O futebol da seleção japonesa esteve longe de empolgar, mas sua torcida conquistou o Brasil por um gesto peculiar: ela recolhe o lixo ao fim das partidas.
A demonstração de civilidade foi notícia depois da primeira partida, na
Arena Pernambuco, e as fotos correram Feices de todo o Brasil.
Foi
bonito ver sacos de lixo sendo usados para enfeitar as arquibancadas e
depois serem colocados, cheios, ao lado das latas, facilitando
enormemente o trabalho do pessoal da limpeza.
A história se repetiu na segunda partida do time azul e vieram então várias reportagens mostrando como é a relação dos japoneses com o lixo. Aprendemos que, nas ilhas do outro lado do mundo, há pouquíssimas lixeiras nas calçadas, mas as cidades são limpíssimas. Que o hábito é antigo e vem desde cedo: nas escolas, mesmo as particulares, alunos e professores são os responsáveis pela limpeza.
Os japoneses podem ser os mais desenvolvidos nessa área, mas eles não estão sozinhos. Outra notícia interessante da Copa foi que os alemães ajudaram a recolher o lixo da FanFest em Copacabana. Assim como os japoneses, eles não catam apenas o que é deles, mas o que está em volta deles, independente de quem descartou no chão.
Podemos aprender um bocado com eles, certo? Ou isso seria impossível?
Se você ler (por algum motivo bizarro) a opinião dos comentaristas de portal, poderá chegar à conclusão que temos que ter vergonha da gente e que nunca seremos como eles.
Essa é a visão saco-metade-vazio.
A história se repetiu na segunda partida do time azul e vieram então várias reportagens mostrando como é a relação dos japoneses com o lixo. Aprendemos que, nas ilhas do outro lado do mundo, há pouquíssimas lixeiras nas calçadas, mas as cidades são limpíssimas. Que o hábito é antigo e vem desde cedo: nas escolas, mesmo as particulares, alunos e professores são os responsáveis pela limpeza.
Os japoneses podem ser os mais desenvolvidos nessa área, mas eles não estão sozinhos. Outra notícia interessante da Copa foi que os alemães ajudaram a recolher o lixo da FanFest em Copacabana. Assim como os japoneses, eles não catam apenas o que é deles, mas o que está em volta deles, independente de quem descartou no chão.
Podemos aprender um bocado com eles, certo? Ou isso seria impossível?
Se você ler (por algum motivo bizarro) a opinião dos comentaristas de portal, poderá chegar à conclusão que temos que ter vergonha da gente e que nunca seremos como eles.
Essa é a visão saco-metade-vazio.
Caminhos para mudar
A minha teoria é que nunca ensinamos mesmo às pessoas que jogar lixo na rua é errado.
“Mas Pedro, todo mundo sabe que é errado!”, você poderá dizer.
E eu sei! Mas acho – é um teoria – que há uma distância entre todo mundo “saber” o que é errado e todo mundo se envolver em uma luta pelo que é certo.
Eu sou de Brasília e um dos orgulhos da cidade é que, lá, os motoristas param na faixa de pedestres. É um negócio incrível. A gente literalmente canta parabéns para a faixa lá:
Link YouTube
O povo brasiliense não é particularmente melhor educado que o resto do Brasil, apesar da renda per-capita alta. Mas, quando estamos no carro e avistamos uma faixa, geralmente olhamos se há alguém querendo atravessar. O pedestre também é treinado a fazer um gesto com a mão para sinalizar que está ali, e só coloca o pé na zebra quando o carro está parando.
Não é nada do outro mundo, mas o gesto simples – que está no código de trânsito desde 1966, reforçado no de 1997 – não é repetido em quase nenhuma cidade do País. Quando me mudei para São Paulo, aliás, levei buzinadas por parar na faixa e olhares incrédulos de pedestres, que não sabiam o que fazer, até desistir. Aqui eu penso duas vezes antes de parar porque, se não for todo mundo fazendo, posso causar um acidente, dependendo da situação.
Brasília, de novo, não é o Japão. E parar na faixa não é catar o lixo alheio. Mas temos um gesto de civilidade, aprendido. Como?
Este documentário do jornalista Hércules Silva explica bem:
Link YouTube
Resumindo: em 1995, Brasília era a campeã de mortes no trânsito no Brasil. Com vias largas, relativamente vazias, as pessoas sentavam o pé no acelerador e todo acidente tinha consequências graves. Não eram só as pessoas nos carros que perdiam a vida. Em 1997, 47% das mortes no trânsito eram de pedestres atropelados. Era preciso, obviamente fazer algo.
O principal jornal da cidade, o Correio Braziliense, começou uma campanha chamada Paz no Trânsito. Todo dia, trazia uma reportagem de capa falando de vítimas de acidentes, entrevistando especialistas ou pedindo de forma geral mais consciência dos motoristas e esforço das autoridades.
