Em meio ao embate público estabelecido entre o Procure Saber, autores e editores, sobram argumentos e falta sensatez por parte dos que se julgam donos da verdade e da história. Conto aqui a parte que me cabe nesta discussão.
Às vésperas de finalizar a biografia “Clara Nunes, guerreira da utopia” fui surpreendido com uma informação que me fez alterar todo o rumo inicial da obra e compreender os motivos que teriam levado, de fato, a artista mineira a deixar a interiorana cidade de Caetanópolis (ex-Cedro, então distrito de Paraopeba), onde nasceu, em direção a Belo Horizonte, na qual começaria a sua escalada rumo ao estrelato.
Em 1957, um dos irmãos de Clara cometera um homicídio em nome de sua honra. Ela fora, portanto, pivô involuntário de um crime praticado por um membro da família. De imediato, busquei amigos, parentes e vizinhos da artista em busca de esclarecimentos sobre o episódio. Não encontrei eco em nenhuma das fontes procuradas. Persistente, achei o contato do próprio irmão e, numa curta conversa por telefone, pedi uma entrevista. Cauteloso, ele disse que me retornaria. Dias depois, no entanto, um filho e, logo em seguida, um advogado entraram em contato condicionando-me: “ele fala desde que o homicídio não seja abordado”. Claro, recusei a proposta e comuniquei à editora. A Ediouro, com quem assinara contrato, decidiu comprar a briga e publicar a obra.
Em 1957, um dos irmãos de Clara cometera um homicídio em nome de sua honra. Ela fora, portanto, pivô involuntário de um crime praticado por um membro da família. De imediato, busquei amigos, parentes e vizinhos da artista em busca de esclarecimentos sobre o episódio. Não encontrei eco em nenhuma das fontes procuradas. Persistente, achei o contato do próprio irmão e, numa curta conversa por telefone, pedi uma entrevista. Cauteloso, ele disse que me retornaria. Dias depois, no entanto, um filho e, logo em seguida, um advogado entraram em contato condicionando-me: “ele fala desde que o homicídio não seja abordado”. Claro, recusei a proposta e comuniquei à editora. A Ediouro, com quem assinara contrato, decidiu comprar a briga e publicar a obra.
O compositor Paulo César Pinheiro, um dos mais nobres e respeitados do país, com quem Clara foi casada, sendo seu único herdeiro, já que o casal não teve filhos, leu a obra antes de ser publicada e, para minha surpresa, foi de uma sensatez e cordialidade inigualáveis:
“Há muitas coisas de que não gosto. Por mim seriam suprimidas, mas não vou censurar uma obra, pois que lutei muito contra a ditadura”, disse ele.
“Clara Nunes, guerreira da Utopia” vendeu cerca de 20 mil exemplares e teve duas reimpressões. Paulo César Pinheiro e muitos amigos fotógrafos, que me cederam registros da artista gratuitamente, jamais lançaram mão da mesquinhez provinciana e capitalista difundida pelo Procure Saber para devassar a minha conta bancária e verificar quanto havia sido depositado de Direitos Autorais por conta das vendas do trimestre.
Revelo: tive mais ônus do que bônus, parafraseando Djavan.
Não fiquei rico com os 10% de repasse do preço de capa que a editora me concedia. Em cada unidade vendida a R$ 49,90, ganhei R$ 4,90. Nos acordos em que se negocia um quantitativo muito grande de livros o valor do preço de capa pode ser reduzido. Ganha-se, no entanto, os mesmos 10%. Façam as contas. Durante quatro anos, como muitos colegas biógrafos já relataram, gastei com passagens aéreas, hospedagens, telefonemas, alimentação, fotocópias, compra de livros, de material audiovisual, entre outros itens.
“Há muitas coisas de que não gosto. Por mim seriam suprimidas, mas não vou censurar uma obra, pois que lutei muito contra a ditadura”, disse ele.
