A Amazônia passou por mudanças climáticas significativas nas últimas cinco décadas, que afetaram diretamente os recursos nutricionais e econômicos de povos indígenas e comunidades locais. Soluções como a restauração florestal e a bioindustrialização de produtos regionais são essenciais para apoiar as sociobioeconomias amazônicas de saudáveis florestas em pé e rios fluindo.
Em colaboração com os pesquisadores Diego Oliveira Brandão e Julia Arieira, investigamos os impactos das mudanças climáticas na sociobioeconomia da Amazônia. Destaco aqui os principais resultados desta pesquisa, publicados na revista Estudos Avançados.
Tendências das mudanças climáticas
Dados climáticos e de sensoriamento remoto apontam tendências preocupantes na Amazônia, como aumento de temperatura, maior frequência de secas extremas e numerosos focos de incêndios florestais. Relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), da OMM (Organização Meteorológica Mundial) e do SPA (Painel Científico para a Amazônia) confirmam essas tendências.
Os dados de temperatura média anual mostram a trajetória de aumento entre 1974 e 2023, que continua em 2024. Em 2023, Manaus (AM) e Monte Alegre (PA) registraram temperaturas recordes de 28,8°C e 27,9°C, respectivamente. Em relação à média de 1990-2010, as temperaturas em 2023 foram 1,7°C mais altas em Manaus e 0,9°C mais altas em Monte Alegre. A temperatura na região tem aumentado de 0,3°C a 0,4°C por década, havendo projeções que apontam para um possível aumento de até 6°C até 2100, em cenários de altas emissões de gases de efeito estufa, em comparação aos níveis pré-industriais (1850-1900).
As secas extremas neste século na Amazônia ocorreram em 2005, 2010, 2015/2016 e 2023/2024. São fenômenos climáticos associados ao aumento da temperatura da superfície dos oceanos Atlântico (tropical norte) e Pacífico (equatorial, eventos de El Niño). Esse aquecimento altera a circulação atmosférica em grande escala, enfraquece os ventos alísios, prolonga a estação seca e leva ar mais quente e seco para a região. Além disso, o desmatamento, a degradação florestal e a fumaça de incêndios florestais agravam as secas na Amazônia.
O aumento da temperatura e a redução da umidade do solo e da atmosfera têm favorecido a ocorrência e a persistência de incêndios florestais na Amazônia. Entre 1999 e 2023, foram registrados 2.744.605 focos de incêndio na região, sendo cerca de 90% associados a atividades humanas ilícitas e insustentáveis. Recentemente, ações coordenadas por organizações criminosas, conhecidas como "dia do fogo", têm intensificado a destruição da floresta e agravado os problemas de saúde relacionados à fumaça dos incêndios florestais.
Implicações das mudanças climáticas na sociobioeconomia
As mudanças climáticas estão levando a Amazônia aos pontos de não retorno (tipping points em inglês). A elevação de temperatura entre 1,5°C e 2°C, a ocorrência de secas extremas a cada cinco ou seis anos e os numerosos focos de incêndios afetam negativamente o ciclo de vida de várias espécies. Essas mudanças reduzem os serviços ambientais como a polinização e a provisão de proteínas e carboidratos em frutos e peixes nativos. Nesse contexto, soluções baseadas na natureza são fundamentais para mitigar os riscos de rompimento dos limiares que sustentam a estabilidade ambiental da Amazônia.
Soluções baseadas na natureza para apoiar a sociobioeconomia da Amazônia
A restauração florestal e a bioindustrialização de produtos nativos são práticas alinhadas às soluções baseadas na natureza, sendo essenciais para a sociobioeconomia da Amazônia. A iniciativa Arcos da Restauração, proposta pelo Painel Científico para a Amazônia, visa restaurar no mínimo 500 mil quilômetros quadrados em duas regiões amazônicas conhecidas como Arcos do Desmatamento: a maior área de desmatamento no sul da Amazônia e uma segunda área desmatada ao longo dos Andes na Colômbia, Equador e Peru. No Brasil, o projeto nomeado "Arco da Restauração" foi endossado pelo governo federal, lançado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em 2023 na COP28 em Dubai, com o objetivo de restaurar 6 milhões de hectares até 2030 e adicionais 18 milhões de hectares de 2030 até 2050, totalizando 24 milhões de hectares, com investimento de US$ 40 bilhões.
Os produtos florestais da restauração podem impulsionar projetos de bioindustrialização entre os povos indígenas e comunidades locais. A bioindústria é o setor industrial que utiliza a ciência e a tecnologia alinhadas aos princípios da sustentabilidade para transformar matérias-primas da biodiversidade amazônica em produtos industrializados com 2 a 10 vezes mais valor agregado, como alimentos e medicamentos. Para isso, é essencial preencher a carência de infraestrutura e tecnologias sustentáveis que existe na Amazônia para agregar mais valor aos produtos florestais regionais.
Portanto, além de zerar o desmatamento, a degradação e o fogo até 2030 como parte da política ambiental do governo federal, investir na restauração florestal e na bioindustrialização é essencial para apoiar a sociobioeconomia da Amazônia. Isso contribuirá para a construção de uma sociedade mais próspera, conservando florestas saudáveis e garantindo o fluxo contínuo dos rios. Incluir os povos indígenas e as comunidades locais na restauração florestal e na bioindustrialização é fundamental para promover uma repartição justa de benefícios e reduzir as desigualdades na região.