Na TV, os jornais locais repetiam a ideia que uma ação coordenada do governo precisava ser feita. Logo (ou paralelamente), os diretores do Detran e da Polícia Militar começaram suas campanhas. O então governador (e hoje senador), Cristovam Buarque, instalou radares por toda a cidade e deslocou policiais em pontos estratégicos para educar a população – motoristas e pedestres –, diariamente.
Daquela época, lembro de PMs do batalhão do trânsito visitando a minha escola pelo menos três vezes em 1997. Havia mais policiais e radares de velocidades nas ruas, sim, mas o símbolo da campanha pela civilidade no trânsito era o respeito à faixa de pedestres. Era uma operação de mobilização intensa, por algo, bom repetir, óbvio, que todo mundo sabia que deveria fazer. Mas que, pela primeira vez, éramos lembrados sistematicamente dos custos sociais de não fazer o certo. A campanha durou pouco mais de um ano, e o resultado permanece:
“Mas Pedro, todo mundo sabe que é errado!”, você poderá dizer.
E eu sei! Mas acho – é um teoria – que há uma distância entre todo mundo “saber” o que é errado e todo mundo se envolver em uma luta pelo que é certo.
Eu sou de Brasília e um dos orgulhos da cidade é que, lá, os motoristas param na faixa de pedestres. É um negócio incrível. A gente literalmente canta parabéns para a faixa lá:
Link YouTube
O povo brasiliense não é particularmente melhor educado que o resto do Brasil, apesar da renda per-capita alta. Mas, quando estamos no carro e avistamos uma faixa, geralmente olhamos se há alguém querendo atravessar. O pedestre também é treinado a fazer um gesto com a mão para sinalizar que está ali, e só coloca o pé na zebra quando o carro está parando.
Não é nada do outro mundo, mas o gesto simples – que está no código de trânsito desde 1966, reforçado no de 1997 – não é repetido em quase nenhuma cidade do País. Quando me mudei para São Paulo, aliás, levei buzinadas por parar na faixa e olhares incrédulos de pedestres, que não sabiam o que fazer, até desistir. Aqui eu penso duas vezes antes de parar porque, se não for todo mundo fazendo, posso causar um acidente, dependendo da situação.
Brasília, de novo, não é o Japão. E parar na faixa não é catar o lixo alheio. Mas temos um gesto de civilidade, aprendido. Como?
Este documentário do jornalista Hércules Silva explica bem:
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Resumindo: em 1995, Brasília era a campeã de mortes no trânsito no Brasil. Com vias largas, relativamente vazias, as pessoas sentavam o pé no acelerador e todo acidente tinha consequências graves. Não eram só as pessoas nos carros que perdiam a vida. Em 1997, 47% das mortes no trânsito eram de pedestres atropelados. Era preciso, obviamente fazer algo.
O principal jornal da cidade, o Correio Braziliense, começou uma campanha chamada Paz no Trânsito. Todo dia, trazia uma reportagem de capa falando de vítimas de acidentes, entrevistando especialistas ou pedindo de forma geral mais consciência dos motoristas e esforço das autoridades.
Na TV, os jornais locais repetiam a ideia que uma ação coordenada do governo precisava ser feita. Logo (ou paralelamente), os diretores do Detran e da Polícia Militar começaram suas campanhas. O então governador (e hoje senador), Cristovam Buarque, instalou radares por toda a cidade e deslocou policiais em pontos estratégicos para educar a população – motoristas e pedestres –, diariamente.
Daquela época, lembro de PMs do batalhão do trânsito visitando a minha escola pelo menos três vezes em 1997. Havia mais policiais e radares de velocidades nas ruas, sim, mas o símbolo da campanha pela civilidade no trânsito era o respeito à faixa de pedestres. Era uma operação de mobilização intensa, por algo, bom repetir, óbvio, que todo mundo sabia que deveria fazer. Mas que, pela primeira vez, éramos lembrados sistematicamente dos custos sociais de não fazer o certo. A campanha durou pouco mais de um ano, e o resultado permanece:
Lendo reportagens para escrever isto, me deparei com uma entrevista que Cristovam deu à Veja,
em 1998. Ele responde de maneira interessante à pergunta “por que essa
política deu certo em Brasília e não em outras cidades?”
Não sei. Só sei dizer que é fácil porque são propostas que podem ser executadas sem tomar nada da elite, que em geral resiste a esse tipo de política. Faz-se isso sem aumentar o imposto cobrado da elite. Para quem acha que esse é um ponto de vista conciliatório, tenho a dizer o seguinte: se você tomar muito da elite, ou sua política dá errado ou você está numa ditadura.Eu também tenho uma certa questão com o uso da palavra “elites”, mas Cristovam tem razão em dizer que as políticas que não mexem no bolso dos poderosos tendem a ser mais amplamente abraçadas. Foi o caso. Será que não conseguimos fazer algo parecido com o lixo na rua ou em locais públicos?
