Um fato curioso na polêmica sobre Borba Gato é o seguinte: os malucos que botaram fogo na estátua acreditam na história que ela conta. Acreditam que Manuel de Borba Gato era um homem imponente com traços europeus, que vestia camisa listrada, botas e colete vermelho de couro, e que era poderoso o suficiente para impor sua vontade contra índios indefesos.
Antes da descoberta do Ouro, os Paulistas eram um povo esquecido, pobre, pouco relevante ao imenso império português. Quase todos eram mestiços de índios, portugueses degredados e cristãos novos (judeus convertidos) que chegaram ao Brasil expulsos ou órfãos, depois de seus pais terem sido presos e mortos na Europa. Falando uma boa dose de tupi-guarani, deram nomes indígenas a cidades que fundaram, como Jundiaí, Piracicaba ou Cuiabá. Borba Gato provavelmente cresceu em aldeias, foi criado por índias e, como seus parentes, guerreou contra outras tribos e europeus.
Qual o feito que levou Borba Gato aos documentos históricos? Ter matado um branco – o espanhol Rodrigo de Castelo Branco, fidalgo que fiscalizava a mineração e o pagamento de impostos no Brasil. Em 1682, dom Rodrigo foi a Minas Gerais e questionou Borba Gato sobre a localização de minas de Ouro. Durante uma discussão, o paulista teria se irritado e empurrado o oficial num sumidouro – um buraco aberto pelos mineiros.
O que Borba Gato fez depois do crime? Refugiou-se entre seus amigos – os índios – e “ficou entre eles, respeitado como um cacique”, escreveu seu contemporâneo Bento Fernandes Furtado. “E ali viveu barbaramente, sem concurso de sacramento algum naquele modo de Vida e nem Comunicação com mais criaturas deste mundo por dezesseis anos.”
Os ativistas antiestátuas argumentam que não devemos manter em pé monumentos dos Bandeirantes, que teriam matado e escravizado centenas de milhares de índios. A história é muito mais complexa.
Como conto no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, a ideia de que os Bandeirantes eram homicidas sádicos veio de relatos dos jesuítas à corte espanhola. Para aterrorizar as autoridades europeias, na Esperança de lançá-las contra os Paulistas, os padres os retrataram como assassinos – que ainda colaboravam com judeus e holandeses. A imagem da selvageria dos Paulistas também ajudava a esconder o real motivo do esvaziamento das missões (os índios não confiarem nos padres e se cansarem das regras cristãs).
O padre espanhol Antônio Montoya, por exemplo, numa carta ao reino espanhol falou sobre um ataque a uma missão jesuítica durante o qual os Paulistas teriam matado “índios como se fossem animais”. Já num comunicado interno sobre o mesmo episódio, mudou o tom: “os Paulistas não se atreveram a chegar ao povoado (…) e fugiram quebrando as canoas, correndo pelos montes”.
Muitos historiadores tomaram o relato dos jesuítas como verdadeiros, sem desconfiar dos exageros evidentes. Numa época de armas artesanais, era um tanto difícil poucos Bandeirantes matarem centenas de milhares de pessoas em poucos dias ou acorrentarem dezenas de milhares de índios. Mesmo os jesuítas do século XVII discordaram dos números. Num relato, o ataque de Raposo Tavares a aldeias jesuíticas no Guairá, em 1628, teria resultado em 150 mil índios mortos e outros 40 mil presos. Já na Relação de Agravos, escrita pelos padres Justo Mansilla e Simão Masseta, o total de mortes durante o episódio foi de catorze.
Os incendiários do último sábado teriam sido mais eficientes se fizessem um protesto pacífico para convencer os Paulistanos a derrubar a estátua de Borba Gato. Como não é um monumento fiel à história e nem exatamente bonito, muitos Paulistanos concordariam com a sua retirada.
Leandro Narloch é autor de Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros livros.
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