07 novembro, 2013

Perfume de Marquesa by Paulo Rezzutti em São Paulo Passado

Instalação de metal envolve uma banheira no Solar da MarquesaHoje, 3 de novembro de 2013, fez exatamente 146 anos do falecimento da Marquesa de Santos. Num domingo, assim como o que passou, a favorita do Imperador D. Pedro I, exalou seu último suspiro às quatro horas da tarde em seu casarão na Rua do Carmo, no centro de São Paulo.
No dia anterior, 2 de novembro, dia dos mortos foi inaugurada a exposição "Perfume de Princesa", que integra o Beco do Pinto e os prédios do entorno, incluindo o Solar onde Domitila faleceu. A exposição, uma intervenção artística de tubos de metal, perfumes e odores corporais, foi inspirada no imaginário em torno da figura da Marquesa de Santos e no suposto hábito dela demonstrar, por meio de fragrâncias, o seu estado de espírito. Como artista é artista e historiador é historiador, não me peçam mais referências de onde essa informação surgiu. O historiador aqui não tem pálida ideia da fonte de apoio a tal afirmação utilizada pelo artista Walter Malta Tavares, responsável pela obra.
Quem ainda não lidou com a Domitila pode achar que foi proposital a inauguração da exposição no dia dos mortos e na véspera dos 146 anos da morte dela. Mas, de acordo com informações obtidas, diversos entraves, até mesmo burocráticos, teriam colaborado para a escolha da data.
Coincidência? Quem ainda não tratou de perto com a Marquesa que caia nessa! Alguém que, como eu, já coletou diversos "fenômenos" ocorridos no Solar, tais como: poças de perfume que apareceram e desapareceram sem deixar vestígio, funcionários que afirmam ter conversado com Domitila, pessoas que acharam muito interessante o "ator" fantasiado de Rafael Tobias de Aguiar, sendo que nunca houve ninguém vestido como o brigadeiro na atual exposição, ou ainda, coupe de grâceter visto mais de uma foto com o suposto fantasma da Marquesa que ronda o andar superior do solar, não tem como acreditar em "coincidências".
Domitila está mais viva do que nunca em seu solar na Rua Roberto Simonsen e deve estar se divertindo com tanto entra e sai e tanta novidade surgindo a cada ano em torno de si. Que venham mais 146, que venham 300, 500 anos e que lendas, mentiras cabeludas, histórias tristes e alegres sobre ela continuem. Dia 27 de dezembro, aniversário dela, já está logo aí. Qual a próxima "coincidência"?

Foto
OS ODORES DOS OUTROS
A primeira observação sobre Perfume de princesa é bem simples: a estrutura de tubos que serpenteia pela escadaria do Beco do Pinto faz parte do trabalho de Wagner Malta Tavares, tanto quanto os aromas exalados por ela em pontos específicos do caminho. Esculturas como Herói (2010) e Anúbis (2008), nas quais ventiladores são acoplados a tecidos e objetos semelhantes a sarcófagos, legitimam esta afirmação, que aponta para um tema caro ao artista: a integração entre arte e tecnologia. Apesar de Wagner Malta Tavares parecer otimista a respeito das possibilidades estéticas do uso de artefatos tecnológicos, a recorrência do tema e o modo como costuma ser tratado indicam que a questão não está resolvida para ele, precisa ser continuamente levantada e exige explicação.

Uma segunda observação também é simples: em contraste com sua perspectiva futurista, o artista olha para o passado ao pesquisar a história do perfume e considerar a memória do lugar. Apesar disso, Perfume de princesa retoma o vento como forma, o que já havia sido feito nos trabalhos expostos em 2010 pelo Instituto Tomie Ohtake, como observou o crítico Rodrigo Naves. Em lugar dos tecidos esvoaçantes e do vento batendo no rosto dos espectadores, a máquina projetada por Wagner Malta Tavares sopra essências florais ao longo da histórica viela da região central de São Paulo, pontuando o caminho dos passantes com matrizes tradicionais de perfumes como rosa, alfazema e angélica, entre outros. O Beco do Pinto transforma-se em túnel do tempo ao reconstituir a atmosfera olfativa do século XIX, presidida por Domitila de Castro Canto e Melo (1797-1867), que viveu um longo romance com Dom Pedro. A partir de 1834, ela residiu no casarão que passou a ser chamado de Solar da Marquesa de Santos e hoje pertence ao Museu da Cidade.