O lixo
Há um ano, a prefeitura do Rio de Janeiro começou a campanha “Lixo Zero”.
O mote, “agora é pra valer”, dá uma ideia de que o motor da
conscientização são as multas – que variam de R$ 157 a R$ 3.000
dependendo do tamanho do lixo – para quem é flagrado emporcalhando a
cidade.
O esforço da Comlurb envolve mais de 600 agentes e parece estar dando resultado: alguns bairros tiveram redução de 58% do lixo nos primeiros 4 meses (e 23 mil multas aplicadas). O sucesso inspirou outras cidades, como Vitória e São Paulo a acelerar projetos semelhantes há muito engavetados nas câmaras municipais.
Faz algum tempo que não vou à terra dos cariocas, mas não acho que a cidade agora esteja limpíssima. Na última terça, foram recolhidas 18 toneladas de resíduos apenas nas proximidades das Fanfests, em Copacabana.
Ao contrário dos japoneses, achamos que na Copa (ou carnaval) estamos de altas. Os caras que andam mijando em qualquer muro na Vila Madalena que o digam.
Os resultados iniciais do Lixo Zero mostram que é possível convencer as pessoas de fazer o óbvio, o certo, mais vezes. Mas eu não sei se a campanha terá um resultado tão efetivo e duradouro quando a Paz no Trânsito lá atrás, por alguns motivos.
O primeiro é que o foco parece estar na punição. A multa tem que ser um dos instrumentos, mas ficar apontando para quem faz errado não é o melhor caminho para ganhar o coração da população. Isso ficou claro na malfadada campanha de respeito à faixa de pedestre em São Paulo por volta de 2012. Aqui, focou-se em como o pedestre tinha que atravessar no lugar certo, e a prefeitura colocou uns mímicos para tirar sarro de quem fazia errado. Foi um desastre, com resultados pífios.
A outra questão é que talvez seja mais difícil fazer uma campanha maciça hoje em dia. Parece contraintuitivo, mas o raciocínio é o seguinte: no meio dos anos 90, não havia internet praticamente. Uma campanha da Globo e do maior jornal da cidade conseguiam efetivamente chegar a absolutamente todo mundo. E quando eles decidiram que iriam falar sobre aquilo todos os dias ouvimos aquilo todos os dias. Não tinha como fugir.
Hoje, com a (saudável) democratização dos meios de comunicação, é difícil pensar em algo assim, por tanto tempo. É preciso um esforço coordenado de muita gente, para pescar todas as pessoas que passam longe dos tais “meios de comunicação de massa” (são muitas, e crescendo). Hoje, estamos acostumados a nos “engajar” em muitas causas ao mesmo tempo, de maneira superficial. Em uma semana tuitamos pelo Marco Civil, ou as garotas raptadas na Nigéria, mas mudamos a pauta dias depois. Curtimos e compartilhamos uma campanha, assinamos uma petição e mudamos de causa. A mídia “tradicional” também muda de tema mais rapidamente hoje, para saciar nossa fome de novidades.
Só que, no caso da faixa de pedestres, foi preciso um ano da ideia martelada na cabeça para melhorarmos. Será que conseguimos repetir isso? Será que podemos eleger alguns hábitos a serem aprendidos e abraçarmos a causa?
Isso passa pela nossa relação com o espaço público. Lembro de quando ainda dirigia mais frequentemente, via um motorista jogando algum papel na rua e várias vezes acelerava para chegar perto, buzinar e mandar um olhar de reprovação (ou mandar um “porco!”, dependendo do humor). Não tenho muito orgulho disso, olhando em retrospectiva. E não acho que seja o caminho para “educar”.
Dia desses, alguém jogou o lixo no chão perto de mim e instintivamente catei para jogar na lixeira, e a pessoa olhou pra mim meio sem-graça, pedindo desculpas. Talvez isso tenha sido mais eficaz. Porque mostrei que o trabalho de deixar a nossa cidade limpa era de todo mundo.
O esforço da Comlurb envolve mais de 600 agentes e parece estar dando resultado: alguns bairros tiveram redução de 58% do lixo nos primeiros 4 meses (e 23 mil multas aplicadas). O sucesso inspirou outras cidades, como Vitória e São Paulo a acelerar projetos semelhantes há muito engavetados nas câmaras municipais.
Faz algum tempo que não vou à terra dos cariocas, mas não acho que a cidade agora esteja limpíssima. Na última terça, foram recolhidas 18 toneladas de resíduos apenas nas proximidades das Fanfests, em Copacabana.
