Vale dizer que o tal ataque à liberdade de expressão no Brasil não foi só bandeira do X, o ex-Twitter, de Elon Musk. Outras grandes empresas de tecnologia, as big techs, como a Meta e o Google, amplificaram a tese de perseguição política e fortaleceram as bases digitais do bolsonarismo contra qualquer tipo de regulação das redes sociais.
Na Argentina, o primeiro ano de mandato de Javier Milei também simbolizou um novo fôlego para a direita radical e a extrema direita brasileira. O exemplo argentino se somou ao de Viktor Orbán, na Hungria, e Nayib Bukele, em El Salvador, como inspiração para o bolsonarismo – que também conta os dias para a posse de Trump.
A ascensão dessas figuras no cenário global também assanhou e deu nova força a outros atores, como o Movimento Brasil Livre, o MBL, e a produtora Brasil Paralelo. Esses dois grupos, por sinal, tiveram um grande ano – manchado por algumas reportagens nossas, é verdade.
O movimento de Kataguiri e Mamãe Falei mandou militantes para visitar El Salvador e se aproxima de criar um partido – mas, como revelamos em uma reportagem, usam métodos questionáveis para chegar lá. Já a produtora é alvo de ação no Ministério Público Federal por nossa causa: expusemos seu perigoso plano de espalhar negacionismo nas escolas brasileiras.
Outro marco nesse circuito foi a participação de Jordan Peterson, psicólogo canadense, em um evento da Brasil Paralelo com a presença de Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank. O caso deu repercussão nacional a uma investigação que publiquei dias antes: o banco acobertou um ex-funcionário que, hoje, é diretor da Brasil Paralelo.
Em agosto, outra história nos alçou ao debate sobre a transnacionalidade da extrema direita: nas Olimpíadas de Paris, revelei aqui no Intercept que um funcionário da transmissão oficial repetia sinais associados à alt-right. Por lá, o caso levou à demissão sumária. Por aqui, um assessor de Bolsonaro demorou mais de três anos para ser condenado.
Por incrível que pareça, a eleição municipal também nos fez sair do Brasil. A reportagem que fiz em parceria com o jornalista angolano Cláudio Silva desmascarou a farsa das "300 casas construídas" pelo coach Pablo Marçal na África e, mais que isso, revelou os controversos planos da Igreja Lagoinha, da família Valadão, no continente.
Como argumentam os pesquisadores David Magalhães e Odilon Caldeira Neto neste interessante artigo, as conexões globais da direita radical e da extrema direita não são novidade no Brasil. Desde o integralismo no século 20, grupos formados por brasileiros desenvolveram redes com movimentos fascistas europeus, como o corporativismo italiano.
Mais recentemente, o bolsonarismo tem colocado grande peso em organizações e eventos como o Foro de Madrid e a CPAC. Isso, é claro, tem um custo financeiro. Temos algumas pistas de onde sai o dinheiro. Em maio, por exemplo, publiquei essa reportagem revelando que o fundo partidário do PL estava sendo usado para remunerar um dos organizadores da versão brasileira do CPAC.
Portanto, que fique claro, essa aliança internacional não começou em 2024 — e ainda precisa ser devidamente investigada.
Mas, sim, podemos dizer que o ano em que Bolsonaro teve o seu passaporte apreendido foi exatamente o mesmo em que a extrema direita brasileira tirou um passaporte novinho – e vai usá-lo como panfleto de campanha daqui até 2026.