Num fim de noite, depois do show em São Paulo, ela fala de amor, de viagens, do filho e de um neto prometido
Maysa-cantora, todo mundo conhece (e gosta). Mas a Maysa-mulher, como estará, em janeiro de 76?
“Quando
as pessoas se referem à cantora Maysa, só querem saber quantos uísques
ela já bebeu hoje. Mas eu não gostaria que todos continuassem a pensar
que a bebida é a única coisa importante para mim. Todas as noites saio
cansada, vou para casa e me deito. No dia seguinte, às 10 horas,
invariavelmente, minha mãe pega o telefone e me acorda. Acordo
contrariada, nem bem descansada da véspera. Acontece que ela ainda não
se acostumou com a ideia de que sou uma mulher adulta. E pelo telefone,
todos os dias, quer saber se eu dormi bem, se já tomei café, o que vou
comer no almoço, essas coisas. Às vezes penso que sou mesmo essa menina
que ainda não cresceu. Pois é. Gostaria que o público me visse também
assim, como uma menina. Ao mesmo tempo, quero que as pessoas me vejam
como mulher. É essa contradição, a Maysa verdadeira. Claro, comecei com
um background muito especial. Mas qualquer Matarazzo que
resolvesse cantar, sentiria a mesma reação. Uma coisa que eu faço
questão de dizer é que meus cunhados não brigaram comigo por eu ter
partido para os palcos e microfones. Quem realmente se chocou fui eu.
Começar a cantar terá sido um choque muito maior para mim do que para
qualquer outra pessoa. Na verdade, cantar era uma maneira de sair da
gaiola. Foi o que eu fiz. E, se não foi fácil no começo, ficou cada vez
mais difícil à medida que o tempo passava.”
Um neto como outro filho
Esse show de agora é dedicado por ela a seu filho Jayme.
“Atenção, que o nome dele é Jayme, com y.
É o meu maior amigo. Aliás, o único. Só que ele ainda não se deu conta
disso. Está com 19 anos, de casamento marcado e tudo. Mas o melhor é que
vai me fazer avó. Quero curtir esse neto como se fosse um outro filho.
Meu neto será o filho que eu mesma não posso ter. agora, quando as
pessoas me procuram para elogios, para dizer que gostam do meu show,
que estou muito bonita, essas coisas, digo sempre que é por causa do
Jayme, que é para ele que estou cantando agora. É para o Jayme que eu
dedico Dindi, por exemplo. Todo mundo tem o seu Dindi; o meu é o Jayme.”
Planos?
“Estou preparando uma grande viagem, para breve. Primeiro vou ao México, cantar. Depois quero alugar um trailer,
para percorrer os Estados Unidos (é preciso visitar os Estados Unidos
antes que ele acabe). Vou viajar absolutamente sozinha; em cada lugar
quero curtir as pessoas que encontrar, as pessoas que forem legais. Pois
é. Sou uma pessoa solitária, sim. E muito. Incrível? Não é? Justamente a
Maysa que tem tanta vontade de ser feliz, que teve e continua a ter
tantas oportunidades de ser feliz. Mas acho que o meu mau é exatamente
esse: estar sempre se lamentando, explorando ao máximo minha
autopiedade. Posso conseguir as coisas que quero, tenho tudo para chegar
a isso que se convencionou chamar de felicidade. Mas prefiro me
machucar, me arrebentar. Atualmente, o livro que estou lendo é Jogo da Amarelinha,
do Júlio Cortázar. Aliás, outro dia vi uma foto dele: pareceu-me muito
bonito, essa beleza das pessoas tranquilas. Em paz consigo mesmas. (Acho
que é por isso que ele consegue escrever coisas tão lindas.) Mas minha
vida, hoje, é mais ou menos assim como um jogo da amarelinha, quando a gente tem todas as oportunidades de chegar ao céu e acaba caindo no inferno.
Amor?
