s”, revela
Delmar. “No mesmo instante, enquanto os mecânicos já se preparavam para
guardar as coisas, o Ayrton mandou baixar tudo na pista e foi lá dar a
resposta. Mais um recorde”, relembra.
Foto: Eduardo Tavarez
Depois
da batalha no primeiro dia de treinos, Ayrton voltaria para o Hotel
Continental, em frente à Rodoviária de Porto Alegre, onde estava
hospedado, para manter a rotina obstinada de um atleta. “Só tomava água
mineral. Ia dormir às 19h30min e acordava também às 7h30min”, garante Da
Rosa. Nada, no entanto, que o impedisse de aceitar o convite do
concorrente Waldir Buneder para um churrasco. “Ele aceitou meu convite e
deu de presente um jogo de pneus Bridgestone que ainda guardo na minha
casa”, recorda Buneder. Na cobertura do piloto gaúcho, no bairro
Mont’Serrat, um ainda pouco conhecido Ayrton não deixou de experimentar
a carne, mas recusou cerveja e refrigerante, mantendo-se só na água
mineral.
Buneder
lembra que, apesar do ambiente descontraído dos convidados, o assunto
continuou sendo automobilismo, mais precisamente os diversos aspectos
técnicos de carros e karts. “Aprendi muito e ele me comentou naquela
janta, que além de tentar ser o melhor, tratava sempre de ir atrás dos
melhores pacotes técnicos. Sempre para buscar vitórias, nada de ‘bons
resultados’”, destaca o anfitrião, que no futuro seria campeão
brasileiro em diversas modalidades do automobilismo. “Também reparei que
ele ficava com o time até ninguém ter mais dúvida alguma e tratava
todos que estavam trabalhando ali como uma família”, acrescenta.
Na
sexta-feira e no sábado vieram mais treinos e as tomadas
classificatórias para a corrida. A rotina era a mesma em todas as horas
de kartódromo aberto. “Ele não saía enquanto estivesse alguém treinando.
Se alguém baixava o tempo, mandava botar o kart na pista, ia lá e
baixava de novo. Ele guiava mais que os carros, extrapolava limite”,
frisa Delmar da Rosa. Ainda assim, naquela vez, Senna teve de se
contentar com o segundo lugar na largada, já que a pole position ficou
com o paulista Renato Russo.
Logo
na primeira corrida, no entanto, Ayrton disparou um golpe psicológico
com uma técnica que desenvolveu na Europa e criou escola no kartismo.
Foto: Eduardo Tavarez
“Ele
regulava a mistura de combustível no motor, enquanto guiava apenas com a
mão esquerda”, explica Da Rosa. “Já na primeira volta antes da largada
ele ficava mexendo no motor e mantendo a mistura ideal em uma velocidade
bem lenta”, testemunhou Buneder. “Quando veio a bandeirada, o motor
dele estava limpo, mais forte, enquanto os demais tinham tudo empapado
de óleo. Passou a reta e já tinha sobrado dos demais. Na frente desse
cara não se anda”, foi a impressão do adversário.
Neco
Fornari, que largou em terceiro, não desistiu, passou Russo e, para
própria surpresa, começou a encostar. Mesmo com um chassis inferior,
mostrava-se competitivo. “Mas aí caí numa armadilha. Na quinta ou sexta
volta cheguei demais. Vi um espaço e ia tentar colocar por dentro na
curva em U que tinha no antigo traçado, mas ele veio para cima”, conta
Fornari. “Aí tivemos um toque e ele me matou na malandragem. Quando a
gente brecou, evitamos o roda com roda e meu motor ficou sem potência,
acabei empurrando ele, que abriu para ganhar a corrida”, descreve o
rival, comparando ainda com uma manobra que ficou famosa muitos anos
depois. “Foi parecido com a armadilha que ele caiu para o Alain Prost em
1989, com a diferença de que o Prost bateu mesmo nele para ganhar o
campeonato”.
Depois
da bandeirada, Ayrton ensaiou uma brincadeira, mas não conseguiu
disfarçar que estava irritado em ter um concorrente tão próximo. “Ele
ficou bravo com o toque, mesmo ganhando. Tanto que ele parou no parque
fechado e saiu falando ‘Cadê aquele gauchinho que bateu em mim’”,
relembra Fornari. Na segunda bateria, o domínio foi total do
“Silvastone”, mas o rival gaúcho ainda se manteve em segundo com chances
de título. Na hora de alinhar para a terceira corrida, contudo, o motor
de Fornari quebrou e Senna correu sem concorrentes para a terceira
vitória em três baterias.
Na
despedida, dia 12 de dezembro no Salgado Filho, Delmar ainda emendou
uma pergunta profética. “Já estou conversando com um futuro campeão de
Fórmula 1?”. A resposta foi encabulada e inaudível, conforme o
organizador do evento, “mas ele ficou contente com a previsão e abriu um
sorriso”.
Foto: Eduardo Tavarez
No
ano seguinte Ayrton se transformaria para valer em Senna e faria os
primeiros testes na Fórmula 1, impressionando com Williams, Brabham,
McLaren e Toleman. Venceu o campeonato inglês de Fórmula 3 e, por fim
assinou com a Toleman. Menos dois anos depois de vencer o último título
no kart, a grande promessa do automobilismo brasileiro estreou na
Fórmula 1 no GP do Brasil de 1984. O resto é história.
Fonte: Correio do Povo | Fotos: Eduardo Tavarez | CP Memória | Neco Fornari
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