Ao contrário dos japoneses, achamos que na Copa (ou carnaval) estamos de altas. Os caras que andam mijando em qualquer muro na Vila Madalena que o digam.
Os resultados iniciais do Lixo Zero mostram que é possível convencer as pessoas de fazer o óbvio, o certo, mais vezes. Mas eu não sei se a campanha terá um resultado tão efetivo e duradouro quando a Paz no Trânsito lá atrás, por alguns motivos.
O primeiro é que o foco parece estar na punição. A multa tem que ser um dos instrumentos, mas ficar apontando para quem faz errado não é o melhor caminho para ganhar o coração da população. Isso ficou claro na malfadada campanha de respeito à faixa de pedestre em São Paulo por volta de 2012. Aqui, focou-se em como o pedestre tinha que atravessar no lugar certo, e a prefeitura colocou uns mímicos para tirar sarro de quem fazia errado. Foi um desastre, com resultados pífios.
A outra questão é que talvez seja mais difícil fazer uma campanha maciça hoje em dia. Parece contraintuitivo, mas o raciocínio é o seguinte: no meio dos anos 90, não havia internet praticamente. Uma campanha da Globo e do maior jornal da cidade conseguiam efetivamente chegar a absolutamente todo mundo. E quando eles decidiram que iriam falar sobre aquilo todos os dias ouvimos aquilo todos os dias. Não tinha como fugir.
Hoje, com a (saudável) democratização dos meios de comunicação, é difícil pensar em algo assim, por tanto tempo. É preciso um esforço coordenado de muita gente, para pescar todas as pessoas que passam longe dos tais “meios de comunicação de massa” (são muitas, e crescendo). Hoje, estamos acostumados a nos “engajar” em muitas causas ao mesmo tempo, de maneira superficial. Em uma semana tuitamos pelo Marco Civil, ou as garotas raptadas na Nigéria, mas mudamos a pauta dias depois. Curtimos e compartilhamos uma campanha, assinamos uma petição e mudamos de causa. A mídia “tradicional” também muda de tema mais rapidamente hoje, para saciar nossa fome de novidades.
Só que, no caso da faixa de pedestres, foi preciso um ano da ideia martelada na cabeça para melhorarmos. Será que conseguimos repetir isso? Será que podemos eleger alguns hábitos a serem aprendidos e abraçarmos a causa?
Isso passa pela nossa relação com o espaço público. Lembro de quando ainda dirigia mais frequentemente, via um motorista jogando algum papel na rua e várias vezes acelerava para chegar perto, buzinar e mandar um olhar de reprovação (ou mandar um “porco!”, dependendo do humor). Não tenho muito orgulho disso, olhando em retrospectiva. E não acho que seja o caminho para “educar”.
Dia desses, alguém jogou o lixo no chão perto de mim e instintivamente catei para jogar na lixeira, e a pessoa olhou pra mim meio sem-graça, pedindo desculpas. Talvez isso tenha sido mais eficaz. Porque mostrei que o trabalho de deixar a nossa cidade limpa era de todo mundo.
De
novo, voltando ao exemplo lá em cima: os japoneses catam o lixo
independentemente de quem jogou. A ideia não é “cada um é responsável
pela sujeira que produz”, mas “todos são responsáveis por deixar a
cidade mais aprazível”.
É uma diferença importante.
Em uma das coletivas de imprensa, os jogadores se mostraram tremendamente orgulhosos do seu povo, felizes de darem um exemplo.
É uma diferença importante.
Em uma das coletivas de imprensa, os jogadores se mostraram tremendamente orgulhosos do seu povo, felizes de darem um exemplo.
E,
em menor escala, eu volta e meia exerço esse bairrismo saudável, de
contar vantagem que o povo da minha cidade “para na faixa”, algo banal.
Poderíamos ter mais disso. Os paulistanos poderiam se orgulhar que aqui
as pessoas cedem o assento para idosos (é mais comum que em outros
lugares). O Rio caminha para ser a cidade em que as pessoas não jogam o
papel na rua. Brasília é a cidade onde, também, os motoristas não buzinam. E, como os torcedores que foram ao estádio com os japoneses, vamos aprendendo uns com os outros.
Precisamos
de grandes campanhas para pequenas coisas. Duradouras, fortes, com o
apoio de todos. Um ano aprendemos a parar na faixa.
No outro a catar o lixo.
Só estamos há 500 anos aqui, uma hora aprendemos toda a cartilha da civilidade.
No outro a catar o lixo.
Só estamos há 500 anos aqui, uma hora aprendemos toda a cartilha da civilidade.
Sabedoria, Saúde e Suce$$o: Sempre.