06 julho, 2014

Ronaldo Cunha Lima - Habeas Pinho


Habeas Pinho

Em Campina Grande, PB, 1955, um grupo de Boêmios fazia Serenata numa madrugada no mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o Violão. Decepcionado, o grupo recorreu aos Serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, recentemente saiu da faculdade e que também apreciava uma Boa Seresta. Ele peticiou em juízo, para que fosse Libertado o Violão:


"Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª vara desta comarca:


 O Instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revolver nem pistola
É, simplesmente, doutor, um Violão
Um Violão doutor que na verdade
Não matou nem feriu um Cidadão
Feriu sim, a Sensibilidade
Que quem Ouvir Vibrar na solidão
O Violão é sempre uma Ternura
Instrumento de Amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Inexiste entre eles afinidade
O Violão é próprio dos Cantores
Dos Menestréis de alma enternecida
Que Cantam as mágoas que povoam a Vida
E sufocam suas próprias dores
O Violão é Música e é Canção
É Sentimento, Vida e Alegria
É Pureza, é néctar que Extasia
É adorno Espiritual do coração
Seu Viver como o nosso é transitório
Mas seu destino não  perpetua
Ele nasceu para Cantar na rua
E não para ser arquivo de cartório
Mande soltá-lo pelo Amor da Noite
Que se Sente vazia em suas horas
Para que volte a Sentir o terno açoite
 De suas Cordas Leves e Sonoras
Libere o Violão, doutor juiz
Em nome da Justiça e do Direito
É crime, por ventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado?
Será delito de tão vis horrores
Perambular na rua um desgraçado
Derramando na rua suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos
Na Certeza do seu acolhimento
Juntado desta aos autos
Nós pedimos e pedimos também
Deferimento"


O juiz Arthur Moura deu sua sentença no mesmo Tom:


Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
venha tocar à porta do juiz.

  • 2012Ronaldo Cunha Lima, Poeta e Político brasileiro (n. 1936).

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  • Ronaldo foi eleito deputado estadual, prefeito de
    Campina Grande (cassado pela Revolução militar), Senador, governador, deputado federal. Pai do também prefeito de Campinha Grande e Governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima.