O desfecho do julgamento não chega a ser uma surpresa. O corporativismo militar sempre se sobrepôs ao compromisso das forças armadas com a democracia. Não há registro na história do STM de condenação de integrantes das forças armadas por crimes graves praticados contra civis, como bem destacou o advogado das famílias das vítimas após o julgamento.
A viúva de Evaldo se sentiu atacada mais uma vez pelas forças armadas: “(Eles) agiram da mesma forma que os militares que atiraram contra o meu carro. Se sentem superiores, se sentem melhores, é lamentável. 257 tiros, pra eles, foi legítima defesa".
Além de todos os privilégios garantidos pelo Estado, a casta dos militares também conta com o privilégio da impunidade. A democracia garante aos militares o direito de serem julgados por um tribunal militar quando cometerem crimes contra civis. É um escárnio.
Mas, na justiça comum, militares começaram a ser presos por tentativa de golpe. Até aqui já temos 8 presos e 27 indiciados. A prisão de Braga Netto na última semana é histórica. Nunca um general quatro estrelas — último posto da carreira nas forças armadas — havia sido preso.
Ainda assim, todos eles têm direito a uma cela especial antes da condenação definitiva. Braga Netto, por exemplo, que está preso, hoje irá dormir em um quarto com armário, ar-condicionado, televisão e banheiro exclusivo.
A prisão fica em uma unidade militar que já foi chefiada pelo general. A família e os advogados têm livre acesso ao local. Esses são alguns dos muitos privilégios que a democracia garante, ainda que provisoriamente, para milicos que tentaram subvertê-la.
O ministro da Defesa, José Múcio, sempre disposto a passar pano para as forças armadas, insiste na tese de que os crimes de militares são cometidos pelos CPFs e não pelo CNPJ. É como se a instituição fosse vítima da ação de algumas maçãs podres. Nada mais falso.
Nem parece que os 8 CPFs que executaram Evaldo e Luciano acabaram de ser absolvidos pelo CNPJ. A história nos mostra que o crime está no DNA das forças armadas e o desejo por tutelar a democracia continua vivíssimo mesmo após a redemocratização.
O Tribunal de Nuremberg demonstrou com clareza que não bastava julgar os indivíduos, mas principalmente as instituições que os comandavam. A SS, a Gestapo e o Partido Nazistas foram julgadas, consideradas culpadas e dissolvidas.
As forças armadas precisam passar por algo parecido. Não bastará punir o CPF dos golpistas e absolver o CNPJ que continuará sendo uma incubadora de golpistas. Este é um problema que a democracia precisa resolver com urgência. Não é possível que as forças armadas continuem se sentindo livres para ameaçar a democracia de tempos em tempos ou metralhar civis sem motivo.
A impunidade que livrou da prisão os militares que assassinaram civis inocentes é o principal motor do golpismo. Ela está enraizada na cultura militar brasileira e nada mudará caso prevaleça a tese do ministro da Defesa.
A realidade é que o governo Lula, até aqui, tem sido uma mãe para a instituição. Este, sem dúvidas, não é um problema de fácil solução, mas o governo precisa parar de pisar em ovos e atuar politicamente por uma reformulação completa das forças armadas. O momento é propício, a conjuntura é favorável e o presidente tem habilidade política necessária. Esta é uma batalha difícil, mas inadiável.
Múcio sinalizou que quer deixar o cargo. Não dá para escolher outro ministro frouxo que queira poupar a instituição e penalizar indivíduos. A Justiça e a Polícia Federal têm feito a sua parte. Há uma mudança em curso.
Mas ainda falta um ministério da Defesa atuante, que esteja disposto a passar toda a instituição a limpo, sem fulanizar as responsabilidades. Com a saída de Múcio, Lula tem uma oportunidade de ouro para iniciar esse enfrentamento e terminar o governo com uma marca histórica.
É preciso interromper de uma vez por todas esse ciclo interminável de impunidade e conciliação com os militares.