25 janeiro, 2025

Intercept Brasil

 

Sábado, 25 de janeiro de 2025

Quem quer ser um bilionário?

Nunca foi tão fácil.


Não sei vocês, mas eu gastei bons minutos vendo as fotos dos bilionários das big tech alinhados, em traje de gala, na posse de Donald Trump. Naquela foto, mesmo que não dê para enxergar, estão bilhões e bilhões de dólares (trilhões?), assim como as vidas de bilhões e bilhões de pessoas pelo mundo. Olhei para seus rostos e sorrisos cínicos. São os sorrisos de quem está arrastando a humanidade para o colapso.


Um relatório muito oportuno da Oxfam, também lançado nesta semana, traz muitas evidências sobre o que há por trás daqueles rostos felizes. Nunca foi tão fácil ser um bilionário – para quem já chegou lá. Quanto pior o mundo, melhor para os poucos super-ricos que sentam em cima da população mundial. Foi assim na pandemia e está acontecendo de novo: de um ano para cá, surgiram 204 novos bilionários no mundo.


E eles estão enriquecendo três vezes mais rápido do que em 2023: US$ 2 milhões por dia, em média. Nesse ritmo, o planeta caminha para ter não apenas um, mas cinco trilionários em uma década. Enquanto isso, destaca o relatório, o número de pessoas que vivem na pobreza pelo mundo praticamente não mudou.


O relatório também aborda o quanto essa elite financeira é, também, herdeira do colonialismo, e ajuda a perpetuar relações de poder e desigualdade entre os países. Segundo o relatório, o 1% mais rico do Norte Global extraiu US$ 30 milhões por hora do Sul Global em 2023.


Embora essa elite financeira venda a ideia de que qualquer um pode chegar lá e o que vale é a meritocracia – um conceito repetido à exaustão por Trump –, a verdade é que o dinheiro dessas pessoas vem, em sua maioria, de heranças, corrupção, monopólios ou conexões com a realeza. Nada de novo no front.


O colonialismo digital – que se materializa na imagem dos bilionários de tecnologia alinhados a Trump – é um dos pilares dessa nova exploração colonial, aponta a Oxfam. “Ao controlar o ecossistema digital, as grandes empresas de tecnologia controlam as experiências mediadas por computador, o que lhes dá poder direto sobre os domínios político, econômico e cultural da vida", diz o texto.


Apesar de defenderem a liberdade e o livre mercado, a verdade é que essa indústria é marcada por monopólios – basta lembrar que o Google domina 90% do setor de buscas – e vive de transformar a vida das pessoas em dinheiro, com múltiplas violações de privacidade e outros direitos no caminho. “O setor de Big Tech é fundamental para novas formas de colonialismo econômico e extrema desigualdade no século 21", diz a Oxfam.


De forma cruel, essas várias formas de exploração dos mais pobres acontecem ao mesmo tempo em que a indústria e seus CEOs prometem e materializam promessas de enriquecimento e ascensão social por meio da tecnologia. O Brasil já utiliza IA generativa mais do que a média mundial. O presidente do Google no Brasil, Fábio Coelho, diz que essa adesão dócil do brasileiro à IA é “inspiradora”. Eu acho extremamente preocupante.

Enquanto entubam as últimas novidades buscando extrair ao máximo de populações marcadas pela pobreza, informalidade e escolaridade baixa em países como o Brasil, essas empresas também minam qualquer possibilidade de resistência ou de imaginação de realidades alternativas.


Presos nas telas 24 horas por dia, 7 dias por semana, ficamos anestesiados. Sempre temos a sensação de que falta tempo, enquanto o mundo social se fragmenta, como descreve o filósofo Jonathan Frazer no excelente e deprimente livro “Terra Arrasada” (editora Ubu).


“É notável que, em um momento de perigos sem precedentes para o futuro do planeta e para a própria sobrevivência de humanos e animais, tantas pessoas optem por se confinar voluntariamente em armários digitais dissecados e concebidos por um punhado de corporações sociocidas", ele escreve. E sentencia: “rotas para um mundo diferente não serão encontradas nas ferramentas de busca da internet".


A juventude não tem espaço para criar e imaginar um outro futuro: no lugar disso, as possibilidades são a aceleração do sistema em curso. “A prioridade é sabotar a possibilidade de uma juventude potencialmente rebelde e, a fim de ocultar um futuro sem empregos em sem planeta, aposta-se na ficção tétrica de uma geração que aspira virar ‘influencer’, fundadora de startups, ou que de algum modo se alinha com os valores embotados do empreendedorismo”.


Com a monetização de absolutamente tudo, as redes sociais – ou melhor, as empresas dos amigos do Trump – prometem a possibilidade de riqueza, materializada pelos homens bem-sucedidos que vendem o discurso meritocrático.


“Mas a realidade da internet está em sua eficiência em canalizar os minúsculos ativos de muitos em direção à carteira de investimentos de uma elite de poucos", sintetiza Frazen, bem antes que os bilionários hi-tech saíssem do armário abraçando o sociopata que chegou à Casa Branca.


A crise não é sobre as big tech; elas materializam a crise do capitalismo contemporâneo. “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”. A célebre frase que intitula a edição brasileira de “Realismo Capitalista” (Autonomia Literária), do filósofo Mark Fisher, ajuda a explicar.


Fisher explica como o capitalismo se introjetou em nossos inconscientes, na cultura, no modo de pensar e ver o mundo, de tal forma que se torna uma realidade quase indiscutível. Nós não construímos alternativas porque não conseguimos nem imaginá-las. O capitalismo engole tudo.


A maneira como o discurso ambiental foi apropriado por empresas que violam direitos indígenas para ganharem dinheiro vendendo créditos de carbono é um exemplo. Permanecer no X depois da saudação nazista de Elon Musk porque, bem, não consegue sair ou todo mundo está lá, também. O realismo capitalista faz com que fiquemos com uma sensação de derrota, como se não houvesse escapatória.


Transposto para a tecnologia, esse realismo de plataforma, como chamou o artista e pesquisador Ben Grosser, funciona mais ou menos da mesma forma. É como se não houvesse saída. O sistema é eficiente para sufocar as possibilidades alternativas, de modo que só floresçam as iniciativas que têm como fim atender às exigências do capital.


Seremos cúmplices desses homens?, perguntou nossa colunista Fabiana Moraes. Muitas pessoas não vêem saída. Não há nada de errado com elas. O sistema foi feito para que isso acontecesse. Como sair disso, então? Grosser propõe alternativas que tenham como princípio valores públicos, com escala menor e mais lentos.


Parece inviável, utópico, ingênuo? Talvez você tenha sido picado pela mosquinha do realismo capitalista. Nada de errado com você: todos nós fomos.


Normalizar o enriquecimento brutal daqueles poucos, em nome da destruição do mundo, das nossas relações e da nossa saúde mental, é que deveria ser o absurdo. Agora que os CEOs saíram do armário, fica mais fácil visualizar a quem suas plataformas estavam servindo.


O relatório da Oxfam mostra que a estratégia está dando muito certo.

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