Hoje estreia Skyfall, novo filme da franquia cinematográfica protagonizada por Bond, James Bond, o agente 007 do Serviço Secreto britânico e um dos três únicos espiões de Sua Majestade que podem receber ordem para cometer assassinatos a sangue-frio. Ou, ao menos, é o que diz a mitologia construída pelo pai literário de Bond, o jornalista Ian Fleming (1908-1964).
Pouca gente sabe, mas antes de ficar rico com os romances sobre Bond, Fleming trabalhara como correspondente da Reuters em Moscou e, após a Segunda Guerra Mundial, atuara como coordenador da rede de correspondentes estrangeiros do Times de Londres. Ele também produziu, para o Sunday Times, uma série de reportagens chamada Thrilling Cities, sobre as cidades que visitou em uma volta ao mundo e, depois, num giro pela Europa.
Em meados de outubro, o Sunday Times publicou uma reportagem sobre o tempo de serviço do autor no jornal, apresentada como a "primeira vez" em que a ficha de Ian Fleming no RH da empresa era aberta, desde que ele pedira demissão, nos anos 50, para se dedicar exclusivamente aos livros. O ponto de destaque da matéria é a suspeita de que a rede de correspondentes de Fleming fosse, também, uma rede de agentes secretos.
Entre os motivos para suspeita de que o emprego no Times não passava de uma "cobertura", estão o salário e a conta de despesas altíssimos, para os padrões de penúria pós-guerra; o fato de Fleming nunca trabalhar depois do almoço às sextas-feiras (quem conhece o ritmo de redação de jornal diário sabe que qualquer ausência na tarde de sexta é suspeitíssima); e o fato de haver poucos jornalistas experientes na rede, a ponto de Fleming ter tido de escrever um pequeno manual com o beabá da profissão para seus subordinados.
Agora, a ideia de um manual de redação jornalística por Ian Fleming é boa demais para deixar passar -- o que ele poderia dizer? "o texto deve ser mexido, não batido"?
Infelizmente, o Sunday Times não reproduz a íntegra do documento, apenas trechos, comentando que as instruções contidas ali são tão "básicas" que reforçam a suspeita de que os repórteres da rede eram jornalistas amadores, mas espiões profissionais -- afinal, nenhum jornalista que se desse ao respeito precisaria ser informado das coisas que Fleming pusera lá. A impressão que fica é a de que o autor da reportagem considera o manual até um pouco ofensivo.
Um dos trechos reproduzidos na reportagem diz: "Get the facts. Get them first, if you can, but get them right". Ou: "Obtenha os fatos. Obtenha-os primeiro, se possível, mas obtenha os fatos corretos". Além do estilo lacônico, chama atenção a valorização da precisão sobre a velocidade. É desejável conseguir os fatos "antes dos outros", mas o realmente essencial é que eles estejam "corretos".
Realmente fiquei surpreso ao ver que o repórter do Sunday Times considerava essa instrução "óbvia". Minha impressão é a de que a transformação da notícia em commodity, que parece ser o modelo de negócio favorito das empresas de mídia na internet, enterrou de vez a "escola Ian Fleming" de jornalismo, onde estar certo vale mais que ser rápido. O que é uma pena.
Pouca gente sabe, mas antes de ficar rico com os romances sobre Bond, Fleming trabalhara como correspondente da Reuters em Moscou e, após a Segunda Guerra Mundial, atuara como coordenador da rede de correspondentes estrangeiros do Times de Londres. Ele também produziu, para o Sunday Times, uma série de reportagens chamada Thrilling Cities, sobre as cidades que visitou em uma volta ao mundo e, depois, num giro pela Europa.
Em meados de outubro, o Sunday Times publicou uma reportagem sobre o tempo de serviço do autor no jornal, apresentada como a "primeira vez" em que a ficha de Ian Fleming no RH da empresa era aberta, desde que ele pedira demissão, nos anos 50, para se dedicar exclusivamente aos livros. O ponto de destaque da matéria é a suspeita de que a rede de correspondentes de Fleming fosse, também, uma rede de agentes secretos.
Entre os motivos para suspeita de que o emprego no Times não passava de uma "cobertura", estão o salário e a conta de despesas altíssimos, para os padrões de penúria pós-guerra; o fato de Fleming nunca trabalhar depois do almoço às sextas-feiras (quem conhece o ritmo de redação de jornal diário sabe que qualquer ausência na tarde de sexta é suspeitíssima); e o fato de haver poucos jornalistas experientes na rede, a ponto de Fleming ter tido de escrever um pequeno manual com o beabá da profissão para seus subordinados.
Agora, a ideia de um manual de redação jornalística por Ian Fleming é boa demais para deixar passar -- o que ele poderia dizer? "o texto deve ser mexido, não batido"?
Infelizmente, o Sunday Times não reproduz a íntegra do documento, apenas trechos, comentando que as instruções contidas ali são tão "básicas" que reforçam a suspeita de que os repórteres da rede eram jornalistas amadores, mas espiões profissionais -- afinal, nenhum jornalista que se desse ao respeito precisaria ser informado das coisas que Fleming pusera lá. A impressão que fica é a de que o autor da reportagem considera o manual até um pouco ofensivo.
Um dos trechos reproduzidos na reportagem diz: "Get the facts. Get them first, if you can, but get them right". Ou: "Obtenha os fatos. Obtenha-os primeiro, se possível, mas obtenha os fatos corretos". Além do estilo lacônico, chama atenção a valorização da precisão sobre a velocidade. É desejável conseguir os fatos "antes dos outros", mas o realmente essencial é que eles estejam "corretos".
Realmente fiquei surpreso ao ver que o repórter do Sunday Times considerava essa instrução "óbvia". Minha impressão é a de que a transformação da notícia em commodity, que parece ser o modelo de negócio favorito das empresas de mídia na internet, enterrou de vez a "escola Ian Fleming" de jornalismo, onde estar certo vale mais que ser rápido. O que é uma pena.
@SulinhaSVO
Saúde, Sorte e Suce$$o: Sempre.