26 junho, 2013

E agora, José.: JP - Do Fundo do Baú

Carlos-Drummond-de-Andrade

A voz das ruas dispara em tantas direções que ninguém sabe o que vem a seguir. Sinto a alma perdida e imediatamente me lembrei de Carlos Drummond de Andrade e de seu “José”.
Ouça o poema declamado pelo próprio Drummond.


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,

e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?

e agora, José?

Está sem mulher,
está sem carinho,
está sem discurso,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?



Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?


Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!


Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia, 
sem parede nua
para se enconstar,
sem cavalo preto
que fuja a galope
você marcha, José!
José, para onde?