14 março, 2013

O Açougueiro, as prostitutas e a saga de um time que morre! por Francisco Zaidan via Valeria Zez

Valeria Zez compartilhou um link.

Bom dia Guria!!! Tá ai a coluna da sua Santidade Francisco I ...bjossss

Cazé é proprietário de um açougue. Um velho caipira de classe média, morador de uma cidade média, com uma felicidade média, mas que não deixa de receber com orgulho a honraria infame de ter o menor e mais longevo estabelecimento deste gênero na cidade. Vende bifes às senhoras do bairro quase por altruismo, sua especialidade, que lhe garante transações em escalas comerciais, são as lingüiças; iguarias de aspecto horrível e incompreensivelmente saborosas. Atesto que nos tempos onde eu ainda não me tornara vegetariano, eu era um consumidor contumaz das lingüiças de Cazé; imploro que não leiam esse trecho amparados pelo irresistível duplo sentido, brincadeira, se é irresistível é inócuo lutar contra, simplesmente leiam, sou aprazível perante as inevitáveis piadas.   

Cazé é moreno e ostenta um penteado indecifrável, a versão retro e anti-engomada do “amante latino”, um típico senhor que para se divertir ouve Reginaldo Rossi e, quando deseja se ensimesmar com algo mais sofisticado, se esbalda no Altemar Dutra. Cazé tem duas distrações, quiçá pechas, torcer pelo combalido Nacional Futebol Clube de Uberaba e duas vezes ao mês se deliciar com as lolitas profissionais sedentas pelos dividendos de sua micro-empresa. Sua esposa tem ciência das peripécias do esposo “garanhão”, mas quando questionada se cala acomodada pelo controverso principio exposto por Clare Boothe Luce: “Nada como uma boa dose de uma outra mulher para fazer um homem apreciar mais sua esposa”.  

O Nacional me desperta uma inquietude visceral, me levando a crer que seu muso inspirador é o grande Botafogo, não só pelo lacônico alvinegro de seu escudo e de sua camisa (times de futebol usam camisas, “manto sagrado” é uma expressão que não me estimula, um exagero deificado para algo que, em suma, é a apoteose do profano), mas principalmente pela estranheza de suas vicissitudes. A torcida de ambos os times tem o mesmo perfil, sua vanguarda tem tara pela melancolia e autoflagelo. Evidente que as semelhanças se limitam aos folclores e estereótipos que marcam os dois clubes. Ao contrário do Glorioso de General Severiano, as glórias do Naça, se é que já existiram, nunca pularam os muros de sua triste aldeia zebuína. Nem em sua terra nativa o alvinegro uberabense gozou ou goza de prestígio popular, quase sempre esteve sob a sombra de seu arquirrival Uberaba Sport Club. O Nacional, na prática, não existe mais; para ser mais justo diria que seu ano se resume a um torneio obscuro que equivale a terceira divisão do Campeonato Mineiro. Sabe o que é pior, não há quem lamente neste muro, a torcida nacionalista míngua a cada morte de um velho ranzinza, não existe remédio que cure os times pequenos, quanto mais os minúsculos. Infelizmente o NFC é um defunto sem atestado de óbito. “Não é que eu tenha medo de morrer. Apenas não quero estar vivo quando acontecer” (Woody Allen). Só o Naça para conseguir tamanha façanha. Nacional também é metafísica. 

Mas não é a falta de torcedores, estrutura e dinheiro que faz do Nacional um clube diferente das outras centenas de agremiações interioranas, muito menos a inexistência de conquistas, o futebol é um detalhe indesejado ao alvinegro. Troque ópera por Nacional e cantores por bolas, e a frase do grande compositor Gioacchino Rossini seria um bom texto para a lápide do Nacional: “Que maravilha seria a ópera, se não existissem cantores”! São suas maluquices que lhe dão o carimbo de exclusivo

O clube em que, por anos, um mesmo homem – o mito Aboucater – acumulava as funções de presidente e treinador. O clube que tem em seu minúsculo estádio JK seu único patrimônio, ou sendo mais ácido, um mausoléu nada suntuoso e abandonado pelos poucos entes queridos que ainda não tombaram. O JK não se contenta em ser um estádio abandonado, ele fica na Avenida onde prostitutas fazem diariamente seu ponto. É um muro prestes a cair que separa dois pares de oposição formando a ontologia do elo imperfeito, o gênio no banco de reservas com a prostituta em ato que é modelo em potência; o goleiro que já foi do Atlético e, hoje, em plena decadência, amarga e se amarga entre os suplentes do Nacional, com a delicada prostituta de 47 anos que em seus áureos tempos, cantava: “E os homens lá pedindo bis, bêbados e febris a se rasgar por mim”, e hoje não há 20 reais de um caminhoneiro e um beijo de língua sem pudor, que não lhe pareça uma fortuna e bem-aventurança. Ah, como é cruel o devir!

Que coincidência, os dois prazeres de Cazé tem o mesmo endereço. Que ironia, Cazé e o Nacional estão se definhando de mãos dadas. Cazé já avisou seus familiares, quer ser cremado e que suas cinzas sejam jogadas aos pés do muro do JK. Sua esperança é ver o pó, assim como uma semente, brotar em forma de rizoma, cobrindo o muro do mausoléu, ou melhor, do estádio, testemunhando de dia o treino do seu time e de noite se irrigando com o perfume doce e o suor amargo de suas viúvas bastardas.




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