“Clara Nunes, guerreira da Utopia” vendeu cerca de 20 mil exemplares e teve duas reimpressões. Paulo César Pinheiro e muitos amigos fotógrafos, que me cederam registros da artista gratuitamente, jamais lançaram mão da mesquinhez provinciana e capitalista difundida pelo Procure Saber para devassar a minha conta bancária e verificar quanto havia sido depositado de Direitos Autorais por conta das vendas do trimestre.
Revelo: tive mais ônus do que bônus, parafraseando Djavan.
Não fiquei rico com os 10% de repasse do preço de capa que a editora me concedia. Em cada unidade vendida a R$ 49,90, ganhei R$ 4,90. Nos acordos em que se negocia um quantitativo muito grande de livros o valor do preço de capa pode ser reduzido. Ganha-se, no entanto, os mesmos 10%. Façam as contas. Durante quatro anos, como muitos colegas biógrafos já relataram, gastei com passagens aéreas, hospedagens, telefonemas, alimentação, fotocópias, compra de livros, de material audiovisual, entre outros itens.
Por coragem e crença na veracidade das informações constantes, tive o apoio da editora para publicar o livro, aliás esgotado.
Diante da recusa de todos em conceder entrevistas sobre um homicídio praticado numa pequena cidade do interior das Gerais, parti rumo ao Fórum de Paraopeba em busca de documentação comprobatória com que pudesse me respaldar em uma possível abordagem do assunto. Encontrei. Nos documentos, cujas cópias me foram feitas, pois que integravam um processo sem segredo de Justiça, estavam descritos detalhes que me ajudariam a explicar a saída da cantora da cidade natal em direção à capital mineira. O homicídio e a consequente pressão social sofrida fez com que Clara deixasse Caetanópolis, o que aponta e define, portanto, a tragédia como elemento fundamental em sua mudança para Belo Horizonte. Se não fosse o episódio, talvez nunca tivesse sido descoberta por um dono de uma barraquinha de quermesse do conhecido bairro da Renascença e participado dos programas de auditório da Rádio Inconfidência. Ou ainda investido no concurso A Voz de Ouro ABC, que revelava novas grandes vozes da cena artística e em cuja etapa mineira foi vencedora, levando-a a assinar contrato com a gravadora Odeon, da qual nunca sairia. A tragédia conduz à compreensão do início da trajetória da artista que revolucionou a MPB com sua estética e seu canto arrebatadores.
Diante da recusa de todos em conceder entrevistas sobre um homicídio praticado numa pequena cidade do interior das Gerais, parti rumo ao Fórum de Paraopeba em busca de documentação comprobatória com que pudesse me respaldar em uma possível abordagem do assunto. Encontrei. Nos documentos, cujas cópias me foram feitas, pois que integravam um processo sem segredo de Justiça, estavam descritos detalhes que me ajudariam a explicar a saída da cantora da cidade natal em direção à capital mineira. O homicídio e a consequente pressão social sofrida fez com que Clara deixasse Caetanópolis, o que aponta e define, portanto, a tragédia como elemento fundamental em sua mudança para Belo Horizonte. Se não fosse o episódio, talvez nunca tivesse sido descoberta por um dono de uma barraquinha de quermesse do conhecido bairro da Renascença e participado dos programas de auditório da Rádio Inconfidência. Ou ainda investido no concurso A Voz de Ouro ABC, que revelava novas grandes vozes da cena artística e em cuja etapa mineira foi vencedora, levando-a a assinar contrato com a gravadora Odeon, da qual nunca sairia. A tragédia conduz à compreensão do início da trajetória da artista que revolucionou a MPB com sua estética e seu canto arrebatadores.
Na ocasião de lançamento da obra fui ameaçado de processo por parte dos familiares que se recusaram a abordar um tema cuja cidade inteira tinha conhecimento.
Não inventei nada, os documentos judiciais comprovaram tudo. Apurei e chequei informações, cruzei os dados, busquei fontes das mais variadas categorias, sobretudo primárias e secundárias, para que o assunto fosse tratado de forma absolutamente responsável. Grupos de fãs ortodoxos acusaram-me publicamente de leviandade, sob a justificativa de que eu teria destruído moralmente a personagem, contribuindo para a degenerescência de sua imagem.
