24 março, 2013

Entendendo o fenômeno Pepe Mujica


Ele é um fenômeno nas redes sociais brasileiras, mas também é personagem de perfis jornalísticos no norte-americano New York Times, no inglês Guardian e no espanhol El País. Todos amam Pepe Mujica, presidente do Uruguai, e quase tudo que faz acaba virando manchete em todo mundo. A mais recente foi a sua não ida ao Vaticano para a entronização do Papa Francisco I (“Eu não sou crente e o Estado uruguaio é laico”, disse, sem papas na língua). O curioso é que esse amor atravessa fronteiras políticas e vai da esquerda à direita e às vezes pelos mesmos motivos.
Mujica e seu fusquinha.

Eleito presidente em novembro de 2009 e empossado em março de 2010, Mujica, 77 anos, já era uma figura conhecida das esquerdas latino-americanas. Foi um dos líderes tupamaros, o movimento de guerrilha urbana célebre pela sua luta contra a ditadura local e pelos roubos à mão armada a bancos e sequestros de figurões nas ruas de Montevideu. “Ele passou 14 anos na cadeia, mais de 10 numa solitária, frequentemente num buraco no chão. Neste período, o deixaram mais de um ano sem tomar banho, e seus únicos companheiros, contou, eram uma perereca e os ratos com os quais compartilhava migalhas de pão”, diz o perfil do New York Times.
Quando a ditadura uruguaia acabou em meados da década de 1980, Mujica foi liberto e entrou para a política. Foi eleito deputado e depois, já nos anos 2000, nomeado ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca, e sempre dividindo seu tempo com a agricultura, mais precisamente a criação de crisântemos, no sítio Rincón del Cerro, onde vive com a mulher Lucía Topolansky, ex-militante e atual senadora.
Em seu primeiro discurso como presidente eleito já deu sinais de como seria o seu governo: “Companheiros, (que não haja) nem vencidos nem vencedores. Nós apenas elegemos um governo, que não é dono da verdade. (...) Companheiros, o mundo está ao contrário. Vocês deveriam estar aqui no palanque, e nós aí, aplaudindo vocês”. Em poucas palavras, o presidente é um servidor público como qualquer outro e exatamente por isso não precisa de regalias.
Mujica dispensou seguranças e carros oficiais, não usa gravatas, só anda no seu fusquinha azul de estimação, recusou a mansão presidencial de Suárez y Reyes, vendeu a casa de veraneio governamental em Punta Del Este e doa 90% de seu salário para ONGs que trabalham com habitações populares. Esse estilo franciscano ganhou fãs no mundo inteiro, principalmente no Brasil em tempos de luta contra corrupção e privilégios escandalosos do Congresso.
No Facebook, e em tom moralista, essas notícias são comemoradas por pessoas de esquerda e direita. Só que Mujica não faz isso para se exibir, é uma opção ideológica, e seu governo não deixa de surpreender. Seus fãs conservadores, por exemplo, tomaram um baque e tanto quando o Uruguai, de um ano para cá, descriminalizou o aborto, legalizou o casamento igualitário, aprovou uma lei de regulamentação do setor de comunicações (contra monopólios midiáticos) e está em vias de aprovar um revolucionário projeto de lei que propõe que o Estado uruguaio regule a produção, a distribuição e a venda de maconha no país (e por causa disso uma ONG holandesa quer indica-lo ao Prêmio Nobel da Paz).
O que uns e outros não param pra pensar é que tudo isso que Mujica vem conseguindo fazer (muito corajosamente, aliás) só é possível em um país pequeno e tranquilo como o Uruguai. Talvez esses fãs do uruguaio não o tratassem tão bem se ele fosse presidente de seus países. Afinal, a grama do vizinho é sempre mais verde.