Uma reflexão um pouco mais ambiciosa pode ser feita a partir das observações acerca dessa experiência olfativa, que, por meio daquela estrutura tecnológica, lança um olhar dividido entre o passado e o futuro. A busca pela cidade ideal e a idealização da paisagem natural (como nos jardins ingleses) estariam ligadas, segundo o antropólogo Alain Corbin, a uma “acentuação da sensibilidade” a partir da segunda metade do século XVIII. O autor caracteriza certas medidas de saúde pública como uma “ofensiva contra a intensidade olfativa do espaço público”. O combate sistemático ao mau cheiro de esgotos, hospitais e prisões descrito por Corbin não se relaciona com uma liberação do uso de cremes, perfumes e outros cosméticos, mas com o seu disciplinamento.

A história do perfume remonta ao Egito antigo (Gombrich comenta utensílios de perfumaria ornados com imagens dos deuses), mas entre os séculos XVIII e XIX substâncias aromáticas usadas tradicionalmente foram reprovadas por cidadãos aterrorizados pelo mundo microscópico revelado por Lavoisier e convencidos de que as virtudes cívicas provêm de um estado natural da humanidade. De acordo com uma ideia puritana de natureza, valorizam-se odores naturais do corpo, e o uso de perfumes recua. Até mesmo banhar-se passa a ser visto como um ato de vaidade potencialmente prejudicial à saúde. Colônias florais substituem os cremes produzidos a partir de substâncias extraídas de animais e passam a integrar um jogo de “códigos imperceptíveis” vinculado ao universo feminino, segundo a associação, que passa a ser contumaz, entre a mulher e a flor. Curiosamente, o revigoramento da nobreza intensificou o uso desses perfumes depurados como elementos de distinção social e dissimulação da sedução amorosa.

Biógrafo recente da Marquesa de Santos, Paulo Rezzutti cita descrições de viajantes admirados com a limpeza da cidade de São Paulo ao final do século XVIII. Poucas décadas depois, separada de Dom Pedro e vivendo no casarão da rua de Nossa Senhora do Carmo, Domitila exigiu a reconstrução do Beco do Pinto, invadido por um vizinho. Segundo Rezzutti, escravos encarregados de descer o Beco para atirar lixo no rio Tamanduateí por vezes o faziam no terreno da marquesa. Embora se aprecie o contato entre as pessoas de diversas gerações e classes sociais por meio dos seus aromas singulares, ou “impressões olfativas”, é impossível distingui-lo do controle social que cada indivíduo exerce sobre os odores dos outros e os seus próprios odores.

A fala de Wagner Malta Tavares que acompanha Perfume de princesa relata uma investigação acerca da Marquesa de Santos e problematiza a distinção entre a história factual e o imaginário. Concubina do imperador e benemérita paulistana, Domitila de Castro Canto e Melo potencializou a imagem da mulher paulista, que, ainda segundo Rezzutti, era tida por bela e independente. Sem pretender remover o fato da teia de significados que o envolve, no trabalho de Wagner Malta Tavares cristalizam-se fantasias, preconceitos, julgamento moral, idolatria: o túmulo de Domitila no Cemitério da Consolação tem sido venerado de diversas maneiras, e o perfume também é atributo dos cadáveres de santos. 
José Bento Ferreira

Instalação “Perfume de Princesa”, do artista Wagner Malta Tavares 
Abertura: sábado, dia 02 de novembro, às 11 horas 
Período expositivo: de 03 de outubro de 2013 a 02 de março de 2014 
Locais: Casa da Imagem, Beco do Pinto e Solar da Marquesa 
Endereço: Rua Roberto Simonsen, 136 
CEP 01017-020 - Centro - São Paulo- SP 

Horários de funcionamento: de terça-feira a domingo, das 9 às 17 horas 
Telefone: (11) 3106 5122 (Casa da Imagem) 
Entrada gratuita e livre para todos os públicos 



De: "São Paulo Passado" <donotreply@wordpress.com>
Para: sulinha3@ig.com.br