Rebati todas as críticas com documentos, como condiz a um pesquisador e, no meu caso, a um jornalista.
Pois toda a biografia é, sim, uma grande reportagem, gostem ou não Roberto, Erasmo, Chico, Caetano, Gil, Djavan e Milton. E sob essa perspectiva, acusarem biógrafos de lutarem pela imposição e manutenção da expropriação do direito à privacidade soa incoerente à medida que veículos de comunicação também estariam ferindo o referido direito ao publicarem perfis não autorizados e/ou outras reportagens, cujo tema seja um personagem público, de interesse da coletividade, que tenha contribuído para a construção da história de um país.
Não inventei nada, os documentos judiciais comprovaram tudo. Apurei e chequei informações, cruzei os dados, busquei fontes das mais variadas categorias, sobretudo primárias e secundárias, para que o assunto fosse tratado de forma absolutamente responsável. Grupos de fãs ortodoxos acusaram-me publicamente de leviandade, sob a justificativa de que eu teria destruído moralmente a personagem, contribuindo para a degenerescência de sua imagem.
Rebati todas as críticas com documentos, como condiz a um pesquisador e, no meu caso, a um jornalista.
Pois toda a biografia é, sim, uma grande reportagem, gostem ou não Roberto, Erasmo, Chico, Caetano, Gil, Djavan e Milton. E sob essa perspectiva, acusarem biógrafos de lutarem pela imposição e manutenção da expropriação do direito à privacidade soa incoerente à medida que veículos de comunicação também estariam ferindo o referido direito ao publicarem perfis não autorizados e/ou outras reportagens, cujo tema seja um personagem público, de interesse da coletividade, que tenha contribuído para a construção da história de um país.
Como num clássico exemplo-clichê muito usado em faculdades de jornalismo, cachorro que morde gente nunca será manchete de jornal. Mas o contrário certamente ganhará as primeiras páginas do noticiário. Seguindo o mesmo princípio, ninguém se interessa em biografar um personagem do cotidiano que em nada explica (ou interfere) a evolução social, cultural, política ou econômica de uma nação. Escrever sobre Collor e não dizer que ele sofreu um impeachment pelas atrocidades que cometeu é manipular a história. E ninguém tem esse direito, nem mesmo ele. Tudo foi noticiado e está arquivado nos centros de documentação de qualquer redação ou biblioteca do Brasil.
No que tange ao Procure Saber, causa-me estranheza que os personagens-líderes dessa frente venham se manifestar publicamente em apoio a Roberto Carlos, cuja vida sempre foi acompanhada (e comentada) por veículos de comunicação de todo o país, como uma verdadeira novela. Roberto nunca primou pela discrição. Pelo contrário, sempre fez questão, como a maior parte das lideranças do Procure Saber, pela exposição midiática que lhe proporciona surfar nos mais diferentes segmentos do mercado financeiro-capitalista brasileiro, inclusive o imobiliário. Não me parece que a violação aos direitos da personalidade, a qual todos desse grupo tanto defendem, seja, de fato, a força motriz por que brigam. Ainda que o seja unicamente continuam a incorrer num equívoco incomensurável, pois que não levam em conta a alteridade como condição essencial para a composição dos direitos da personalidade, conforme assinala o filósofo e teórico Charles Taylor. A alteridade é “o reconhecimento do ser humano como entidade única e diferenciada de seus pares, que só ganha forma com a existência do outro”. Portanto, para individualizar é necessário o coletivo. O eu-individual é nulo e sua existência só se dá mediante o contato com o todo. Não dá para serem metonímicos Roberto, Erasmo, Caetano, Chico, Gil, Djavan e Milton. Apesar de celebridades, vocês só e tampouco, como eu, existem por causa do coletivo.
(Globo)
(Globo)
Viva Clara Claridade!!! Viva Arte / Cultura!!!
Sabedoria, Saúde e $uce$$o: Sempre.