Quando
alguém me pergunta o que é amor eu sinceramente não sei o que
responder. Está certo: amor é uma palavra muito bonita, mas não define
coisa alguma. Hoje em dia, acho que o meu maior ato de amor é cantar. A
pena é que cantar, para mim, ainda não se transformou – apesar de tudo –
numa forma de expressão, no sentido realmente completo do termo. Pelo
contrário, é apenas uma maneira de ganhar dinheiro. Mas acredito que
chegará o dia em que conseguirei cantar como se fosse a coisa mais
natural do mundo, assim como comer ou escovar os dentes; um ato
absolutamente natural. Então, cantar vai deixar de ser apenas profissão.
Porque quando me perguntam qual é a minha profissão, faço questão de
dizer que minha profissão é ser.”
Infância?
“Minha
infância foi muito alegre. Engraçado... eu preferia brincar com os
meninos, não com as meninas. Às vezes entrava em brigas feias, batia até
neles. Mas, cantar, cantei sempre. Ainda menina, me lembro, ganhei um
gravador de presente, todo vermelho. Olhava no espelho e me maquilava
igual à Marilyn Monroe. Só cantava música americana. Mais tarde fugi de
casa e fui gravar o que seria o meu primeiro disco. Fui junto com o
Baby, famoso guitarrista do Oásis, uma boate paulista que era o lugar da
moda nos anos 50. Gravei esse disco em 1951. De um lado, uma música
americana, do outro, Se eu Morresse Amanhã de Manhã. Aí é que veio o convite do Roberto Corte-Real para gravar meu primeiro LP.”
Solidão?
“Talvez
meu maior mal seja a minha enorme incapacidade de conservar uma
amizade. Desfaço, com três pontapés, meu relacionamento com uma pessoa
que queira ser meu amigo. Chuto as pessoas que estão querendo gostar de
mim. Chuto e depois fico com vergonha de procura-las outra vez. Mas no
fundo sei que sou uma mulher muito gostável. O problema é que
prefiro ficar na defesa, defendendo-me justamente de quem gostar de mim.
Dizem que sou uma mulher que foi muito amada. Será que isso é mesmo
verdade? Se eu fosse uma mulher diferente do que sou, se fosse alguém
totalmente desconhecida, aí talvez eu pudesse responder com sinceridade,
dizer alguma coisa melhor sobre o amor. Mas sou quem sou. Assim, volto a
repetir: meu principal ato de amor é cantar. E é exatamente por isso
que eu detesto a palavra carreira. Porque o que eu realmente
desejaria é que meu canto fosse apenas um modo de expressar o meu amor.
Mais nada. No mais, vivem querendo saber o que eu tenho de diferente em
relação às outras mulheres, às outras cantoras. Olha, pra quem quer
mesmo saber a verdade, é simples, simples até demais, no fundo, tenho
uma imensa preguiça de ser eu mesma. E que ninguém me venha com o papo
de que é preciso aprender a amar. Às vezes acontece de você encontrar
alguém em quem possa jogar essa sensação chamada amor. Mas aí, de
repente, o que se passa é que você percebe que jogou errado.”
Definições?
“Não
é fácil definir as coisas, não gosto quando as pessoas exigem que eu
defina isto ou aquilo. Querem saber qual é o homem ideal para mim? De
preferência, um homem calado. Só que não existe nada ideal. O que hoje
pode ser uma coisa ideal, amanhã pode não ser. E depois, a ser chateada,
prefiro minha solidão. Será que seria assim tão bom se eu encontrasse
alguém que precisasse de mim? Às vezes, o que me dói mais é saber que há
alguém me amando”...
É essa Maysa-mulher que está cantando na Igrejinha, uma boate paulista, todas as noites, num show que começa assim:
“... vai lembrar de alguém/que só carinho pediu/e você fez questão de não dar/fez questão de negar...”
Reportagem de Luiz Carlos Azevedo
Fotos de Wilson Chumbo
(Reportagem publicada originalmente na revista FATOS & FOTOS em janeiro de 1976)
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