Por Artur Rodrigues e Pedro Ivo Tomé em Folha de São Paulo
A
chamada Lei da Palmada, aprovada no último dia 4 no Senado, é subjetiva
e não acrescenta nada à legislação vigente, dizem advogados ouvidos
pela Folha.
Deixa brecha, inclusive, para a própria palmada. A legislação proíbe
"castigo físico" que cause "sofrimento físico" ou "lesão". Apesar do
apelido, a palavra "palmada" não consta no texto. Nem outra semelhante.
Cinco advogados ouvidos pela Folha afirmam que a regra deixa brechas para várias interpretações.
O
criminalista Carlos Kauffmann diz que, para o caso de castigo físico
que cause sofrimento ou lesão, já constam lesão corporal e maus-tratos
no Código Penal. "Se der a palmada sem sofrimento físico ou moral e sem
lesão corporal, não há problema."
Na
tramitação no Congresso, o texto proposto pelo Executivo sofreu uma
mudança. A palavra "dor" foi trocada por "sofrimento físico". Com isso,
diz Kauffmann, a legislação ficou ainda mais subjetiva.
Efeito simbólico
Alamiro
Velludo Netto, criminalista e professor de direito penal na USP,
concorda que a norma não proíbe todo tipo de tapinha. "A palmada que tem
mais efeito simbólico, de correção, não foi proibida, mas sim aquela
que tem o caráter de agressão."
Segundo
ele, a lei gera um grande desafio para os juízes, que terão de dar
contornos mais precisos ao que deve ser considerado sofrimento físico.
"Em
que medida um tapa é significativo? A forma como ele é dado, o
contexto, tudo isso deverá ser considerado [na Justiça]. Uma palmada
pode não ser considerada sofrimento físico, e o que vai determinar isso
serão as decisões [judiciais]", diz o advogado.
O
que a lei deve penalizar é a situação em que o responsável pela
criança, seja a mãe ou o pai, ultrapasse os limites do razoável, afirma o
professor.
O
criminalista Fernando Castelo Branco ressalta que agressões devem ser
punidas, como prevê a lei. O medo dele é que, por ser ampla, a nova
regra abra espaço para interpretações radicais.
"O
pai que dá uma palmada no filho que sai correndo para atravessar a rua
causou um sofrimento físico na criança?", pergunta ele, que não vê na
palmada tratamento degradante.
O
professor de direito penal Luiz Flávio Gomes lembra que a norma não
prevê punições penais, mas encaminhamento para tratamento. "Se a lei
penal que prevê pena não surtir efeito preventivo, uma lei sem prever
punição vai surtir menos efeito", diz.
"A violência física, sobretudo doméstica, é cultural. As leis não mudam a realidade", acrescenta Gomes.
Denuncismo
Para
a advogada Carmen Nery, especialista em administração legal, a lei
interfere em assuntos familiares e pode gerar um denuncismo que
sobrecarregaria o Judiciário.
"Agora, o juiz vai verificar se tal chinelada fere ou não fere a Lei da Palmada", diz.
"Você
acha que um Judiciário como nosso, lotado, sem condição de julgar
latrocínios e serial killers, tem de decidir se a palmada foi bem dada e
o beliscão foi excessivo?"
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